São Paulo, domingo, 04 de março de 2001

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ELIO GASPARI

O micreiro do MIT pegou a Nike

Dois americanos, um deles micreiro do Massachusetts Institute of Technology, estão tirando o couro da indústria de equipamentos esportivos Nike.
Num grande lance, a Nike teve a idéia de vender a personalização de seus tênis. O cliente paga US$ 10 adicionais e recebe o calçado com o seu nome, o da namorada ou o que bem entenda. Jonah Peretti, de 27 anos, resolveu encomendar um par de tênis com a palavra "sweatshop". Ela designa um local onde as pessoas trabalham em condições precárias, recebendo salários aviltados. Outro consumidor teve exatamente a mesma idéia.
A Nike é acusada de vender tênis produzidos em países asiáticos por mão de obra aviltada. Um levantamento feito junto a quatro mil trabalhadores de nove das 25 fábricas que servem a empresa na Indonésia revelou que 56% dos trabalhadores queixam-se de insultos verbais, 15,7% das mulheres reclamam de bolinas e 13,7% contam que sofreram coerção física no serviço. Esse estudo foi realizado sob o co-patrocínio da própria Nike. Outro levantamento, feito no Vietnã, mostrou que os trabalhadores ganham US$ 1,60 por dia e teriam que gastar US$ 2,10 para fazer três refeições diárias. Banheiros, só uma vez por dia. Água, duas vezes. O descumprimento das normas de uso do uniforme é punido com corridas compulsórias. Em outros casos, o trabalhador é obrigado a ficar de castigo, ajoelhado. A fábrica da localidade de Sam Yang trabalha 20 horas por dia, tem 6.000 empregados, mas o expediente do médico é de apenas duas horas diárias.
Peretti e o outro cliente da Nike queriam a palavra "sweatshop" nos seus tênis Nike para lembrar coisas desse tipo.
A empresa informou-lhes que não podia colocar a palavra nos sapatos. Argumentou que o regulamento da promoção exclui gírias e palavras consideradas impróprias. Tendo-se provado que "sweatshop" não é gíria, a empresa agarrou-se na impropriedade. As duas encrencas foram parar na Internet, uma delas acabou na televisão e, finalmente, no "The New York Times".
A Nike sustenta que faz o possível para melhorar as condições de trabalho das fábricas às quais encomenda seus produtos. Algum esforço certamente ela faz, mas os seus intermediários estão muito próximos da condição de traficantes de mão-de-obra escrava. Tanto é assim que os poucos contratadores que já andaram pelo Nordeste brasileiro acharam que por cá o trabalho é muito caro. As cooperativas nacionais pagam pouco, não assinam carteira, mas remuneram as férias e o 13º salário. Com esse custo, a mão-de-obra aviltada brasileira fica três vezes mais cara que a asiática.
Faz tempo que o governo brasileiro alia-se aos asiáticos para impedir a inclusão das chamadas "cláusulas sociais" nas normas de comércio internacional. Se fizer o dever de casa e estudar a estrutura de preços dos seus competidores, poderá ter uma surpresa. Aquilo que por cá se chama de "custo Brasil" é um componente da civilização nacional. Se há empresas multinacionais aviltando o trabalho na Ásia, os brasileiros têm mais é que ajudar a puni-las. Até porque, como o exemplo mostra, são os americanos que estão pegando no pé da Nike.


A American Airlines não se interessa

Para quem já foi humilhado por funcionários mal-educados de companhias aéreas. Na noite de terça-feira, aconteceu o seguinte no terminal da American Airlines do aeroporto John Kennedy:
Dois cidadãos chegaram com suas mulheres para tomar o vôo 973, das 22:15, destinado ao Rio de Janeiro. Estavam esperando a chamada do vôo quando a empresa informou que ele fora cancelado. A funcionária da sala de espera disse-lhes que deveriam tomar outro vôo da própria empresa, o 951, que partiria às 22:30 e só decolou às 23:30. Foram ao portão de embarque e lá viram-se barrados. A guardiã da porta, funcionária da American não sabia do cancelamento do outro vôo e informou que nada tinha a ver com a recomendação de sua colega.
Os dois passageiros informaram à senhora o motivo da urgência da viagem. Eram irmãos e iam ao funeral do pai. "Não me interessa", respondeu a representante da American Airlines. Nova argumentação, nova resposta: "Não me interessa".
Veio o gerente e acrescentou: o vôo 951 da American tinha lugares vagos, mas ele não os ajudaria a tomá-lo. Com muito gosto, repetiu isso três vezes.
A American ganhou a parada. Os dois não embarcaram e ficaram com um bilhete-mico nas mãos.
Pedro e João Moreira Salles chegaram ao Rio num vôo do dia seguinte. Tiveram que adiar o funeral do pai.
De volta ao trabalho, Pedro Moreira Salles recomendou ao Unibanco que, a partir de agora, nenhum de seus funcionários ponha o pé num avião da American, que estava entre as companhias usadas pela empresa.
Ademais, constituiu advogados para processar a companhia em Nova York. Lá, a American haverá de apresentar seus argumentos. Se puder apresentar o gerente, a choldra agradece.
Tudo isso é pouco diante da forte suspeita de que a conta da American ficará muito mais cara.
Logo que reencontrou Greta Garbo e Nelson Rockefeller, velhos amigos de outros tempos, o embaixador Walther Moreira Salles soube o que aconteceu aos seus filhos. Greta e Nelson convenceram-no a irem juntos ao gabinete do doutor Donald Carty, presidente da American. Doutor Walther vai com aquele terno branco que usava no verão do trópicos. Os três vão mostrar a Carty que ele enganou sua platéia de investidores quando disse que a American estava preocupada com "conforto, satisfação, lealdade e disposição" de sua freguesia.


Puxa-sacos de todo o mundo: letrai-vos

Todo puxa-saco é um solitário. Não tem parceiros para trocar experiências, êxitos para compartilhar e muito menos bibliografia para se ilustrar. Pelo menos o terceiro embaraço está minorado. Richard Stengel, ex-editor da revista "Time", acaba de ter o seu livro "Você é o Máximo - A História do Puxa-saquismo" editado no Brasil.
São muitas as suas virtudes. A primeira é dar uma base de erudição ao ato de puxar um saco. Uma coisa é agradar o chefe por motivos ridículos, outra é puxar-lhe o saco sabendo que La Rochefoucauld ensinou: "O amor próprio é o maior de todos os bajuladores". Radicalizando o raciocínio, Deus criou o mundo para ser amado. (Regra número um, ninguém é bajulador, o outro é que precisa ser bajulado.)
O primeiro tratadista anti-puxa-sacos foi o romano Plutarco. É dele o antídoto para os monarcas: "Mude suas idéias abruptamente e observe se o bajulador o seguirá". Com experiência de uma vida, o general Ernesto Geisel usava esse método, mas passou a duvidar dele quando percebeu que o número de pessoas capazes de abandonar a franqueza era muito maior do que as dos puxa-sacos propriamente ditos.
Um grande momento do livro é a história do senador Daniel Moynihan (um craque) sugerindo um livro ao presidente Nixon com o argumento de que só uma mente como a sua poderia apreciá-lo. Quando um assessor de Nixon contou a Moyninhan que o presidente estava devorando o livro, ele confessou que nunca o abrira. Stengel acha que esse é um caso extremo de bajulação. Pode ser também caso extremo de cansaço com o ego alheio.
O livro não é um manual de manhas. É uma reflexão ambiciosa. Stengel acredita que nos tempos modernos criou-se um sistema de auto-alimentação bajulativa, no qual inventam-se celebridades para que se possa puxar o saco de pessoas famosas que, por sua vez, adoram ser celebridades para terem os seus sacos puxados. Tudo isso para nada.


Decisão tomada

Façam o que fizerem, Tasso Jereissati não sai do PSDB.
Isso tanto pode significar que a vida dos seus adversários ficou mais fácil quanto exatamente o contrário.
Uma coisa é certa, essa é a decisão do agrado de FFHH.


Serra San

O ministro José Serra descobriu que o melhor lugar do mundo para trabalhar em paz é o Japão.
Passou dez dias a um ou dois oceanos de distância e usufruiu a agradável experiência de não ser envolvido nas seguintes ocorrências:
1) A demissão dos ministros de ACM.
2) As negociações da Justiça de São Paulo com o PCC.
3) A provável degola de Alcides Tápias (pelas suas virtudes) do Ministério do Desenvolvimento.


A voz do estômago

Há Alan Greenspan e há os seus imitadores. Eles falam de economia como se ela fosse Alá e opinam como se fossem seu profeta. São racionais, cultos e misturam estatísticas com palavras difíceis de forma que só seus sócios podem acompanhar seus raciocínios.
Para felicidade da massa ignara, sabe-se agora que um elemento essencial nas decisões de Greenspan é o seu estômago. Em 1996, seus colegas do Fed queriam subir os juros em meio ponto percentual. A proposta tinha sua lógica, e ele não conseguiu derrubá-la com argumentos racionais. Então saiu-se com a seguinte: "Estou com dor no estômago. Eu lhes peço, não façam isso".
Greenspan sustenta que em situações extremas seu cérebro e seu corpo se comunicam por meio dessa dor no estômago.
Em 1970 ele recebeu uma proposta milionária e ia aceitá-la, até que seu estômago doeu. Recusou a oferta e a dor passou. Com os juros de 1996 aconteceu a mesma coisa. Intelectualmente, a decisão certa era subir a taxa, mas seu organismo informava que não deveria fazer o que a cabeça mandava.
O estômago esteve certo nos dois casos. Para os imitadores do maestro, a dificuldade ficará em inventar outra parte do corpo que lhes doa.


Sal no mar

Como um saco de sal que vai para o fundo do mar, dificilmente se saberá quão próximo Mário Covas esteve da guerra aberta com a direção do PSDB depois da eleição das Mesas do Congresso e da composição das lideranças tucanas.
Que colocou essa carta no seu baralho, não há dúvida. Vale ressalvar que sua zanga não incluiu, diretamente, FFHH.


Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música. Ela protege as florestas do mundo socorrendo as vítimas da parolagem. Acaba de oferecer uma de suas bolsas de estudo ao professor Arnoldo Wald pela seguinte observação a respeito da reforma da Previdência:
"Ocorre que a vida não é estática e não é possível estratificar as condições estabelecidas para a evolução do plano de um grupo de pessoas, não havendo como fazer sobreviver um contexto passado que já não existe, especialmente quando se trata do regime jurídico de caráter institucional que complementa a Previdência Social".
Madame acredita que ele quis dizer o seguinte:
"As coisas mudam".
ENTREVISTA
José Maurício de Barcellos
(54 anos, ex-consultor jurídico da Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais)


Depois de 31 anos na CPRM, o senhor deixou a empresa pedindo que se investiguem denúncias de peculato, concussão, contratações ilegais e licitações fraudulentas. O senhor pode dar nome aos bois?
Posso. Está denunciado, por ter praticado crime de peculato, o ex-presidente do conselho da empresa, Giovanni Toniatti. Ele entrou, com sua família, no plano de saúde da CPRM. Não tinha esse direito. Está denunciado, por ter praticado crime de concussão, o diretor de Administração e Finanças, José Sampaio Portella Nunes, ao apadrinhar o ato de Toniatti. Foram contratados ilegalmente a consultora jurídica, o auditor-chefe e o chefe do orçamento. Todos vindos das Docas do Rio. Os dois últimos, acusados de administração fraudulenta. O último, com seus bens bloqueados. Finalmente tratando da licitação ilegal, entregou-se a administração do banco de dados do subsolo brasileiro a uma empresa norueguesa, a PGS, sem concorrência.
A PGS já fazia um serviço semelhante na Petrobras. Não seria lógico mantê-la?
Seria lógico mantê-la fazendo o que fazia. Ela era consultora. A Agência Nacional de Petróleo passou-a à CPRM para ser administradora, que é outra coisa. Entregar o banco de dados do subsolo nacional a uma empresa estrangeira é coisa que só se fez aqui. Nos Estados Unidos, no Canadá, na Inglaterra e na África do Sul, o Estado cuida das informações de seu subsolo. A CPRM foi usada como laranja. Havia uma consultora na Petrobras e ela se transformou em administradora, num golpe de mão burocrático.
Essa reclamações não são coisa de estatecas ressentidos?
De maneira alguma. Eu participei da fundação da CPRM e orgulho-me de ter trabalhado por 31 anos numa empresa que nunca passou por CPI, nunca teve contas glosadas nem o nome envolvido com fraudes. Ela defendeu os interesses do Estado. Nenhum funcionário da CPRM é dono de lavra. Ela forneceu lisamente à iniciativa privada as informações que hoje permitem a exploração de estanho e bauxita no Amazonas, de fosfato em Minas e carvão no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. O que houve com a CPRM não foi um afastamento do Estado, foi uma invasão de interesses de quinta categoria.



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