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MENSALÃO EM DEBATE
Balanço da grande crise: cidadania, poder e dinheiro
O que chocou a opinião pública e sobretudo membros e simpatizantes do PT foi a revelação de que até ele utilizava métodos que sempre denunciou e combateu
PAUL SINGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
NO ÚLTIMO ano, o
mundo político brasileiro viveu uma conjuntura dominada por denúncias de escândalos envolvendo
parlamentares, que receberam
recursos não declarados, de
origem inconfessável, encaminhados pela tesouraria do Partido dos Trabalhadores. A conduta dos parlamentares foi
considerada contrária ao decoro parlamentar e (até agora)
três parlamentares foram cassados. Um dos indiciados ainda
não foi julgado e todos os demais foram absolvidos por seus
pares.
O que chocou a opinião pública e sobretudo membros e
simpatizantes do PT foi a revelação de que até ele utilizava
métodos que sempre denunciou e combateu. Como se trata
do maior partido brasileiro e
que recentemente conquistou
a Presidência da República, a
decepção e a revolta da opinião
pública foram imensas. Durante meses a fio, oposicionistas
exigiram não só a punição dos
parlamentares incriminados
mas até mesmo a cassação do
registro do PT e o impeachment do presidente. Comprovou-se, porém, que o fornecedor dos recursos distribuídos
pelo PT já havia prestado o
mesmo serviço aos tucanos mineiros na campanha eleitoral
de 1998. Com o passar do tempo, diligências da Polícia Federal trouxeram à luz novos escândalos, deixando claro que
tais delitos e alguns piores são
praticados por dirigentes e parlamentares de quase todos os
partidos.
Tão logo os fatos vieram à
luz, o PT substituiu sua direção
nacional e depois expulsou de
suas fileiras Delúbio Soares, ex-tesoureiro do partido, que assumiu a responsabilidade pela
distribuição clandestina de dinheiro. Grande parte do partido reprovou publicamente a
conduta de sua antiga direção e
nas eleições diretas que, em setembro de 2005, renovaram as
direções nacional, estaduais e
municipais do PT, a maioria
das discussões girou sobre o
que fazer para extirpar essas
práticas da vida partidária. O
13º Encontro Nacional do PT,
em abril deste ano, adotou uma
resolução neste sentido, encarregando a direção nacional de
investigar os delitos cometidos
e punir os culpados.
O que aconteceu com o PT
não foi um desvio de conduta
de alguns membros, mas a gradual assimilação de métodos de
ação que caracterizam a política profissional em quase todos
os países capitalistas democráticos. O sufrágio universal garante a igualdade de direitos
políticos de todos os cidadãos,
mas o funcionamento da economia produz e reproduz enorme desigualdade de fortuna entre os mesmos. A minoria rica e
poderosa estaria à mercê da
maioria de eleitores pobres e
remediados, se não fosse possível conquistar boa parte de
seus votos usando a força do dinheiro nas disputas eleitorais.
Poderosos grupos empresariais, cujos interesses dependem de quem está no governo,
passaram a contribuir fortunas
para campanhas eleitorais de
candidatos em que tinham razões para confiar.
Grandes aportes aos candidatos amoldáveis aos interesses da elite tornaram as campanhas muito dispendiosas.
Surgiu verdadeira indústria
de serviços a candidaturas: pesquisas de opinião diárias, marketing televisivo, relações públicas etc. As campanhas produzidas por essa indústria são
todas semelhantes e vendem
seus candidatos por supostas
qualidades pessoais e não políticas. Por efeito das mesmas, o
eleitorado foi sendo despolitizado e condicionado ao virtuosismo do marketing.
O acesso a fundos milionários passou a ser condição essencial para qualquer candidato ter chances de vitória.
Nos países industrializados,
muitos partidos de esquerda
entraram na caça às contribuições e traíram suas plataformas, uma vez no governo. Nenhum outro destino espera o
PT, a não ser que consiga criar
uma estratégia eleitoral e política que politize suas campanhas, com idéias e propostas,
em vez de procurar seduzir o
eleitor com imagens. O que certamente exigirá um empenho
sistemático de toda a militância
para repolitizar, mesmo fora
das épocas eleitorais, os setores
desfavorecidos do eleitorado.
Esse é o desafio com que se
defronta o PT. E os demais partidos? Nenhum outro partido
atingido por esse e outros escândalos, pelo que se sabe, depôs sua direção ou excluiu alguém de suas fileiras. A mídia
centra todas suas críticas e cobranças no PT. Ao que parece, é
só deste partido que se espera
autocrítica e mudança de rumo. A palavra agora está com os
petistas, que têm a sorte de ter
um partido em que a decisão final é tomada pelo voto das bases.
PAUL SINGER , 74, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP e pesquisador do Cebrap, é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Foi secretário municipal do Planejamento
de São Paulo (gestão Luiza Erundina).
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