São Paulo, sábado, 04 de abril de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Jornalista abriu caminho ao político

ALDO PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

NO DIA 1º de setembro a polícia fechou a Universidade Federal de Minas Gerais e invadiu a de Brasília, onde espancou estudantes. Incidentes como esses, registrados até nas democracias mais aperfeiçoadas, são historicamente seguidos de indignados protestos e embaraçadas escusas. Noutras circunstâncias, e num regime civil, a reação ao discurso de protesto de Marcio Moreira Alves na Câmara dos Deputados talvez até se dissipasse em risotas.
Afinal, apelo velado a uma greve sexual das brasileiras, no estilo inventado por Aristófanes na comédia burlesca "Lisístrata", tingia de ridículo a seriedade do tema. E o fraseado hiperbólico, com imagens de soldados metralhando crianças na rua, também depreciava, em vez de realçar, a procedência real da acusação.
No entanto, o governo nem achou graça nem descontou exageros retóricos. Entendeu que todo o discurso incitava à rebelião civil e, mais ousadamente, à militar.
Com rei em xeque, o regime a princípio tentou continuar a partida dentro das regras; afinal, ele próprio outorgara a Constituição vigente. Assim, pediu cassação do mandato do deputado ao Supremo Tribunal Federal. O qual, por sua vez, pediu à Câmara licença para dar andamento ao processo. Em 12 de dezembro, a Casa denegou o pedido: 216 votos contra 141.
Xeque-mate? Seria, mas nesse lance o governo emborcou o tabuleiro. Ou, noutra alegoria, acendeu-se na mente do lobo a percepção de que seu poder o dispensava de argumentar com o cordeiro: no dia seguinte, saía o Ato Institucional nº 5. A importância de Moreira Alves na política e na história do país deriva da associação de seu nome ao AI-5 e da punição que lhe sobreveio no episódio. Sabedor de que estaria entre os primeiros cassados, exilou-se no Chile, denunciou a ditadura militar brasileira ali e em universidades de mais oito países que percorreu, foi doutorar-se na França e lecionar em Lisboa.
Um mês depois de anistiado retornou ao Brasil com Marie, a francesa que desposara em 1956, e três filhos. Começara no jornalismo em 1953, como repórter policial do extinto matutino carioca "Correio da Manhã"; tinha então 17 anos. Aos 20, a fervorosa atração por notícia ligada a perigo o levou cobrir para o "Correio" a crise de Suez, que forças israelenses, francesas e inglesas tentaram tomar ao Egito. Ganhou renome e reconhecimento na profissão em 1957, quando o jornal o incumbiu de cobrir na Assembleia Legislativa de Alagoas a sessão em que se esperava ser aprovado o impeachment do governador Muniz Falcão.
Uma das balas disparadas no tiroteio irrompido durante os trabalhos fraturou-lhe um dos fêmures. No hospital, o médico que o socorria concordou em transcrever e enviar ao "Correio" uma reportagem de quinze linhas sobre o ocorrido. De tanta experiência precoce adveio o apelido afetuoso -Marcito- pelo qual os colegas o refeririam mesmo depois de sexagenário. Durante anos, desde o episódio de Alagoas, Marcito abriu e manteve importantes contatos com o triplo objetivo de ocupar cargos públicos, promover sua carreira política e exercer o ofício de repórter político. Tudo isso ao mesmo tempo em que usava parte da energia para afinal graduar-se em direito em 1963. Elegeu-se deputado federal pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro), em 1967.
No retorno do exílio, nunca mais recobrou o prestígio eleitoral e o mandato desfrutados em 1968. Em vez de tribuna, recuperou apenas acesso a gabinetes, como assessor de secretários e ministros de governo, ou ocupante de cargos de nomeação. Um destes lhe custaria embaraçoso desprestígio: em 1994, o "Estado de S. Paulo" o demitiu ao descobrir que desde 1983 Marcito vinha ocupando no Rio sucessivos cargos de assessor de estatais paulistas. Na época, o jornal vinha denunciando justamente contratações como aquelas. Para o "Estado", elas configuravam um estratagema do governador paulista Orestes Quércia para burlar impedimentos legais à remuneração de sua clientela.
Nesse período, e desde 1990, Marcito retornara a seu ofício original, como autor de livros políticos e, principalmente, como comentarista político do "Jornal do Brasil", de "O Globo" e do referido "Estado". A visão analítica de situações e eventos políticos, bem como acesso a fontes privilegiadas, permitiram-lhe se fixar na crônica política como colunista diário de "O Globo". Seus comentários, ali, incluíam frequentes críticas ao governo. As quais, porém, nunca mais pronunciou em discurso.

ALDO PEREIRA, 76, é ex-editorialista e colaborador especial da Folha


Texto Anterior: Repercussão
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.