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WARREN KRAFCHIK
Brasil precisa ter estatais mais transparentes
Para o coordenador do Índice de Transparência Orçamentária, dados sobre empresas permitem o controle dos gastos públicos pelos cidadãos
FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Se o Brasil quiser mesmo
passar a fazer parte do grupo de
países mais transparentes do
mundo, precisa aumentar informações sobre estatais, sobretudo o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) e a Petrobras, além de aprovar uma lei
de acesso a informações.
A opinião é do economista
sul-africano Warren Krafchik,
coordenador do Índice de
Transparência Orçamentária,
que avaliou 85 países e no qual
o Brasil ficou em oitavo lugar.
FOLHA - Que características em comum podemos encontrar em países
que têm problemas com a falta de
transparência nos gastos públicos?
WARREN KRAFCHIK - A IBP [sigla
em inglês para Parceria Internacional sobre Orçamento] fez
uma pesquisa em 85 países e
formou um ranking sobre o
gasto público. O resultado geral
mostra que 40 países são particularmente problemáticos,
porque não fornecem ou fornecem poucas informações.
Em países com menos transparência, as oportunidades para corrupção, gastos ineficientes e inapropriados de dinheiro
público crescem. As chances
são maiores porque as informações são insuficientes. Pouca
transparência significa mais
pobreza, e isso afeta a todos.
FOLHA - Quais são os exemplos positivos de transparência?
KRAFCHIK - O necessário são documentos disponíveis e de fácil
leitura que permitam a compreensão dos estágios do processo orçamentário, da preparação até o pagamento final.
Muitos países acharam
meios inovadores de disponibilizar essas informações, na TV,
no rádio, no jornal, na internet.
O que importa é como os países
ajudam os cidadãos a entender
por que o Orçamento e os fundos públicos são importantes.
FOLHA - Os países que fazem isso
são os mais ricos?
KRAFCHIK - Não necessariamente. Um país muito interessante é Uganda. Lá, toda vez
que o Tesouro faz um pagamento para uma escola ou um
hospital, a informação é publicada no jornal e colocada em
cartazes pela vila. Todos os cidadãos sabem quando o dinheiro vai para cada lugar, quanto
será repassado e qual o propósito. Paralelamente, há ONGs
que treinam os moradores das
vilas para monitorar os gastos.
FOLHA - Existem exemplos mais
próximos?
KRAFCHIK - Há alguns anos, o
governo mexicano aumentou
os gastos relacionados ao HIV.
Fundos foram repassados para
a ONG Provida. Uma organização da sociedade civil pediu,
por meio da Lei de Acesso a Informações, a divulgação de todos os recibos.
Descobriu-se que a maior
parte dos valores não foram
gastos em programas de HIV,
mas com coisas como lingerie
ou canetas Mont Blanc. Uma
auditoria oficial apontou que os
problemas eram ainda maiores,
e a Provida foi proibida de receber verbas governamentais por
15 anos e recebeu multas.
FOLHA - Que lições suas pesquisas
podem dar ao Brasil?
KRAFCHIK - O Brasil vai bem no
nosso índice, mas isso não significa muito porque vários países que estudamos são ruins
quando se trata de transparência, como China, Sudão, República Democrática do Congo. O
Brasil ainda não fornece informação suficiente que permitiria aos cidadãos controlar totalmente os gastos públicos.
Se o país realmente estiver
interessado em se unir aos mais
transparentes do mundo, precisa fazer três coisas. A primeira e mais importante é incluir
informações sobre empresas
estatais, especialmente
BNDES e Petrobras. Elas representam uma parte substancial dos recursos públicos.
A segunda é aprovar uma lei
de acesso a informação, pois é
preciso garantir que os cidadãos tenham direito de pedir e
receber dados. Isso me leva ao
terceiro ponto, que é ter um
"orçamento cidadão", já que os
gastos públicos estão codificados para técnicos.
Se o Brasil quer mesmo combater a pobreza, precisa ir além
na transparência. Isso é ainda
mais importante nesse período
de crise econômica.
FOLHA - Por quê?
KRAFCHIK - Cada centavo é ainda mais importante. O governo
precisa tomar decisões, já que o
dinheiro não dá para tudo, e a
participação da sociedade aumenta as chances de ele ser
bem gasto.
FOLHA - Por que as estatais não são
transparentes?
KRAFCHIK - Acredito que por
falta de vontade. Pelo que pesquisamos nos 85 países, a ausência de transparência não é
falta de capacidade de produzir
informações. A maior parte dos
governos tem muito mais informações do que eles tornam
disponíveis. Desses 85, 51 já
produzem muitos documentos,
mas usam para propósitos internos. A transparência poderia ser aberta imediatamente.
FOLHA - No Brasil também?
KRAFCHIK - Sim. Se o governo e
especialmente as estatais tiverem a vontade de serem abertas
ao controle público eles já têm
informação para fazer uma mudança. O BNDES poderia começar a publicar a lista de operações que tem com empresas
privadas, publicar de maneira
completa as cidades em que
projetos estão sendo implementados e os critérios que o
banco usa para escolher que
empresas ele decide investir. O
mesmo vale para a Petrobras.
FOLHA - O sr. soube dos casos envolvendo uso de passagens aéreas
por parlamentares brasileiros?
KRAFCHIK - Acho fácil olhar para esse caso e dizer que é muito
pequeno para se preocupar. O
importante é que o uso inapropriado de dinheiro público para
viagens é um indicador de um
problema mais profundo: qual
importância o governo dá a esses assuntos.
Na África do Sul houve um
episódio muito parecido que ficou conhecido como "travelgate". Em 2003, descobriu-se
parlamentares faziam pedidos
de viagem que ou não eram feitas ou não eram para trabalho
ou eram para parentes.
Duas coisas foram feitas imediatamente: uma auditoria internacional privada foi contratada e a polícia especializada
em crime organizado foi acionada. A investigações mostraram que cerca de 150 membros
do Parlamento estavam envolvidos. Catorze foram processados e multados em até US$ 15
mil, valor alto na África do Sul.
FOLHA - Todos foram punidos?
KRAFCHIK - Não. Isso aconteceu
em 2005 e depois a história
morreu. O governo começou a
pressionar o Parlamento para
jogar tudo para debaixo do tapete. Eles tinham esse poder, já
que as pessoas votam no partido, que tem a lista dos que serão
eleitos. A investigação nunca
foi divulgada por completo.
Além disso, as listas de viajantes foram compradas das
agências de viagem e a imprensa não teve acesso. Hoje algumas organizações estão utilizando a Lei de Acesso a Informações para acionar o governo
e trazer à luz toda a história.
FOLHA - Quais são as lições?
KRAFCHIK - A África do Sul, assim como o Brasil, tem uma imprensa muito atuante. Então, é
bom que casos como este sejam
revelados. Contratar imediatamente uma auditoria independente é uma boa atitude. Quanto mais demorar, mais as provas serão encobertas e mais as
pessoas irão esquecer.
Não é suficiente dizer que há
um problema e que vai alterar a
lei, porque você não saberá como melhorá-la se não entender
como ela foi transgredida.
FOLHA - Que conclusões o sr. tira
sobre o Brasil?
KRAFCHIK - O país não está
aproveitando seu potencial. Há
setores que devem trabalhar
independentemente do governo. Imprensa, ONGs, o Congresso e o Judiciário são os atores que têm a responsabilidade
de garantir que os cidadãos
compreendam que os gastos
públicos não dizem respeito
apenas ao governo.
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