São Paulo, quinta-feira, 04 de julho de 2002

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PT SOB SUSPEITA

Empresário de transportes de Santo André diz que "taxa" foi acertada em reunião com secretário da pasta

Propina foi acertada no gabinete, diz Gabrilli

Mauricio Piffer/Folha Imagem
Luiz Alberto Ângelo Gabrilli Filho, empresário do setor de transporte coletivo de Santo André


ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O empresário Luiz Alberto Ângelo Gabrilli Filho, 67, lembra-se ainda com detalhes de uma reunião, em 1997, na qual teria sido fixada a tabela da propina cobrada do segmento de transporte urbano em Santo André: R$ 550 por veículo. No encontro, que, segundo o empresário, aconteceu na Secretaria Serviços Municipais, estavam presentes o então secretário da pasta, Klinger Luiz de Oliveira Souza, e os empresários Sérgio Gomes da Silva, Ronan Maria Pinto e Baltazar de Souza.
Ronan teria sido então nomeado o porta-voz do setor. "Paguei para poder trabalhar. E paguei bem caro!", declara Gabrilli.
Hoje, recuperando-se de um transplante de rim que o obriga a 12 horas semanais de hemodiálise, ele diz ter sido "roubado".
Gabrilli está preocupado com a tentativa de "fazer política sobre algo que, duvido, que alguns não tivessem conhecimento". Mesmo abatido, promete brigar por justiça. Sob observação médica e com a fala quase inaudível, ele teve de responder às perguntas da Folha por e-mail. Abaixo, principais trechos da entrevista:
 

Folha - Quando o senhor notou indícios de irregularidades na administração de Santo André?
Luiz Alberto Ângelo Gabrilli Filho -
Comecei a entender que "amigos", a exemplo do Ronan [Maria Pinto", estavam me traindo principalmente quando sucumbi às pressões e entreguei a Expresso Nova Santo André à Projeção Engenharia. Ali eu entendi que havia um esquema. A Projeção me foi apresentada pelo Ronan para compor o consórcio [que deu origem à Expresso Guarará". Ele me disse que a Projeção não teria interesse em permanecer na sociedade, que só queria administrar as obras [os corredores e o terminal de ônibus de Vila Luzita".
Qual não foi minha surpresa quando fui acertar com Ronan [1999/2000" para a mesma se retirar e ouvi dele: "Infelizmente não tenho mais participação na Projeção. Agora quem manda é o Humberto [de Castro"". Fui falar com esse Humberto -eu não o conhecia anteriormente-, que me disse o seguinte: "Não tenho a menor intenção de sair da sociedade, mas, se o fizer, não será por menos de R$ 4.500.000".
Aguentamos a Projeção nas obras até 2001. Nessa época, a Expresso Guarará estava tentando conseguir um segundo aditamento em seu contrato com a prefeitura. Mas o secretário Klinger e sua assessora Ana Carla anunciaram o rompimento do contrato.
O estranho é que o sr. Humberto, então nosso sócio, se negava a assinar o aditivo. Fomos ao secretário Klinger e comentamos que nosso contrato social dispensava a assinatura do sr. Humberto. O secretário se limitou a dizer: "Tratem de se acertar, não aceitarei sem as assinaturas da Projeção".
Desesperado e já tendo investido cerca de R$ 10 milhões [até 2001" procurei o Ronan. Então, ele me sugeriu: "Gabrilli, dá a Nova Santo André para a Projeção e eu garanto que ele sairá da Sociedade". Mesmo sem o aval da família, fui ao encontro marcado e fizemos a permuta de sociedades: deixei a Nova Santo André e a Projeção saiu da Guarará.
Para ser sincero, eu nunca tinha vivido um momento tão humilhante. Esse sócio [Humberto" não colocou um centavo na Expresso Guarará. Paguei a ele cerca de R$ 800 mil como taxa de administração de obra na qual, soube posteriormente, ele me roubou desviando materiais comprados com meu dinheiro. E ainda fui coagido a entregar uma empresa na qual tinha 33% de quotas.

Folha - Por que o sr. não denunciou tudo isso?
Gabrilli -
Primeiro porque confiei nas pessoas, principalmente no Ronan. Depois, porque fiquei entre a vida e a morte do início de 2001 até o transplante. Ainda no hospital, confirmei tudo o que meus filhos já tinham dito.
Hoje querem a todo modo falar em propina. No meu entender, propina seria se eu estivesse fazendo de vontade própria ou me proposto a dar dinheiro. Mas a verdade é que, por volta de 1997, ocorreu uma reunião na Secretaria [de Serviços Municipais", na qual estávamos eu, o Ronan, o Baltazar [de Souza, da viação São Camilo", o sr. Klinger e o Sérgio [Gomes da Silva". Foi dito que o Ronan seria a partir daí o interlocutor de assuntos ligados ao Transporte e que seria estipulado um, digamos, pedágio de R$ 550 por carro para ser recolhido por ele no dia 30 de cada mês.

Folha - O sr. tem indicativo de que o dinheiro arrecadado ia para o PT?
Gabrilli -
O que me diziam é que seria para a campanha. Nós só conhecemos a participação do Klinger, do Ronan e do Sérgio. Agora, se o PT está mesmo nisso, não posso dizer. Sei é que paguei para poder trabalhar. E paguei caro.

Folha - Houve represálias?
Gabrilli -
Represália estamos sofrendo há muito tempo. Mas agora ficaram muito mais declaradas. Se eu deixasse de pagar a quantia estipulada na reunião que comentei, aí sim represálias aconteciam.
Um dia, fomos convidados pelo sr. Klinger para um encontro em Santos, em uma conferência de transporte. Quando eu e minha filha Rosângela chegamos, esse senhor nos tratou aos berros na frente de pessoas que nem ao menos conhecíamos. Ele dizia em alto e bom tom que não devíamos brincar com ele, que ele não era moleque, e exigiu nossa presença em seu gabinete no dia seguinte.
Na reunião, o referido secretário limitou-se dizer friamente: "Vocês estão necessitando da assinatura no segundo aditamento? Então, acertem com o Humberto [da Projeção"". Para não perder os R$ 10 milhões que tinha investido no terminal Vila Luzita, vi-me obrigado a entregar a Nova Santo André. Logicamente minhas relações com o Ronan ficaram estremecidas. Aí, pensei: já que tenho que pagar o caixinha, então que eu faça para eles direto.
Pedi ao Passarelli que ele marcasse reunião com o Ronan, com a presença do Sérgio. Nessa reunião, quando o Passarelli chegou com a encomenda, o Sérgio disse a ele que a mesma deveria ser entregue ao Ronan.

Folha - Qual a situação financeira de suas empresas?
Gabrilli -
Minhas empresas hoje são a Viação São José, que constitui há quase 40 anos, e a Expresso Guarará, na qual a São José é sócia majoritária. A Guarará foi constituída em 1999, depois de passar por uma concorrência pública.
Exigia-se que o vencedor construísse todas as obras de infra-estrutura do terminal [corredor de ônibus e estações do chamado Sistema Tronco Alimentado de Vila Luzita". Deveríamos gastar R$ 6,5 milhões em obras e mais alguns milhões em ônibus, atingindo cerca de R$ 12 milhões.
Nossos cálculos mostram que gastamos cerca de R$ 11 milhões em obras e outros R$ 5 milhões em ônibus. No total, uns R$ 18 milhões. Não deve ser difícil de imaginar como está nossa situação financeira. Mas mesmo assim temos mantido os negócios e nunca tivemos um título em cartório.
Tampouco deixamos de pagar nossos funcionários. Tudo com a ajuda da família. Cada um contribui com um pouco.

Folha - A Prefeitura de Santo André tem responsabilidade no seu desequilíbrio empresarial?
Gabrilli -
Se a prefeitura tivesse cumprido o projeto original da Guarará, mesmo investindo muito mais do que o contratado, a empresa não estaria gritando pelo equilíbrio do contrato. Pedimos que não deixassem empresas concorrerem com nossas linhas. Em vez disso, criaram uma comissão para fiscalizar minha empresa.
O que me deixa perplexo é ver que eu, Ângelo Gabrilli, pego minhas todas as minhas reservas, levanto dinheiro em banco, construo para o município. E agora querem a todo custo me acusar de não ter honrado compromissos. Honrar compromisso é obrigar alguém a fazer além do que é contratado ou tirar de um cidadão honesto sua dignidade e querer calar suas verdades? Podemos estar fragilizados, mas não estamos mortos. Eu, que perdi além de dinheiro a minha saúde -e com fé vou recuperá-la-, continuarei a lutar pela verdade e não sossegarei enquanto não vir justiça acontecer. Agora tentam fazer política sobre algo que, duvido, que alguns não tivessem conhecimento.



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