São Paulo, segunda, 4 de janeiro de 1999

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BANCO NOROESTE
Descoberta de US$ 240 mi em agência das ilhas Cayman surpreende o departamento de contabilidade
Controles internos eram "de botequim'

da Reportagem Local

A julgar pelo depoimento dado à polícia por Jayme Marques de Souza, diretor-gerente com 33 anos de Noroeste, os controles do banco se assemelhavam à contabilidade de um botequim.
Souza disse que, no final de 1997, o departamento de contabilidade se surpreendeu ao descobrir US$ 240 milhões disponíveis na agência Cayman.
Foram então solicitadas explicações a Nelson Sakagushi. Passados vários dias sem que aquele diretor atendesse à determinação, outro diretor, Pedro de Carvalho, cobrou novamente a entrega do relatório solicitado.
Após alguns dias, Souza cobrou Sakagushi novamente, de forma áspera, segundo contou.
Nem tudo, aparentemente, estava perdido. Otávio Valero, que assistia ao diálogo, disse a Souza que o tal relatório dependia de alguns documentos de suporte que estavam na casa de Sakagushi.
Diante desse fato, Souza e Sakagushi entraram numa sala reservada. Sakagushi lhe disse, então, que faltavam documentos relativos a algo em torno de US$ 9 milhões a US$ 12 milhões, mas que a referida quantia iria retornar ao banco. E que ele traria, no dia seguinte, os documentos que dariam suporte a esses valores.
"Muito preocupado" (sic), Souza "imediatamente" (sic) levou o fato ao conhecimento dos demais diretores e à vice-presidência.
Então, determinou que a Price e a auditoria interna fizessem um "levantamento minucioso".
Marcos Ribeiro, que era chefe de câmbio e trabalhou sob a gestão de Sakagushi, disse que, entre 1995 e 1997, recebeu determinações verbais de Valero e Danilo Mainente (um auxiliar de câmbio) para realizar lançamentos na contabilidade da agência Cayman.
Alegando sua condição de formado em ciências contábeis, disse ao delegado não saber explicar o motivo dos auditores da Price não terem apurado o desfalque, pois bastava fazer uma conciliação das contas e seria constatada a diferença no patrimônio do banco.
Por sua vez, Mainente afirmou que a única pessoa que lhe determinava fazer transferências para o exterior, sem o suporte de documentos, era Sakagushi.
² Pista de decolagem
Com um rigor contábil desses, não surpreende a versão de que a maior parte dos recursos desviados do Noroeste se destinava a um projeto de aeroporto na Nigéria.
São conhecidos os casos de golpes aplicados em empresários por nigerianos. A literatura policial, contudo, não registra perdas com o volume sofrido pelo Noroeste.
A ex-secretária de Sakagushi Akiko Inoue disse que, durante dois anos, seu chefe fez ligações para personagem identificado só como "Excelência".
Como ela nunca soube qual era o nome real de "Sua Excelência", decidiu catalogar o número do telefone na letra "R" de sua agenda, pois quem atendia era um tal de Rachid.
Até o último mês em que trabalhou no Noroeste, Akiko atendeu ligações de "Sua Excelência".
O ex-gerente de auditoria interna do banco José Luiz Teixeira Pinto disse que lhe coube apurar a dimensão do rombo e o "modus operandi", trabalho que considerou extremamente desgastante e que durou algo entre quatro e cinco meses.
Pinto concluiu que Sakagushi subtraiu exatos US$ 242,53 milhões. Desse total, US$ 190 milhões saíram da agência Cayman por meio do sistema "swift" (transferência eletrônica). Algo em torno de US$ 20 milhões saiu em fichas de caixa, e cerca de US$ 8 milhões foram usados em operações de arbitragem de moedas (operações especulativas de compra e venda de moedas em praças diferentes).
O restante (cerca de US$ 24 milhões) correspondia a lançamentos contábeis falsos, registrados como receita da agência Cayman, para mascarar o desvio.
² Questão de fé
Segundo Pinto, Sakagushi lhe confirmara que US$ 12 milhões haviam sido entregues a uma "mãe-de-santo", a título de "oferendas", por serviços prestados de proteção espiritual ao banco e a alguns diretores da instituição.
Trata-se de Maria Rodrigues da Silva, "guia espiritual" que também foi ouvida pelo delegado Múcio Alvarenga, responsável pelo caso.
Leocádio Rocha, um diretor que trabalhou no Noroeste durante 40 anos, disse ter presenciado Sakagushi afirmar que os US$ 242 milhões retornariam em 72 horas. E que os recursos que haviam sido dados como "oferendas" a uma "mãe-de-santo" -retirados da agência Cayman- não retornariam.
Em seu depoimento, Sakagushi negou que as oferendas fossem além de doações para a compra de velas e outros objetos litúrgicos.
Carlos Montone, ex-diretor de tesouraria, também confirmou que Sakagushi lhe havia dito que as oferendas espirituais tinham o objetivo de proteger o banco e os seus dirigentes.
Exceto o depoente, que não necessitava de ajuda espiritual, conforme ressalvou Montone no inquérito. (FV)


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