São Paulo, terça-feira, 03 de dezembro de 2002

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1ª VIAGEM

Na Argentina, petista vê América Latina fragilizada por "políticas equivocadas"

Lula pede "saídas nacionais" para conter "especuladores"

Sérgio Lima/Folha Imagem
Lula caminha com Eduardo Duhalde pelo jardim de Olivos, residência oficial do presidente argentino


PLÍNIO FRAGA
ENVIADO ESPECIAL À ARGENTINA

Em seu primeiro pronunciamento internacional como presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva criticou as "opções políticas e econômicas equivocadas" que conduziram a América Latina à fragilidade externa e à atual crise financeira. Embora não tenha mencionado explicitamente o presidente Fernando Henrique Cardoso, tanto o conteúdo da fala de Lula como o período a que ela se refere dizem respeito a opções políticas de governo FHC.
Por meio de seu porta-voz, Alexandre Parola, o presidente disse que não comentaria o pronunciamento do presidente eleito.
"O capital estrangeiro é bem-vindo. Mas, para tentar superar as crises econômicas, acabamos por ficar dependentes dos fluxos financeiros internacionais e com isso diminuiu a capacidade de tomarmos decisões soberanas. Ficamos à mercê dos especuladores, que, muitas vezes, nem sabem direito onde nossos países estão situados", disse Lula ao lado do presidente da Argentina, Eduardo Duhalde, nos jardins da residência oficial de Olivos, na zona norte da Província de Buenos Aires.
Acuado pela elevação da inflação no Brasil e preocupado com a crise social argentina, que resultou em novos saques na semana passada, Lula declarou: "Quantas vezes, de duas décadas para cá, vimos a economia da região desorganizada pela inflação ou mergulhar em recessões de dolorosas consequências sociais?", questionou o presidente eleito.
Lula afirmou que o Mercosul -acordo aduaneiro entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai- está "paralisado" e o apontou como a saída para o crescimento sustentado da região.
"Já disse aqui, nesta mesma Buenos Aires querida, que a crise do Mercosul nada mais era do que a crise de cada um dos seus membros. Reflete a dificuldade de encontrar saídas nacionais que possam viabilizar uma grande alternativa regional", afirmou.

Mercosul e Alca
O presidente eleito defendeu uma "coordenação econômica" macrorregional, uma política industrial comum e posições conjuntas do Mercosul na negociação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e com os Estados Unidos e a União Européia, especificamente [leia texto nesta página". "Temos de retomar os ideais dos anos 80, superando rivalidades artificialmente criadas no passado", declarou.
Lula chegou às 10h25 à residência oficial de Olivos acompanhado da mulher, Marisa, dos senadores eleitos Aloizio Mercadante (SP) e Ideli Salvatti (SC), do secretário-geral do PT, Luiz Dulci, do secretário de Cultura de São Paulo, Marco Aurélio Garcia, e do porta-voz André Singer.
Após fotos com Duhalde no jardim de Olivos, dirigiu-se para uma reunião a sós de 40 minutos com o presidente argentino, na ala familiar da residência oficial. Às 11h30, eles abriram a reunião para os respectivos auxiliares.
Pelo lado do PT, falaram, além de Lula, Aloizio Mercadante e Marco Aurélio Garcia. Pelo lado argentino, os interlocutores foram o ministro da Economia, Roberto Lavagna, o chanceler Carlos Ruckauf e Martín Redrado, secretário de Relações Exteriores e Comércio Internacional.
Ao saudar Lula, Duhalde afirmou que todos os partidos políticos argentinos são favoráveis à priorização do Mercosul e por isso se dispôs a iniciar entendimentos ainda durante seu mandato, que se encerra em 25 de maio próximo. "Valorizamos e não esqueceremos que sua primeira visita internacional foi à Argentina, mostrando que o projeto estratégico do Mercosul está em seu pensamento, como no de todos os países da região", afirmou.
A reunião conjunta dos assessores presidenciais só resultou em uma medida prática: o agendamento de um novo encontro para 14 de janeiro. "Não entramos em detalhes que implicassem decisões. Foi uma reunião de declaração de intenções", resumiu o porta-voz André Singer.
Na conversa com Duhalde, Lula reforçou que "expressará seu apoio à Argentina no cenário internacional", segundo relato de Mercadante. Lula se reúne nesta semana em Brasília com o diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Horst Köhler. Os argentinos pediram que o petista se aliasse ao coro dos que pedem a retomada das negociações com a instituição, atualmente paradas, para que o país consiga um empréstimo que lhe traga solvência financeira novamente.
Lula leu seu discurso durante 20 minutos, sob sol forte. O texto, de 15 páginas, foi elaborado no Brasil, em reunião da qual participaram seus principais assessores políticos e econômicos, dentre eles Dulci, Mercadante e Marco Aurélio Garcia.
A presença de Lula contou com cobertura extensiva da mídia local, com seu pronunciamento tendo sido transmitido ao vivo pela TV. Nas ruas, no entanto, o entusiasmo das pessoas estava direcionado para outra coisa: ao campeonato obtido pelo Independiente, anteontem.


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