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"Vazio" no PT fez Dilma candidata, diz Tarso
De saída do cargo, ministro da Justiça afirma que, não fosse o mensalão, partido teria ao menos negociado com Lula
Petista minimiza suposta falta de carisma da ministra, diz que Serra não é "a miss simpatia" e que Ciro "tem respostas bastante duras"
José Varella/Folha Imagem
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O ministro da Justiça, Tarso Genro, em entrevista em seu gabinete, onde disse que casos como o mensalão podem voltar a ocorrer
VALDO CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
De saída do cargo, o ministro
Tarso Genro (Justiça) avalia
que o presidente Lula escolheu
sozinho Dilma Rousseff candidata porque havia um "vazio"
no PT, que estava "fragilizado"
pelo mensalão. Não fosse isso, o
partido "no mínimo faria uma
negociação com o presidente",
que "agiu corretamente".
Candidato ao governo do Rio
Grande do Sul, o petista diz que
a eleição de Dilma para suceder
Lula não é "garantida", mas
aposta que ela é competitiva.
Rival político da mineira radicada no Sul, o ministro diz
não ser adversário dela, com
quem chegou a cogitar disputar
a indicação de Lula -nunca
"seriamente", afirma.
Tarso relativiza a suposta falta de carisma da chefe da Casa
Civil ao analisar os adversários:
"Veja o Serra. Não diria que ele
é propriamente uma miss simpatia. O Ciro tem às vezes respostas bastante duras".
Questionado se há garantia
de que o mensalão não se repetirá, o chefe da Polícia Federal
responde: "Nenhuma", e defende a reforma política.
Sobre a mais recente polêmica em que se envolveu, a discussão sobre a Lei da Anistia, ele
insiste que ela não se aplica aos
torturadores, mas lembra que
sua pasta deixou de liderar o
debate por ordem de Lula.
A seguir, trechos da entrevista feita ontem em Brasília.
FOLHA - O sr. comandou duas
áreas, Segurança Pública e Educação, que, ao fim do governo, deixam
a impressão de que não decolaram.
Sai com um sentimento de fracasso?
TARSO GENRO - Pelo contrário,
saio com a sensação de dever
cumprido. Posso dar exemplos.
Na Educação, a implementação
do Fundeb, do ProUni, da ampliação do ensino superior, de
um programa revolucionário
de escolas técnicas, tudo ancorado no trabalho que eu e o Fernando Haddad planejamos.
FOLHA - E na Segurança, uma das
áreas com pior avaliação?
TARSO - Coisa que começou a
mudar com essa última pesquisa, nessa semana. Pela primeira
vez, as pesquisas mostram que
a sensação de segurança começa a melhorar no país.
FOLHA - O governo demorou a
acordar para essa área?
TARSO - Em primeiro lugar, a
situação da segurança pública é
mais complexa num país como
o Brasil. Em segundo, as condições preparatórias para que a
União começasse a intervir
nesse processo foram realizadas de forma muito lenta. Em
terceiro porque não havia uma
confiança nessas relações federativas, que seriam produtivas.
FOLHA - Além dessas duas áreas, o
sr. atuou também na coordenação
política. Nesse setor, o presidente
Lula não rompeu com uma prática
antiga de distribuição de cargos,
classificada de fisiologismo. Por que
ele não quebrou esse paradigma?
TARSO - Esse paradigma só vai
ser quebrado com uma profunda reforma política. Se não a fizermos, o próximo governo vai
padecer dessas limitações e essas práticas vão continuar.
FOLHA - Não faltou vontade política ao presidente para essa reforma?
TARSO - Faltou vontade não do
presidente, mas do governo. O
governo é um sistema complexo de relações de poder.
FOLHA - O PT, ao contrário do que
pregava quando na oposição, adotou uma política de aparelhamento
do Estado, como classificado pela
oposição. Por que esse modelo?
TARSO - Acho uma premissa
falsa de origem. Porque um
partido que ganha as eleições
tem o dever político de ocupar
os cargos de confiança para tocar a administração pública. O
que existe no Brasil, na verdade, não é uma prática inaugurada pelo PT, mas um excesso de
cargos disponíveis para serem
designados por nomeação.
FOLHA - Mas não seria ideal ter
uma redução desses cargos em busca de uma máquina mais estável?
TARSO - Sim, estou de acordo,
isso é necessário, mas também
essa reforma estrutural do Estado brasileiro só será possível
com outro sistema político.
FOLHA - Qual foi o pior momento
do governo Lula?
TARSO - Aqueles primeiros dois
anos, no chamado mensalão.
Um momento muito difícil.
FOLHA - Como garantir que aquele
episódio não volte a ocorrer?
TARSO - Nenhuma garantia, esses episódios voltarão a ocorrer. Em maior ou menor grau,
essas debilidades irão aparecer
em quaisquer governos, porque
os problemas que ocorreram ali
têm origem nas movimentações políticas tradicionais, fisiológicas ou regionais. Por
dentro desse processo ocorrem
ou não ilegalidades. Frequentemente ocorrem.
FOLHA - Inclusive no PT?
TARSO - Eu acho que no PT vai
diminuir bastante a taxa de tradicionalização da política, em
função da experiência pelo próprio mensalão. Acho que o PT
aprendeu ali uma dura lição.
FOLHA - A direção daquele momento está voltando agora ao poder no PT, como o ex-ministro José
Dirceu. Isso é bom para o partido?
TARSO - Acho normal que isso
aconteça, até porque são pessoas com currículo político antigo na formação do partido, na
história política do país. É natural que voltem. E não foram
julgadas nem condenadas, no
Brasil não há morte civil, essas
pessoas têm direito de voltar à
atividade política, por mais divergências que eu possa ter, o
que não me impede de conviver
com elas no partido.
FOLHA - A escolha da ministra Dilma como candidata a presidente,
feita exclusivamente por Lula, sem
prévias, não foi um retrocesso na linha de democratização do PT?
TARSO - Ocorre que o partido
estava fragilizado em função
daqueles acontecimentos. Tinha de ter alguém que tivesse
um mandato subjetivo do partido para isso. E foi isso que o
Lula fez, num vazio de vida partidária, apresentou a candidatura da Dilma como de composição, que não permitisse que
os grupos políticos passassem a
disputar a indicação. Acho que
o Lula agiu corretamente porque havia um vazio de capacidade decisória sobre o assunto.
FOLHA - Mas a escolha de uma candidata sem tradições no partido, a
imposição de uma neófita no PT...
TARSO - Neófita no partido,
mas uma antiga companheira
da esquerda.
FOLHA - Se fosse um outro momento, teria sido diferente?
TARSO - Se o partido não tivesse passado por aquela crise, obviamente teria sido um sujeito
político muito mais ativo na escolha. No mínimo, faria negociação com o presidente, que
não teve condições de fazer.
FOLHA - Como é ter uma antiga adversária disputando a Presidência
pelo seu partido?
TARSO - Nunca olhei a Dilma
como adversária. Ela foi do
PDT no Rio Grande do Sul e a
conheço há 30 anos. Fomos até
vizinhos, inclusive convivíamos, não cotidianamente, no
meio da esquerda durante o regime militar. Sempre tivemos
uma relação muito boa.
FOLHA - O sr. foi cotado para ser o
candidato do PT, disputando a indicação com a ministra Dilma. Não ter
sido frustra o senhor?
TARSO - Nunca seriamente,
porque nunca fui maioria dentro do partido. Para ser candidato, teria de ser indicado pelo
presidente ou maioria dentro
do partido, ou as duas coisas, de
preferência. Ser indicado pelo
presidente não seria, porque a
minha principal oposição política vem de São Paulo, onde é a
base do presidente. A indicação
do presidente poderia causar
um confronto dentro do partido, o que a Dilma não causa.
FOLHA - A eleição está garantida?
TARSO - Não, não é eleição garantida. Dilma é uma candidata
altamente competitiva e sua vitória dependerá de dois fatos: a
capacidade de transmissão de
votos do presidente, e o seu desempenho no diálogo político
com a sociedade, no debate
com adversários. Acho que esses requisitos serão preenchidos e ela tem grandes possibilidades de ganhar a eleição.
FOLHA - Ela nunca disputou eleição
e é vista como sem jogo de cintura,
pouco simpática. Essas características podem prejudicá-la?
TARSO - A Dilma já tem demonstrado uma capacidade
enorme de reorganizar seu diálogo político não só dentro do
PT, mas também com a sociedade. Todos os candidatos têm
dificuldades. Veja o candidato
Serra, forte e respeitado. Não
diria que ele é propriamente
uma miss simpatia. O Ciro, sabemos que tem às vezes determinadas respostas bastante
duras, que o fazem chocar com
o senso comum.
FOLHA - Os três candidatos são duros, incisivos...
TARSO - Não gosto muito dessa
expressão, porque pode parecer ofensiva, mas [eles] não
despertam imediatamente
uma grande empatia em qualquer setor da sociedade, como
desperta o presidente Lula.
FOLHA - A Secretaria de Direitos
Humanos propôs uma revisão da Lei
da Anistia, e o sr. foi a favor. Por que
só agora? Faltou coragem para tratar desse tema antes, pela crise militar que poderia desencadear?
TARSO - Na verdade não se trata de revisão. Essa palavra, revisão, foi colocada por pessoas
que não querem que a lei seja
interpretada de maneira adequada. E cria a ilusão que se
quer modificar a lei para atingir
militares, o que não é verdade.
Porque aqui, no Brasil, as
corporações militares, ao contrário da Argentina, não estiveram envolvidas em repressão
massiva em qualquer momento
do país. Participaram dos combates no Araguaia, mas aquilo é
combate militar, não é repressão política nos porões como
ocorreu em alguns locais mais
fortemente. O que está se tratando é se essa lei anistiou os
torturadores. A Lei da Anistia é
política, e esses não cometeram
delitos políticos.
FOLHA - O presidente pediu para tirar esse tema da pauta?
TARSO - Não, o presidente pediu -e eu obedeci, sou um ministro disciplinado- que não
fizesse essa discussão a partir
do ministério, mas nas universidades, nas ruas, nas ONGs.
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