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CELSO PINTO
Os vivos e
os esqueletos
Virou moda, recentemente,
dizer que o governo Fernando
Henrique Cardoso não foi,
afinal, culpado pela deterioração dos resultados fiscais. A
dívida líquida subiu, é verdade, mas isso teria sido consequência apenas do excesso de
honestidade, já que o governo
acabou incorporando nas
contas pecados do passado: os
famosos esqueletos fiscais.
Seria ótimo para o governo
se fosse verdade, mas não é.
Para quem tiver dúvidas, vale
a pena dar uma olhada na
íntegra do "Programa de
Ajuste Fiscal", documento
que acompanhou o pacote recém-anunciado.
No documento, estão listados os esqueletos fiscais absorvidos no governo FHC. Alguns
são claramente despesas feitas
por governos passados. Outros, nem tanto. Mesmo tendo
sua origem no passado, continuaram a crescer, ou foram
agravados no governo FHC
antes de serem reconhecidos
na dívida.
A capitalização do Banco do
Brasil engoliu R$ 15,3 bilhões.
A securitização da dívida
agrícola levou à emissão de
R$ 3,8 bilhões em títulos. A
dívida da Rede Ferroviária
Federal com o INSS foi de R$
1,4 bilhão. O FCVS (Fundo de
Variação de Compensações
Salariais) já levou à emissão
de R$ 3,6 bilhões em títulos.
Moedas de privatização de
empresas estatais foram
transformadas em títulos,
num total de R$ 8,7 bilhões.
Foram absorvidas dívidas de
R$ 2,6 bilhões da Sunamam e
R$ 4,1 bilhões da Siderbrás.
Tudo isso somado, chega-se
a R$ 39,5 bilhões. Ainda existem, nas contas do governo,
mais R$ 23,3 bilhões em esqueletos a serem incorporados
na dívida líquida do governo
nos próximos três anos.
É louvável que o governo,
por razões de transparência,
tenha acrescentado ao estoque da dívida líquida buracos
fiscais que existiam, mas não
eram contabilizados. Pode-se
argumentar que o grosso de
seu impacto fiscal foi feito no
passado, embora, ao transformar essas velhas dívidas em
títulos do governo, pagando
juros estratosféricos, o governo tenha dado um vigor inesperado a esse débito. Não dá
para dizer, contudo, que eles
explicam a deterioração fiscal
do governo FHC.
Uma das razões é que, se
houve esqueletos inesperados
do lado da despesa, houve dinheiro extraordinário no lado
da receita, por meio da privatização. Usando o mesmo documento como fonte, nos quatro anos de governo FHC a
dívida líquida federal foi reduzida em R$ 25,4 bilhões pelo uso da receita de privatização. A receita total de privatização foi muito maior, só que
essa foi a parcela usada para
abater a dívida.
Ainda sobram R$ 14,1 bilhões de esqueletos não compensados por receitas de privatização, mas isso equivale a
algo em torno de 1,5% do PIB.
No período, contudo, o salto
da dívida interna líquida foi
muito maior do que esse. Em
1994, ela era de 29,2% do PIB;
em junho deste ano, havia
chegado a 38,6%, e a previsão
oficial é que bata em 41,9% do
PIB no final deste ano.
Em outros termos, a dívida
líquida dará um salto fantástico de 12,7% do PIB em apenas quatro anos (sendo 7,3%
apenas neste ano). Somando
os esqueletos e descontando a
privatização, só se consegue
explicar 1,5% dessa subida.
Falta explicar o equivalente a
uns R$ 100 bilhões ao PIB de
hoje.
Além da falta de disciplina
fiscal e do impacto perverso
do fim da inflação como compressor de despesas orçamentárias, uma boa parte da explicação é de lavra do governo
FHC: a fantástica taxa de juros praticada. Para citar o
mesmo documento, os juros
reais pagos pelo setor púbico
elevaram-se da média de
3,3% do PIB no período 91-94
para 4,8% no período 95-98.
Neste ano, pode chegar a algo
entre 7,5% e 8% do PIB.
E por que os juros subiram?
"A elevação da taxa de juros
real, usual em processos de estabilização e necessária em
razão da frágil situação fiscal,
foi agravada em virtude de
três crises financeiras internacionais ocorridas em 95, 97 e
98", explica o documento.
Quer dizer, fomos atropelados
pelo mundo.
Faltou o documento dizer
que as três crises só exigiram
taxas indecentes de juros porque o governo não fez o ajuste
fiscal que prometera fazer
desde 93 e porque quis defender, a qualquer custo, uma taxa de câmbio sobrevalorizada. Culpa dos vivos, em Brasília, e não dos esqueletos.
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