São Paulo, segunda-feira, 04 de janeiro de 2010

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No palanque, Dilma mimetiza até mesmo os discursos de Lula

Na construção de sua candidatura à Presidência, ministra adota estilo íntimo e próximo do povo, como o presidente

Após grande mudança visual, linguistas detectam menos números e mais emoção nas falas públicas da petista, que tenta deixar retórica racional

Sérgio Lima - 16.out.2009/Folha Imagem


ANA FLOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Em sua construção como candidata petista ao Planalto, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) passa, de um ano para cá, por uma transformação. Enquanto palanques pelo país e viagens com o presidente viraram rotina, uma plástica remoçou o rosto, óculos de grau foram abandonados e o visual incorporou roupas de cores fortes e maquiagem marcada.
Ainda mais evidente é o esforço da escolhida pelo presidente Lula para sucedê-lo em mudar seus discursos, com alterações na linguagem, no conteúdo e até no tom de voz. A pedido da Folha, especialistas em análise de discurso e marketing político examinaram vídeos e áudios de Dilma desde a época em que ocupava a pasta de Minas e Energia.
A ministra, dizem eles, tenta abandonar o "estilo consultora" para falar de forma emotiva -consagrada pelo presidente.
"Ela está tentando se aproximar do Lula, com mais ou menos sucesso", avalia a doutora em linguística Eni Orlandi.
O expediente cada vez mais frequente, diz Orlandi, é criar situações como aquelas em que Lula tem mais êxito: viagens em que seu público é o povo.
"Quando se tem um interlocutor real, isso desencadeia elementos que ajudam a acessar uma fala mais popular".
Nessas situações, Dilma passou a adotar um discurso mais íntimo e próximo do povo.
"Mudou porque é candidata. Está criando uma imagem convincente, fisicamente e pela palavra. Mas ainda está no meio do caminho", afirma Orlandi.

Treinamento
Desde outubro, a ministra recebe um forte treinamento para aprimorar não só seu discurso, mas para lidar com a imprensa, com situações tensas de campanha e mudar o visual.
A equipe de pré-campanha já avaliou que a imagem de competente e realizadora não basta para elegê-la. É preciso criar simpatia e simplificar sua fala, aproximando-a do eleitor.
Segundo a professora Luciana Panke, que para sua tese de doutorado pesquisou mil discursos do presidente Lula, a tentativa da ministra de "falar mais fácil" pode ser percebida desde o início de 2009.
"Ela passou a incluir menos números, a usar mais a emoção, em vez do discurso técnico, de consultoria", afirma. Mesmo assim, discursos longos, que deveriam ser evitados, ainda são a regra.
Segundo assessores próximos, Dilma ainda sofre para falar naturalmente para militantes ou populares. Quase sempre, recorre ao papel. Ela se sente mais à vontade quando o público é o empresariado.
O fim do tratamento de um câncer linfático descoberto em março foi o momento de intensificar as mudanças no visual.
Para Luciana Panke, há uma "evidente lapidação" no visual de Dilma, com mudanças nas roupas e maquiagem.
Apesar de alterações aparentes no discurso, Dilma conseguiu alterar muito pouco sua atitude no palanque. "Ereta, séria, uma imagem muito vinculada à competência", diz.
Em dezembro, a ministra abandonou a peruca, utilizada por causa dos efeitos colaterais da quimioterapia, e mostrou cabelos muito curtos, em um corte moderno.
Até a voz da ministra foi amenizada. "Está com uma voz menos rouca, menos grave, mais feminina", diz Orlandi. "Isso é trabalho de marqueteiro e fonoaudiólogo", afirma.

"Lulês"
Apesar dos esforços para popularizar seu discurso, é pouco provável que Dilma consiga atingir sucesso semelhante ao de Lula. Luciana ressalta que a ministra terá dificuldade de se livrar da retórica baseada na racionalidade -o presidente, diz ela, se utiliza de analogias e didatismo e é muito emocional.
"Se o Lula fosse explicar o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], ia contar um causo", diz Luciana. "Ela [Dilma] não chega a isso."
Para o marqueteiro Nelson Biondi, que fez campanhas para o PSDB, não se pode transformar um candidato naquilo que ele não é, sob o risco de cair em uma figura artificial.
Biondi afirma que, apesar do suor exibido recentemente nos palanques, que torna Dilma mais "povão", ela ficou excessivamente vinculada a imagem de uma "gerente eficiente".
"Acho que a estratégia de mãe do PAC e gerentona é um tiro no pé. Das qualidades do Lula, não é da competência que o povo gosta mais. Eles querem o boa gente, com jeitão amigo, que parece não estar muito aí para trabalho", afirma o marqueteiro. "Ser eficiente já faz parte da imagem do [José] Serra [pré-candidato do PSDB]."

Temas
Além de utilizar bordões e expressões apelativas, Dilma passou a incorporar metáforas, ligando, por exemplo, o futuro e o orgulho de ser brasileiro com conquistas como sediar uma Copa do Mundo e Olimpíada.
Os temas de seus discursos passaram a variar mais, abrangendo assuntos diversos.
Se antes havia o domínio de infraestrutura, energia e desenvolvimento, agora ela fala de direitos humanos, exploração infantil, importância das mulheres, meio ambiente e desigualdades regionais.
Para marqueteiros, o esforço visível de colocar a figura feminina em lugar privilegiado é uma forma de dizer que uma mulher -ela própria- pode chegar à Presidência.


Folha Online

Vejo trechos dos discursos de Dilma Rousseff

www.folha.com.br/090854




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