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SÃO PAULO
Principal doadora da campanha de Covas, Construtécnica executou maiores empreendimentos de suas gestões
Empreiteira monopoliza obras da Cultura
Editoria de Arte/Folha Imagem
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Fachada do Complexo Cultural Júlio Prestes, que será inaugurado na sexta-feira |
MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local
A empresa que fez a maior doação para a campanha do então candidato a governador Mário Covas
(PSDB), no ano passado, é a mesma que executou as maiores obras
da Secretaria Estadual da Cultura
nas gestões de Covas.
A Construtécnica doou R$ 400
mil em quatro parcelas de R$ 100
mil para Covas e executou, sozinha
ou em consórcio, as seis maiores
obras do Estado na área cultural
-do Complexo Cultural Júlio
Prestes, uma obra de R$ 44,3 milhões que será inaugurada na próxima sexta-feira, ao novo prédio
do Arquivo do Estado (leia a relação completa no quadro).
A Secretaria da Cultura é dirigida
pela segunda vez por Marcos Mendonça. Durante a reforma do Arquivo do Estado, em 1996, Mendonça e um dos sócios da Construtécnica, José Eduardo do Nascimento, tornaram-se amigos.
A Construtécnica é uma empresa
de dupla identidade. Às vezes, executa obras com esse nome; outras,
com a identidade de Spenco. A razão da dupla identidade é simples:
em outubro de 1994, a Spenco entrou em concordata e no ano seguinte os sócios da empresa criaram a Construtécnica.
Irregularidades
A doação da Construtécnica para
a campanha de Covas e a lista de
obras que acumula seriam mais
um caso de relações perigosas entre empreiteiras e políticos não
fossem algumas irregularidades
nas licitações.
O caso mais grave é o do Complexo Cultural Júlio Prestes, uma sala
de concertos para 1.500 pessoas na
Luz (região central de São Paulo).
O edital vetava a participação de
empresas concordatárias, como a
Spenco. A Construtora Triunfo e a
Acciona, empresa espanhola especializada em restauro de prédios
históricos, venceram a concorrência em outubro de 1997. Dois meses depois, em janeiro de 1998, a
Spenco foi admitida no consórcio.
Documento obtido pela Folha
mostra que Mendonça autorizou a
entrada da Spenco no consórcio.
Isso é ilegal independente da
concordata, segundo dois especialistas consultados pela Folha
-Toshio Mukai, doutor em direito administrativo pela USP e autor
do livro "Licitações e Contratos
Públicos", e Paulo Boselli, que escreveu a obra "Como Ter Sucesso
em Licitações".
O artigo 33 da lei 8.666, que trata
de licitações, diz que cada uma das
empresas que integram um consórcio devem apresentar documentos fiscais e jurídicos como se
estivessem concorrendo sozinhas.
A idéia por trás do artigo é impedir que uma empresa que não
cumpra todas as exigências da licitação se associe a outra para encobrir as falhas. Um exemplo: um sonegador do Imposto de Renda poderia se associar a um bom pagador e tudo pareceria OK. No novo
consórcio autorizado por Mendonça, a comissão de licitação não
analisou os papéis da Spenco.
A própria concordata da Spenco
é considerada suspeita por outra
empreiteira, a Construbase. Em
processo que está no Tribunal de
Justiça de São Paulo, a Construbase cobra R$ 3,17 milhões da Spenco
e pede a falência da empreiteira.
Em apelação protocolada na última terça-feira, a Construbase diz
que as vantagens obtidas pela
Spenco sugerem "a ocorrência de
concordata "preparada", com o intuito de lesar os credores".
Outra pergunta sugerida no processo é: como uma empresa concordatária cria outra identidade e
doa R$ 400 mil numa campanha?
A quantia doada pela Construtécnica só se iguala à doação da
distribuidora de petróleo Ipiranga,
companhia que faturou R$ 6,95 bilhões no ano passado e ocupa a 12ª
posição entre as empresas com as
maiores vendas de 1998, segundo a
revista "Maiores e Melhores".
Para comparar: a Construtécnica
diz ter faturado R$ 7,57 milhões e
doou 5,28% dos seus ganhos a Covas; no caso da Ipiranga, a doação
corresponde a 0,0058% das vendas. A empreiteira que doou 5,28%
do seu faturamento foi registrada
na Junta Comercial com endereço
falso. No local, funciona um escritório de contabilidade. O endereço
real da Construtécnica é o mesmo
da Spenco, na Vila Olímpia.
Das seis obras que executou para
Secretaria da Cultura, a Spenco/
Construtécnica só ganhou a licitação de duas. A restauração do Teatro São Pedro e a recriação da Pinacoteca foram parar nas mãos da
empreiteira por meio de artifícios.
Na Pinacoteca, a Martur ganhou
a licitação e repassou a obra à
Spenco. No Teatro São Pedro, a
Spenco foi contratada pelo Ilam
(Instituto Latino-Americano), entidade criada pelo ex-governador e
deputado federal Franco Montoro
(PSDB-SP), que captou recursos
para o restauro.
Licitação dirigida
Outra obra da Cultura, a reconstrução dos estúdios da Vera Cruz,
também teve irregularidades no
edital, segundo o consultor Paulo
Boselli.
Para executar o projeto -orçado em R$ 17 milhões, dos quais a
Secretaria da Cultura entra com R$
5 milhões-, o edital exige que a
empreiteira comprove a realização
de uma obra "com área superior a
10.000 m2, tombada pelo Patrimônio Histórico de qualquer esfera
administrativa".
O problema é que "não tem restauro histórico" na obra, segundo
o próprio coordenador do projeto
Nova Vera Cruz, Ivan Isola, da
Fundação Padre Anchieta, parceira da Secretaria da Cultura nos estúdios de cinema. Uma visita à
obra, em São Bernardo do Campo,
comprova que não há restauro histórico a ser feito. Os estúdios ficam
em galpões inaugurados em 1949.
"É uma licitação dirigida para favorecer quem já executou restauro
histórico", diz Boselli. A obra está
sendo executada pelo consórcio
formado pela Triunfo, Construtécnica e a empresa espanhola Necso.
Triunfo e Construtécnica são parceiras no Complexo Cultural Júlio
Prestes e na transformação do antigo prédio do Deops (Delegacia de
Ordem Política e Social) em Escola
Superior de Música.
O monopólio da Spenco e da
Construtécnica não é a única coincidência em obras da Secretaria da
Cultura. No Teatro São Pedro, na
Pinacoteca e no Complexo Cultural Júlio Prestes, as obras de instalações hidráulicas e elétricas foram
executadas pela PEM Engenharia.
A PEM tem como sócios dois primos do secretário Marcos Mendonça -Roberto Mendonça e Augusto Mendonça.
Pode parecer imoral, mas é tudo
legal. A PEM, que doou R$ 100 mil
para Covas, foi subcontratada pelas empreiteiras da obra.
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