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Omissão do Legislativo dá espaço à "supremocracia"
Lentidão na aprovação de leis sobre direitos fundamentais diminui poder do Congresso
Especialistas analisam que atuação do STF pode causar prejuízo à democracia por alterar a responsabilidade constitucional de cada poder
ANA FLOR
FLÁVIO FERREIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
A revogação da Lei de Imprensa e o início do julgamento
de ações sobre o sistema de
saúde nacional, promovidos
pelo STF (Supremo Tribunal
Federal) na última semana,
mostraram que a lentidão do
Congresso em aprovar leis que
regulamentem direitos fundamentais está custando ao Legislativo perda de poder.
O vácuo criado pelos legisladores vem permitindo ao STF
ampliar cada vez mais sua esfera de atuação institucional. Cidadãos têm procurado na Justiça a solução de problemas ou
a garantia de direitos não guarnecidos em lei -cujos projetos
muitas vezes estão empacados
no Congresso por décadas.
Foi o caso da Lei de Imprensa, criada em 1967 durante o regime militar. Após a Constituição de 1988, diversos projetos
para modificar a lei foram propostos no Congresso, mas a decisão de revogar o texto legal só
veio do STF na quinta-feira.
Nem mesmo as questões de
políticas públicas na área social
estão fora do alcance do tribunal. Ante as dezenas de milhares de ações judiciais sobre o direito à saúde -principalmente
de acesso a medicamentos-
em trâmite no país, o STF resolveu decidir coletivamente os
processos relativos ao tema e
para isso está realizando audiências públicas. Os julgamentos do tribunal nessa área poderão ter grande repercussão
no sistema de saúde do país.
"Poder não admite vácuo",
diz a professora do mestrado
em direito da Universidade Estácio de Sá (RJ) e especialista
em ativismo judiciário Vanice
Lírio do Valle. Segundo ela, parece que o Legislativo prefere o
"ônus da inércia" do que o ônus
de desagradar parte do eleitorado com decisões polêmicas.
Entre os assuntos controversos que estarão nos próximos
meses na pauta do STF estão a
união de pessoas do mesmo sexo e o aborto de fetos anencéfalos. A expectativa no STF é que
o tema da união homoafetiva
seja julgado até o final do ano,
em um processo em trâmite na
corte. Já a questão dos anencéfalos pode ser apreciada ainda
neste semestre pelos ministros
do tribunal.
"Diante do comportamento
do Legislativo, demorou [para o
STF decidir tomar a frente em
questões não abarcadas em lei].
O STF aguentou um bocado",
diz Vanice do Valle.
A corte já chegou a declarar
expressamente a omissão do
Legislativo na elaboração de
leis que estavam previstas pela
Constituição Federal, como no
caso do direito de greve dos servidores (veja quadro).
Nessas situações o STF comunicou oficialmente o Congresso sobre as lacunas, mas os
temas continuaram sem definição no Legislativo.
Lacuna
O próprio Legislativo já se
manifestou sobre o assunto.
Em março, um grupo de deputados federais, ao justificar um
projeto de lei sobre união de
pessoas do mesmo sexo, reconheceu que "a omissão legislativa gera profunda perplexidade no tecido social, sendo esta
cotidianamente resolvida por
via judicial", escrevem eles.
Oscar Vilhena Vieira, professor da Escola de Direito da
Fundação Getúlio Vargas, afirma que o país convive hoje com
uma "supremocracia", uma vez
que nos últimos anos o STF
ampliou seu poder sobre as instâncias inferiores do Judiciário, e está atuando nas lacunas
deixadas pelo Legislativo.
"Com a omissão do Parlamento em tomar decisões sobre questões fundamentais e a
perda da autoridade moral do
Congresso, há uma expansão
dos demais poderes", diz ele.
"Tradicionalmente, no Brasil, essa expansão era do Executivo. A partir dos últimos quatro ou cinco anos, o Supremo
passou a ser o poder que mais
expande sua autoridade."
Segundo especialistas, um
dos problemas é a seletividade
do STF sobre o que vai ou não
ser objeto de análise. "Ou a corte entende que no vácuo do Legislativo ela tem que funcionar,
ou ela não entende isso. Ela escolher "aqui eu vou ser ativista e
ali eu não vou ser" é preocupante", afirma Vanice do Valle.
Efeito negativo
Fábio Wanderley Reis, professor emérito da Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas
da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que a
atuação do STF pode ter efeitos
negativos a longo prazo.
"Na omissão do Congresso, é
melhor que o Judiciário atue
para criar algum tipo de parâmetro legal. Porém, o desejável
a longo prazo é que cada poder
funcione adequadamente de
acordo com o que se espera dele
constitucionalmente", disse.
Vanice alerta para os danos à
democracia. "O Legislativo é
um órgão com representação
democrática. Mal ou bem, é no
Legislativo que se estabelece o
diálogo com a sociedade."
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