São Paulo, Domingo, 04 de Julho de 1999
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SÃO PAULO
Principal doadora da campanha de Covas, Construtécnica executou maiores empreendimentos de suas gestões
Empreiteira monopoliza obras da Cultura

Editoria de Arte/Folha Imagem
Fachada do Complexo Cultural Júlio Prestes, que será inaugurado na sexta-feira


MARIO CESAR CARVALHO
da Reportagem Local

A empresa que fez a maior doação para a campanha do então candidato a governador Mário Covas (PSDB), no ano passado, é a mesma que executou as maiores obras da Secretaria Estadual da Cultura nas gestões de Covas.
A Construtécnica doou R$ 400 mil em quatro parcelas de R$ 100 mil para Covas e executou, sozinha ou em consórcio, as seis maiores obras do Estado na área cultural -do Complexo Cultural Júlio Prestes, uma obra de R$ 44,3 milhões que será inaugurada na próxima sexta-feira, ao novo prédio do Arquivo do Estado (leia a relação completa no quadro).
A Secretaria da Cultura é dirigida pela segunda vez por Marcos Mendonça. Durante a reforma do Arquivo do Estado, em 1996, Mendonça e um dos sócios da Construtécnica, José Eduardo do Nascimento, tornaram-se amigos.
A Construtécnica é uma empresa de dupla identidade. Às vezes, executa obras com esse nome; outras, com a identidade de Spenco. A razão da dupla identidade é simples: em outubro de 1994, a Spenco entrou em concordata e no ano seguinte os sócios da empresa criaram a Construtécnica.

Irregularidades
A doação da Construtécnica para a campanha de Covas e a lista de obras que acumula seriam mais um caso de relações perigosas entre empreiteiras e políticos não fossem algumas irregularidades nas licitações.
O caso mais grave é o do Complexo Cultural Júlio Prestes, uma sala de concertos para 1.500 pessoas na Luz (região central de São Paulo).
O edital vetava a participação de empresas concordatárias, como a Spenco. A Construtora Triunfo e a Acciona, empresa espanhola especializada em restauro de prédios históricos, venceram a concorrência em outubro de 1997. Dois meses depois, em janeiro de 1998, a Spenco foi admitida no consórcio.
Documento obtido pela Folha mostra que Mendonça autorizou a entrada da Spenco no consórcio.
Isso é ilegal independente da concordata, segundo dois especialistas consultados pela Folha -Toshio Mukai, doutor em direito administrativo pela USP e autor do livro "Licitações e Contratos Públicos", e Paulo Boselli, que escreveu a obra "Como Ter Sucesso em Licitações".
O artigo 33 da lei 8.666, que trata de licitações, diz que cada uma das empresas que integram um consórcio devem apresentar documentos fiscais e jurídicos como se estivessem concorrendo sozinhas.
A idéia por trás do artigo é impedir que uma empresa que não cumpra todas as exigências da licitação se associe a outra para encobrir as falhas. Um exemplo: um sonegador do Imposto de Renda poderia se associar a um bom pagador e tudo pareceria OK. No novo consórcio autorizado por Mendonça, a comissão de licitação não analisou os papéis da Spenco.
A própria concordata da Spenco é considerada suspeita por outra empreiteira, a Construbase. Em processo que está no Tribunal de Justiça de São Paulo, a Construbase cobra R$ 3,17 milhões da Spenco e pede a falência da empreiteira.
Em apelação protocolada na última terça-feira, a Construbase diz que as vantagens obtidas pela Spenco sugerem "a ocorrência de concordata "preparada", com o intuito de lesar os credores".
Outra pergunta sugerida no processo é: como uma empresa concordatária cria outra identidade e doa R$ 400 mil numa campanha?
A quantia doada pela Construtécnica só se iguala à doação da distribuidora de petróleo Ipiranga, companhia que faturou R$ 6,95 bilhões no ano passado e ocupa a 12ª posição entre as empresas com as maiores vendas de 1998, segundo a revista "Maiores e Melhores".
Para comparar: a Construtécnica diz ter faturado R$ 7,57 milhões e doou 5,28% dos seus ganhos a Covas; no caso da Ipiranga, a doação corresponde a 0,0058% das vendas. A empreiteira que doou 5,28% do seu faturamento foi registrada na Junta Comercial com endereço falso. No local, funciona um escritório de contabilidade. O endereço real da Construtécnica é o mesmo da Spenco, na Vila Olímpia.
Das seis obras que executou para Secretaria da Cultura, a Spenco/ Construtécnica só ganhou a licitação de duas. A restauração do Teatro São Pedro e a recriação da Pinacoteca foram parar nas mãos da empreiteira por meio de artifícios.
Na Pinacoteca, a Martur ganhou a licitação e repassou a obra à Spenco. No Teatro São Pedro, a Spenco foi contratada pelo Ilam (Instituto Latino-Americano), entidade criada pelo ex-governador e deputado federal Franco Montoro (PSDB-SP), que captou recursos para o restauro.

Licitação dirigida
Outra obra da Cultura, a reconstrução dos estúdios da Vera Cruz, também teve irregularidades no edital, segundo o consultor Paulo Boselli.
Para executar o projeto -orçado em R$ 17 milhões, dos quais a Secretaria da Cultura entra com R$ 5 milhões-, o edital exige que a empreiteira comprove a realização de uma obra "com área superior a 10.000 m2, tombada pelo Patrimônio Histórico de qualquer esfera administrativa".
O problema é que "não tem restauro histórico" na obra, segundo o próprio coordenador do projeto Nova Vera Cruz, Ivan Isola, da Fundação Padre Anchieta, parceira da Secretaria da Cultura nos estúdios de cinema. Uma visita à obra, em São Bernardo do Campo, comprova que não há restauro histórico a ser feito. Os estúdios ficam em galpões inaugurados em 1949.
"É uma licitação dirigida para favorecer quem já executou restauro histórico", diz Boselli. A obra está sendo executada pelo consórcio formado pela Triunfo, Construtécnica e a empresa espanhola Necso. Triunfo e Construtécnica são parceiras no Complexo Cultural Júlio Prestes e na transformação do antigo prédio do Deops (Delegacia de Ordem Política e Social) em Escola Superior de Música.
O monopólio da Spenco e da Construtécnica não é a única coincidência em obras da Secretaria da Cultura. No Teatro São Pedro, na Pinacoteca e no Complexo Cultural Júlio Prestes, as obras de instalações hidráulicas e elétricas foram executadas pela PEM Engenharia. A PEM tem como sócios dois primos do secretário Marcos Mendonça -Roberto Mendonça e Augusto Mendonça.
Pode parecer imoral, mas é tudo legal. A PEM, que doou R$ 100 mil para Covas, foi subcontratada pelas empreiteiras da obra.



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