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ARTIGO
Jornalista abriu caminho ao político
ALDO PEREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
NO DIA 1º de setembro a
polícia fechou a Universidade Federal de
Minas Gerais e invadiu a de
Brasília, onde espancou estudantes. Incidentes como esses,
registrados até nas democracias mais aperfeiçoadas, são
historicamente seguidos de indignados protestos e embaraçadas escusas. Noutras circunstâncias, e num regime civil, a reação ao discurso de protesto de Marcio Moreira Alves
na Câmara dos Deputados talvez até se dissipasse em risotas.
Afinal, apelo velado a uma
greve sexual das brasileiras, no
estilo inventado por Aristófanes na comédia burlesca "Lisístrata", tingia de ridículo a seriedade do tema. E o fraseado hiperbólico, com imagens de soldados metralhando crianças na
rua, também depreciava, em
vez de realçar, a procedência
real da acusação.
No entanto, o governo nem
achou graça nem descontou
exageros retóricos. Entendeu
que todo o discurso incitava à
rebelião civil e, mais ousadamente, à militar.
Com rei em xeque, o regime a
princípio tentou continuar a
partida dentro das regras; afinal, ele próprio outorgara a
Constituição vigente. Assim,
pediu cassação do mandato do
deputado ao Supremo Tribunal
Federal. O qual, por sua vez, pediu à Câmara licença para dar
andamento ao processo. Em 12
de dezembro, a Casa denegou o
pedido: 216 votos contra 141.
Xeque-mate? Seria, mas nesse lance o governo emborcou o
tabuleiro. Ou, noutra alegoria,
acendeu-se na mente do lobo a
percepção de que seu poder o
dispensava de argumentar com
o cordeiro: no dia seguinte, saía
o Ato Institucional nº 5.
A importância de Moreira Alves na política e na história do
país deriva da associação de seu
nome ao AI-5 e da punição que
lhe sobreveio no episódio. Sabedor de que estaria entre os
primeiros cassados, exilou-se
no Chile, denunciou a ditadura
militar brasileira ali e em universidades de mais oito países
que percorreu, foi doutorar-se
na França e lecionar em Lisboa.
Um mês depois de anistiado retornou ao Brasil com Marie, a
francesa que desposara em
1956, e três filhos.
Começara no jornalismo em
1953, como repórter policial do
extinto matutino carioca "Correio da Manhã"; tinha então 17
anos. Aos 20, a fervorosa atração por notícia ligada a perigo o
levou cobrir para o "Correio" a
crise de Suez, que forças israelenses, francesas e inglesas tentaram tomar ao Egito.
Ganhou renome e reconhecimento na profissão em 1957,
quando o jornal o incumbiu de
cobrir na Assembleia Legislativa de Alagoas a sessão em que
se esperava ser aprovado o impeachment do governador Muniz Falcão.
Uma das balas disparadas no
tiroteio irrompido durante os
trabalhos fraturou-lhe um dos
fêmures. No hospital, o médico
que o socorria concordou em
transcrever e enviar ao "Correio" uma reportagem de quinze linhas sobre o ocorrido. De
tanta experiência precoce adveio o apelido afetuoso -Marcito- pelo qual os colegas o refeririam mesmo depois de sexagenário.
Durante anos, desde o episódio de Alagoas, Marcito abriu e
manteve importantes contatos
com o triplo objetivo de ocupar
cargos públicos, promover sua
carreira política e exercer o ofício de repórter político. Tudo
isso ao mesmo tempo em que
usava parte da energia para afinal graduar-se em direito em
1963. Elegeu-se deputado federal pelo MDB (Movimento Democrático Brasileiro), em 1967.
No retorno do exílio, nunca
mais recobrou o prestígio eleitoral e o mandato desfrutados
em 1968. Em vez de tribuna, recuperou apenas acesso a gabinetes, como assessor de secretários e ministros de governo,
ou ocupante de cargos de nomeação. Um destes lhe custaria
embaraçoso desprestígio: em
1994, o "Estado de S. Paulo" o
demitiu ao descobrir que desde
1983 Marcito vinha ocupando
no Rio sucessivos cargos de assessor de estatais paulistas. Na
época, o jornal vinha denunciando justamente contratações como aquelas. Para o "Estado", elas configuravam um
estratagema do governador
paulista Orestes Quércia para
burlar impedimentos legais à
remuneração de sua clientela.
Nesse período, e desde 1990,
Marcito retornara a seu ofício
original, como autor de livros
políticos e, principalmente, como comentarista político do
"Jornal do Brasil", de "O Globo" e do referido "Estado". A visão analítica de situações e
eventos políticos, bem como
acesso a fontes privilegiadas,
permitiram-lhe se fixar na crônica política como colunista
diário de "O Globo". Seus comentários, ali, incluíam frequentes críticas ao governo. As
quais, porém, nunca mais pronunciou em discurso.
ALDO PEREIRA, 76, é ex-editorialista e colaborador especial da Folha
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