São Paulo, terça-feira, 04 de março de 2008

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Quatro ONGs na mira de CPI têm elos com políticos

Levantamento foi feito pela Folha com base em requerimentos da comissão

Fade, investigada pelo Ministério Público de PE, é ligada a irmão do líder do PT; no Ceará, fundação alvo de CPI dos Anões "reaparece"

FERNANDO BARROS DE MELLO
RUBENS VALENTE

DA REPORTAGEM LOCAL

Classificada como morna nos últimos meses, a CPI das ONGs tem pela frente um tema espinhoso: o elo de organizações não-governamentais com políticos. Levantamento feito pela Folha mostra pelo menos quatro entidades na mira da CPI que receberam dinheiro público e têm ligações políticas. Requerimentos ainda não aprovados de senadores da CPI pedem investigações e quebras de sigilos dessas entidades.
Em um dos documentos, o senador Raimundo Colombo (DEM-SC), presidente da CPI, pediu a quebra dos sigilos da Fade (Fundação de Apoio ao Desenvolvimento da Universidade Federal de Pernambuco).
A fundação, sediada em Recife (PE), manteve contratos de consultoria com o economista Alexandre Rands, irmão do líder do PT na Câmara, Maurício Rands (PE). No seu currículo, Alexandre diz ter "vínculo institucional" com a instituição.
Os convênios feitos com a Fade são alvo de inquérito do Ministério Público de Pernambuco. "Há convênios e contratos celebrados ao arrepio da lei. As atividades da fundação vêm sendo monitoradas minuciosamente e os dados coletados até agora no inquérito civil instaurado depõem, e muito, contra a Fade", afirmou o promotor Ulisses de Araújo e Sá Jr.
Segundo o site do governo federal Portal da Transparência (www.transparencia.gov.br), a Fade recebeu, em 2007, R$ 16,4 milhões, menos que os R$ 19,12 milhões de 2006. Em 2005 e 2004 foram R$ 8,16 milhões e R$ 4,3 milhões, respectivamente. Os maiores valores vieram do Ministério de Ciência e Tecnologia, que repassou R$ 15 milhões em 2007.
Alexandre Rands também é sócio da empresa Datamétrica, que presta serviços à Fade. Na sexta-feira, ele disse que levantaria o valor dos contratos entre a Fade e a Datamétrica, mas que eram de cerca de R$ 270 mil. Até o fechamento desta edição, não ligou de volta.
A Datamétrica tem ainda dois contratos para administrar o "call center" do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) de Recife e Salvador.
A empresa recebeu do instituto R$ 17,2 milhões em 2006 e R$ 26,9 milhões em 2007. "Nossas áreas são pesquisa de opinião, consultoria econômica e principalmente telemarketing", disse Alexandre, que, em 2006, doou R$ 600 como pessoa física ao irmão e R$ 16.841 por meio da Datamétrica. A Folha ligou para Maurício Rands e sua assessoria, mas não conseguiu falar com ele.

Paracatu
Outra ONG ligada a petistas é a Conscienciarte, de Paracatu (MG). De 2003 até agora, ela recebeu R$ 2,67 milhões de oito ministérios e da Secretaria da Igualdade Racial. Em 2007, recebeu mais de R$ 1 milhão.
Os motivos são diversos, como a valorização de manifestações culturais africanas, capacitação de catadores na atividade de coleta seletiva dos municípios Vespasiano e Jabuticatubas e promoção e divulgação do turismo interno, como a 8ª feira da cachaça artesanal e de derivados da cana-de-açúcar.
O deputado estadual Almir Paraca (PT), um dos fundadores da ONG, foi prefeito de Paracatu até 2000. Um requerimento da CPI cita o nome de Paraca. Em 2006, o petista doou a si mesmo mais de R$ 110 mil para a campanha a deputado. Ele disse à Folha que tinha renda para fazer as doações.
O vice-prefeito da gestão de Paraca, Udelton da Paixão, aparecia, até sexta, como membro do conselho fiscal no site da instituição. A diretoria tinha mais dois diretores ligados ao PT, mas o site foi atualizado.
A tesoureira, Vanda Soares, fez parte, no ano passado, da mesma chapa estadual de Paraca no PED (processo de eleição direta do PT). O diretor-executivo, Jader Silva Neiva, foi candidato a vereador em 2004.

Piauí
O presidente da CPI das ONGs também pediu dados do Cepac (Centro Piauiense de Ação Cultural). Entre 2005 e 2007, a ONG recebeu R$ 1,09 milhão. Os convênios são principalmente com o Ministério do Desenvolvimento Agrário.
O coordenador do Cepac é Décio Solano Nogueira, que foi candidato a vereador pelo PT em 2004. Décio aparece como doador, em 2006, de quase R$ 10 mil ao deputado federal licenciado Antonio José Medeiros (PT-PI), que também foi do conselho do Cepac e hoje é secretário de Educação do Estado. O governador do Piauí, Wellington Dias, é outro que tem no currículo participação no conselho do Cepac, em 1996.
Outro caso citado na CPI foi o da Fundação Amadeu Filomeno, de Itapipoca (CE). Desde 2004, R$ 3,7 milhões foram liberados pela Diretoria Executiva do Fundo Nacional de Saúde. Um requerimento pedindo informações da fundação chegou a ser redigido, mas foi retirado pelo autor, Raimundo Colombo. A Folha não conseguiu localizá-lo ontem à noite para saber o motivo da retirada.
A fundação foi citada no escândalo dos "anões do Orçamento", que veio à tona em 1993. Os recursos atuais são para a mesma obra pela qual a entidade foi alvo de denúncias há dez anos, a construção do Hospital Regional de Itapipoca.
O deputado federal Aníbal Ferreira Gomes (PMDB) era o presidente da fundação na época das acusações dos "anões" e chegou a ser condenado pelo TCU, em 2002. Atualmente, a ONG é presidida por José Silveira Ponte, que, segundo Aníbal, não tem ligações com ele.
Em contato telefônico com a fundação, a secretária disse que se tratava de um "escritório de contabilidade". Questionada pela Folha, disse que a fundação também ficava ali.


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