São Paulo, segunda-feira, 04 de fevereiro de 2008

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Rússia faz lobby com viagem, hotel e balé

Governo, dono de empresas que pretendem vender submarinos e caças à pasta da Defesa, bancou ida de brasileiros a São Petersburgo

Código de conduta permite o pagamento de viagem, mas diz que aquele que a oferece "não poderá ter interesse em decisão" do agraciado

DO ENVIADO A SÃO PETERSBURGO

São 9h40 da manhã do domingo de Carnaval, com 0C, neve intermitente, e a comitiva de nove representantes do governo brasileiro na viagem oficial a São Petersburgo (634 km de Moscou) já está na rua para conhecer os pontos turísticos da cidade, com guias e pessoal do Exército russo. Uma hora depois estarão circulando entre os quadros do museu Hermitage, a jóia da coroa da cultura russa. Haviam dormido tarde na noite anterior, pois receberam ingressos dos anfitriões para admirar o balé "Raymonda", no teatro Mariinsky (ex-Kirov), onde a entrada varia de R$ 45,61 a R$ 228,00.
A rotina ditada pelo lobby russo é intensa e o controle da agenda não dá descanso à comitiva brasileira. Toda a viagem de Moscou a São Peterburgo da comitiva de Nelson Jobim, que veio acompanhado da mulher, Adriane Sena, foi bancada pelo governo russo, incluindo transporte, hospedagem, almoços e jantares. O governo também é o dono de todas as empresas e agências que pretendem vender submarinos, caças, helicópteros e blindados ao Ministério da Defesa. É uma gama de nomes pouco conhecidos no Brasil, como Rosoboronexport, Spark, Rubin, mas que movimentam a máquina de guerra russa em escala global.
Os brasileiros deixaram o Legacy da FAB (Força Aérea Brasileira) no aeroporto de Sheremetevo, em Moscou, e vieram num Tupolev fretado da força aérea russa. A passagem aérea da companhia Aeroflot custava ontem R$ 328, ida e volta. Ficaram hospedados num dos melhores hotéis de São Petersburgo, o Renaissance (diária mais barata: R$ 453), a meia quadra da catedral de São Isaac.

Sem compromissos
A agenda de Jobim, divulgada no site do ministério na internet, não revela os caminhos da comitiva. O comunicado de ontem dizia o seguinte: "O ministro da Defesa, Nelson Jobim, retorna com sua comitiva para Moscou, onde permanece sem compromissos oficiais". Ele embarcou às 16h30 de volta à capital. O ministro Roberto Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) não acompanhou a comitiva a São Petersburgo, ele ficou em Moscou.
O Código de Conduta da Alta Administração Federal, que norteia os atos dos ocupantes do primeiro escalão do governo, como o ministro da Defesa, permite, no parágrafo único do artigo 7, o pagamento de despesas de viagem para servidores conferencistas, por exemplo, mas a ressalva é esta: "Promotor do evento (...) não poderá ter interesse em decisão a ser tomada pela autoridade".
Jobim -primeira vez em São Petersburgo- alegou que "não se trata de lobby", que aceitou um convite do ministério russo e disse que o Brasil "age da mesma forma". Um membro da comitiva falou em "reciprocidade". O código de conduta prevê que "presentes" possam ser aceitos por autoridades "somente nos casos protocolares em que houver reciprocidade".
Mas o Brasil não está interessado em vender e talvez nunca tenha vendido um só cartucho de bala para o Ministério da Defesa da Rússia -assim como a Rússia não parece interessada em comprar. A pauta do comércio bilateral Brasil-Rússia, em torno de R$ 5 bilhões anuais, hoje é 90% ditada por carne bovina (venda brasileira) e fertilizantes (venda russa), assuntos do Ministério da Agricultura.
A França também já havia feito o máximo com os possíveis compradores -da agenda oficial de Jobim da última quinta-feira consta um "jantar oferecido pela Dassault", que pretende vender seus caças Rafale ao Ministério da Defesa.
O ministro também não viu problemas no jantar. Para ele, são questões menores, de pessoas "que pensam pequeno".
Oficialmente, as despesas foram pagas "pelo governo russo", mas não é possível saber o que veio do orçamento da Defesa e o que veio direto das estatais. A Folha procurou o Ministério das Relações Exteriores da Rússia, no setor responsável pelo contato com a imprensa da América do Sul, mas a resposta foi que não havia informações detalhadas disponíveis sobre a passagem dos brasileiros pelo país. (RUBENS VALENTE)


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