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ENTREVISTA
MARTA SUPLICY
Quero reconquistar a classe média que eu perdi em 2004
Candidata à prefeitura pelo PT, Marta prega "choque de gestão" no trânsito e afirma que gestão Kassab só faz "enrolação social"
Fernando Donasci/Folha Imagem
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A ministra do Turismo, Marta Suplicy (PT), durante entrevista |
RENATA LO PRETE
EDITORA DO PAINEL
FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL
Lançando mão de uma expressão que
marcou o adversário Geraldo Alckmin
(PSDB) em 2006, Marta Suplicy declara
que um "choque de gestão" no trânsito
paulistano é sua prioridade e diz ter a
intenção de "reconquistar a classe média" que ajudou a elegê-la em 2000 e foi
decisiva para sua derrota em 2004.
A petista deixa hoje o Ministério do
Turismo e assume oficialmente a candidatura à Prefeitura de São Paulo. A saída do governo federal será formalizada após uma conversa a sós com o presidente Lula. Na entrevista exclusiva que
concedeu à Folha, anteontem à noite,
na sede do PT paulista, Marta, 63, diz
que a gestão Gilberto Kassab (DEM),
"tímida e medíocre", não faz inclusão,
mas apenas "enrolação social".
FOLHA - A sra. se declarou repetidas vezes muito satisfeita no Ministério do Turismo. Por que decidiu
deixar o cargo e disputar novamente a prefeitura?
MARTA SUPLICY - Porque tive
uma conversa política com o
meu partido e com o presidente
Lula. E também por uma percepção de paulistana de que a
cidade precisa de uma nova atitude. Por fim, nos últimos meses, com o caos no transporte,
não só achei que não tinha condição de titubear como me deu
vontade. Eu sei que posso fazer.
Já peguei a cidade em condição
muito pior. Eu fiz muito com
muito pouco. E eles fizeram
muito pouco com muito.
FOLHA - Como foi a conversa com o
presidente Lula?
MARTA - Privada.
FOLHA - Ele a estimulou?
MARTA - O presidente é sempre
muito respeitoso com o sentir
do outro. Mas é a cidade politicamente mais importante do
Brasil, e a conversa seguiu para
a conclusão de que eu seria a
candidata ideal para o partido.
FOLHA - Se eleita, que garantia está disposta a dar de que não deixará
o cargo em 2010 para disputar o governo de São Paulo ou a Presidência?
MARTA - Assinar papel eu acho
que ficou completamente desmoralizado depois da última
eleição... O que posso dizer é
que pretendo, tendo o privilégio de ser eleita, fazer um bom
governo e ficar oito anos.
FOLHA - Serra errou ao sair em
2006 para disputar o governo?
MARTA - É a consciência dele
que tem de responder. Mas fiquei triste. No dia da transmissão do cargo, eu olhava e dizia:
"Ele não vai ficar. Vai ficar essa
pessoa que ninguém conhece".
FOLHA - Em 2004, muitos apontaram falta de apoio do PT federal e de
Lula em sua campanha à reeleição.
Acha que ele vai se engajar agora?
MARTA - Acho que a partir de
nossa conversa ele já se engajou. Sinto bastante apoio dele.
FOLHA - Como explica o fato de o
PT, aliado a tantos partidos no plano
federal, estar em São Paulo diante
da hipótese de marchar sozinho?
MARTA - Fiquei decepcionada
de o PMDB não ter vindo, porque o PT fez um esforço grande
para trazê-lo, mas o esforço feito pelo governador José Serra
foi mais convincente.
FOLHA - Como assim?
MARTA - Houve empenho do
prefeito Kassab e do governador Serra para atrair o PMDB.
O PT tem conversado com o
PC do B, o PDT, o PSB... Acredito que nós vamos ter parceiros.
FOLHA - Uma aliança com o PDT do
deputado Paulinho, alvo de investigação da PF, seria constrangedora?
MARTA - Que eu saiba, o Paulinho era da base do FHC. Na
eleição que eu disputei contra o
Serra, ele apoiou o Serra. Até
recentemente, estava na administração Kassab. Hoje existe
uma acusação. Mas noto que,
enquanto ele era da base do governador, do atual prefeito, não
se falava tanto do Paulinho.
FOLHA - Alguns petistas se movimentaram para dar o posto de vice
em sua chapa à ex-prefeita Luiza
Erundina (PSB). Como vê essa possibilidade?
MARTA - É uma pessoa pela
qual tenho apreço e que
honraria qualquer chapa.
FOLHA - E a sugestão do presidente
de que seu vice seja um empresário?
MARTA - Acho uma idéia interessante, e cabe ao partido buscar um vice adequado.
FOLHA - A maioria dos analistas
aposta que a sra. estará no segundo
turno. Nesse caso, aceitaria o apoio
do DEM, se Kassab ficar de fora da
etapa final, ou do PSDB, se o eliminado for Geraldo Alckmin?
MARTA - Será que eles vão brigar a ponto de isso acontecer?
FOLHA - A sra. aceitaria?
MARTA - Não sei se poderia
acontecer. Me deixaria em situação difícil. Eu falaria coisas
tão horríveis deles, e já está tão
feio o que está acontecendo...
FOLHA - A sra. se refere à divisão
entre tucanos pró-Alckmin e pró-Kassab?
MARTA - Essa briga é deles. Eu
não vou entrar.
FOLHA - Na campanha de 2004, a
sra. disse em entrevista à Folha que
Alckmin era, "de longe, o melhor
quadro do PSDB". E agora?
MARTA - Em 2006 eu disse que
ele era de plástico. Mas não me
compete dar opiniões sobre adversários. É uma situação muito feia. E acho que o eleitor, na
medida em que acompanhar,
vai formar sua opinião.
FOLHA - Que avaliação faz da gestão Serra/Kassab?
MARTA - Tímida e medíocre. O
que continuaram, antes tentaram interromper, como os
CEUs, a ponte estaiada [Octavio Frias de Oliveira]. Disseram
que era faustosa. No fim, custou o dobro do que consideravam faustoso. No trânsito, não
construíram corredores. Não é
um governo de inclusão social,
mas de enrolação social.
FOLHA - Por que enrolação social?
MARTA - O Bilhete Único perdeu a possibilidade de fazer o
que se fazia em duas horas por
causa da piora no trânsito. Isso
eu achei muito perverso, por tirar a possibilidade de renovar o
Bilhete Único na catraca, e
obrigar a pessoa a encher o bilhete lá fora. Se você me contar
um gesto social, eu agradeceria.
É só enrolação social.
FOLHA - A atual gestão afirma ter
poupado R$ 350 milhões barateando contratos de sua época. Argumenta que fez mais CEUs a custo
mais baixo.
MARTA - As medidas dos CEUs
não são as mesmas, a infra-estrutura não é a mesma. A Folha
tem que ir lá ver o que é um
CEU feito na nossa gestão e o
que é um CEU feito por eles.
Provavelmente eles estão fazendo uniforme mais barato.
Só que as mães vão à Câmara
levar uniformes que depois de
três meses estão rasgados.
FOLHA - Seus aliados dizem que o
recém-inaugurado hospital de
M'Boi Mirim, na zona sul, foi iniciado pela sra., mas a atual gestão sustenta que lá havia uma fábrica.
MARTA - Se nós não tivéssemos
enfrentado a disputa judicial
para desapropriar o terreno, e
depois não tivéssemos arrumado o dinheiro, eu queria saber
em quanto tempo eles conseguiriam fazer o hospital.
As escolas de lata. Foram feitas na gestão Pitta. O secretário
do Planejamento se chamava
Kassab. Herdamos 66. Substituímos 13. Deixamos 33 em
construção e 11 licitadas, que
ele acabou recentemente. Desconheço qualquer iniciativa
importante deste governo.
FOLHA - E a Lei Cidade Limpa?
MARTA - Acho um desenrolar
interessante do Belezura, do
projeto de cidade limpa que começamos com outro nome. Ele
teve o mérito de levar adiante.
FOLHA - Mudaria a Cidade Limpa?
MARTA - Não, foi positivo.
Mas deixe eu voltar à ponte
estaiada. Nós licitamos, fizemos a fundação e as pilastras.
Eles disseram que a ponte era
faustosa, e agora dizem que é a
maior obra do governo deles.
Fiz um modelo novo no transporte, com o Bilhete Único. Na
educação, com o CEU. Na inclusão, com o Renda Mínima. O
que eles fizeram de novo?
FOLHA - A sra. não considera que o
atendimento de saúde melhorou
com o modelo das AMAs?
MARTA - As filas continuam, e
as especialidades não foram colocadas. Elas atendem uma
parcela da população que busca, muita aflita, uma solução rápida. Atendem, mas não resolvem efetivamente o problema.
FOLHA - O PT tem defendido mais
investimento municipal em metrô.
A atual gestão alega, porém, que a
sra. não fez isso quando prefeita.
MARTA - Nos primeiros dois
anos e meio, a condição financeira da cidade não permitia.
No final de 2003, tínhamos
juntado o dinheiro da operação
urbana na Faria Lima. Ou eu
usava para fazer os túneis, ou
para o metrô. Fomos conversar
com o governador Alckmin. A
gente queria fazer a estação no
largo da Batata, junto ao corredor Rebouças. Mas eles não tinham projeto executivo, então
não havia como pôr o dinheiro.
Aí era manter o dinheiro guardado ou fazer os túneis.
Eu sabia que a obra poderia
incomodar muitas pessoas. O
que eu não imaginava eram
ONGs que teriam como razão
de vida o combate ao corredor
da Rebouças e aos túneis. E que
depois essas pessoas iriam todas trabalhar no governo eleito.
FOLHA - Se eleita, qual será a prioridade de sua nova gestão?
MARTA - Transporte. Neste
momento, não dá para pensar
em outra. O paulistano não tem
mais condição de viver no caos.
FOLHA - Qual é a sua proposta?
MARTA - Será um esforço de
guerra. No longo prazo, vamos
unir esforços para superar 20
anos de atraso no metrô. Apresentei ao presidente a proposta
de unir município, Estado e
União num investimento de R$
12 bilhões em seis anos para
mais do que dobrar a atual rede.
No médio prazo, faremos
200 km de corredores -no
nosso primeiro governo fizemos 100 km. Paralelamente, faremos obras viárias para melhorar a fluidez do trânsito. No
curto prazo, revitalizaremos os
corredores existentes para retomar a velocidade que possuíam quando implantados.
Daremos um choque de gestão no trânsito. Precisamos investir pesado em tecnologia, informatizando todos os corredores e ampliando significativamente os semáforos inteligentes, colocando mais marronzinhos na rua para garantir
fluidez e cumprimento da lei,
restringindo o estacionamento
nas principais vias. Diferentemente do que ocorreu no meu
primeiro governo, a prefeitura
hoje tem dinheiro, graças à situação econômica do país.
FOLHA - A sra. ampliaria o rodízio?
MARTA - Rodízio é medida de
quem não tem plano.
FOLHA - A taxa do lixo, que tanto
desgaste lhe trouxe, foi extinta. Não
consta que a prefeitura esteja com
problema de arrecadação. Foi um erro criá-la?
MARTA - Não faria novamente.
Foi um erro. Na época não conseguimos dimensionar o impacto para a classe média. Nada
como um dia depois do outro
para poder reconhecer.
FOLHA - Em 2004, embora tenha
perdido a eleição, a sra. foi a mais
votada no cinturão periférico da cidade. Durante a campanha, disse
que preferia vencer com o voto da
periferia. Qual será sua estratégia
desta vez?
MARTA - Acho que posso ampliar a votação na periferia, mas
tenho o firme propósito de reconquistar os eleitores da classe média que me elegeram em
2000 e que perdi em 2004.
Acho que isso também tem a
ver com minha identificação
com o governo Lula. Agora a
avaliação do governo Lula é outra, e isso pode me ajudar.
FOLHA - A sra. faz algum mea-culpa sobre o "relaxa e goza" dito na
crise aérea de 2007? O que pretende
fazer se seus adversários usarem a
frase para atacá-la na campanha?
MARTA - A frase foi uma tristeza, uma infelicidade. Tirada do
contexto, ficou mais infeliz ainda. Eu pedi desculpas, acho que
uma parcela da população entendeu e me perdoou. Se for
utilizada na campanha, acredito que a maior parte da população vai sentir como algo fora do
lugar. Não acho também que
vão pegar uma pessoa com 20
anos de vida pública e destruir
por causa de uma frase infeliz.
FOLHA - O PT deve ter candidato à
sucessão do presidente Lula?
MARTA - Deve.
FOLHA - A ministra Dilma Rousseff,
que hoje é a mais lembrada, tem sido contestada por setores do partido. Mal comparando, a sra. também
já foi vítima de rejeição no PT.
MARTA - A ministra Dilma tem
uma trajetória de vida totalmente comprometida com os
ideais do PT. O trabalho conduzido por ela no governo a credencia para representar o PT
em qualquer cargo. Digo com a
autoridade de quem participou
da fundação do PT desde o colégio Sion. Mas o preconceito
com relação a mim era diferente, por ser de família rica.
FOLHA - A sra. se vê em condições
de ter uma boa parceria de trabalho
com o governador Serra?
MARTA - Mais condições do que
o Alckmin. Tenho relação muito boa com o Serra. E melhor
ainda com o presidente Lula.
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