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#AbreChp()#LANTERNA NA POPA
#FechaChp()#A terceira revolução industrial
ROBERTO CAMPOS
É costume entre os historiadores econômicos falar-se "na sociedade industrial", que massificou a produção de mercadorias. Ela se transformou depois
na sociedade pós-industrial, em
que a atividade de serviços, como geradora de renda e empregos, superou a atividade industrial. O último estágio seria a sociedade do conhecimento, em
que a criação, distribuição e
manipulação da informação
constituiriam a principal fonte
de criação de riquezas. É a economia digitalizada, em que os
bits compõem o tecido econômico, da mesma maneira que os
átomos compõem o tecido físico.
É tal o crescimento da economia digitalizada, que muitos
preferem falar hoje numa terceira revolução industrial. A
primeira revolução industrial,
que começou na Inglaterra no
fim do século 18 e depois se expandiu pelo resto do mundo no
século 19, teve como emblemas a
máquina a vapor, a indústria
do aço e as ferrovias, que trouxeram drástica redução no custo do transporte de massa. A
primeira ferrovia americana
data de 1826, e a construção da
malha se intensificou depois da
Guerra de Secessão, tornando
obsoletas as carroças, de pouca
velocidade e volume de carga, e
os canais, que congelavam no
inverno. Entretanto, os saltos de
produtividade só se materializaram de forma dramática por
volta de 1880. Foi também
quando começou a segunda revolução industrial, baseada na
eletricidade e no automóvel. O
impacto sobre a produtividade
só se tornaria espetacular na década de 20, após a Primeira
Guerra Mundial.
Também na terceira revolução industrial -a da tecnologia
da informação- houve um período de maturação. Os computadores começaram a ser comercializados na década de 50, mas
o impacto revolucionário sobre
a produtividade só se tornaria
claro na atual década. Durante
muito tempo o investimento em
computadores parecia desapontador, a ponto de Robert Solow,
um teórico desenvolvimentista,
dizer que os computadores apareciam em toda a parte "exceto
nas estatísticas de produtividade". Na década de 80, falava-se
no decadentismo americano e
na ascensão tecnológica japonesa, situação totalmente reversada nesta década, que marcou a
vitória americana na Internet,
essa sim uma "revolução dentro
da revolução". Em termos de velocidade de expansão do comércio pela Internet, os Estados
Unidos têm dois a três anos de
avanço sobre Canadá, Grã-Bretanha e Alemanha e entre quatro a cinco anos sobre Japão,
França e Itália.
O Brasil, grotescamente subinformatizado, paga até hoje o
preço da insensata política de
informática, praticada pela SEI
por atos normativos sem base
legal entre 1975 e 1984, sancionada pela Lei de Informática,
de outubro de 1984, e sacramentada pela "Constituição besteirol" de 1988. Segundo os "World
Development Indicators" do
Bird, o Brasil é o menos informatizado dos grandes países da
América Latina. Tinha, em
1996, 18 computadores pessoais
por mil habitantes, contra 45 no
Chile, 29 no México, 25 na Argentina, 23 na Colômbia e nada
menos que 362 nos Estados Unidos. A situação era um pouco
melhor (dados de 1997) em termos de acesso à Internet, com
0,4 internautas por mil habitantes, nível igual ao do México,
mas inferior aos de Chile (1,3) e
Argentina (0,5). Os Estados
Unidos naturalmente estão
anos luz à frente, com 44,2.
Não é de se estranhar que o
Brasil seja hoje um exportador
pouco dinâmico. É que cada vez
mais o comércio internacional é
um fenômeno internáutico. O
comércio na Internet é hoje chamado de "comércio dinâmico",
pelo seu hipercrescimento. Estima-se que o comércio pela Internet entre empresas duplique
cada ano, passando de US$ 43
bilhões em 1988 para US$ 108 bilhões em 2003.
As empresas têm sido sujeitas
nos últimos tempos a enormes
choques de produtividade, por
meio de "outsourcing", "downsizing" e "reengineering". Agora têm que absorver a tecnologia do "networking".
As inovações tecnológicas começaram a produzir inovações
semânticas. Na distribuição comercial, o papel exercido pelos
"intermediários" é hoje substituído pelo dos "infomediários",
os quais, providenciando amplo
acesso a informações sobre supridores alternativos, acabam
fomentando o relacionamento
direto entre fornecedores e
usuários. É o caso da fábrica de
computadores Dell, que concilia
a produção em massa com o
atendimento de preferências individuais dos usuários. Os "infomediários" acabarão assassinando os "intermediários". E
surgem a toda hora novos conceitos e atividades como o teletrabalho, a telemedicina, e a
"cadeia de valores integrados".
Um dos principais efeitos do
comércio feito pela Internet,
além do surgimento de empresas "virtuais" (como a livraria
eletrônica da Amazon), é transferir poder dos "vendedores" para os "compradores". Esses poderão, com um toque do mouse,
mudar de fornecedores e acessar
miríades de informações sobre
produtos alternativos. Um outro efeito é a redução dos custos
de transação. Esse barateamento tem um efeito expansivo sobre a atividade econômica e é
parte da explicação do sucesso
americano em conciliar baixa
inflação, baixo desemprego e
rápido crescimento. Um terceiro
efeito é a descoberta de novas
possibilidades comerciais pela
acessibilidade de informação
via Internet. Um quarto efeito é
a desverticalização industrial,
passando as empresas a ser
coordenadoras eletronificadas
da montagem de peças de centenas de fornecedores especializados.
No mundo do comércio eletrônico, as velhas e simples estratégias comerciais -expulsar
competidores, espremer fornecedores e explorar a ignorância
dos consumidores- não mais
funcionará, graças à amplitude,
acessibilidade e barateamento
da informação.
Estamos ainda longe de perceber as plenas implicações da terceira revolução industrial da
Internet. Elas imporão, por
exemplo, uma revisão dos cânones tributários clássicos. Numa
economia globalizada, com
mercados financeiros intercomunicantes, as empresas podem
decidir alocar a geração de lucros aos países de ambiente fiscal mais benigno. Ou intensificar, na composição da produção, a montagem de peças produzidas em países de fiscalidade
mansa. E certamente o comércio
internáutico é incompatível
com as 27 legislações estaduais
do ICMS brasileiro. Cada vez
mais a tributação terá de incidir
sobre fatos geradores sintéticos
-como as transações financeiras e o consumo de insumos essenciais- do que sobre declarações analíticas de renda e consumo. No setor imobiliário, haverá demanda maior de espaço
cibernético (armazéns para
atender a encomendas via Internet) do que para lojas de varejo. O armazenamento cibernético substituirá o arquivamento de papelório. E na sociedade de serviços, com a descentralização cibernética, os movimentos sindicais, baseados na
manipulação de massas operárias em fábricas convencionais,
tenderão a fenecer.
O atraso de toda uma geração
brasileira pela política suicida
de informática, nas décadas de
70 e 80, suscita reflexões sobre o
nacionalismo. Sempre tive robusto desprezo pelos nossos "nacionalistas", porque ao contrário dos americanos, praticam
um nacionalismo de rejeição e
não de integração. Quando, como diplomata, negociava acomodações financeiras para um
país falido, enquanto Brizola
vociferava contra o imperialismo americano, aderi à definição de Augusto Frederico
Schmidt do nacionalista brasileiro: "É um calhorda que diz ao
americano: me dá um dinheirinho aí seu cachorro imperialista!". Depois adotei a definição
mais mansa de que nosso nacionalismo é uma mistura curiosa
de mania de grandeza com complexo de inferioridade. Hoje, na
idade da engenharia genética,
acho que nossos nacionalistas
são a clonagem de um híbrido
em cuja composição há 10% do
genes do patriotismo, 30% do
genes do ressentimento e 60%
do genes de burrice. A grande
injustiça é que os visionários
das transformações -os liberais como Eugênio Gudin e Octávio Bulhões- morreram com
a pecha de vendilhões da pátria,
enquanto os obscurantistas que
promoveram as passeatas do
"petróleo é nosso" ou da "informática é nossa" continuam arrotando patriotismo. Na minha
ótica, não são heróis da nacionalidade e sim turiferários do
"imbecil coletivo".
Roberto Campos, 82, economista e diplomata, foi senador pelo PDS-MT, deputado federal
pelo PPB-RJ e ministro do Planejamento (governo Castello Branco). É autor de "A Lanterna
na Popa" (Ed. Topbooks, 1994).
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