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ELIO GASPARI
A irmandade da banca
de Fátima
Deve-se à repórter Sheila
D'Amorim uma das mais
estarrecedoras revelações dos
mecanismos de poder do patronato nacional. Pela denominação de seus próprios integrantes,
chama-se "Grupo de Fátima". É
um lote de uns dez funcionários
da banca que se reúnem periodicamente com diretores do
Banco Central para discutir a
conjuntura econômica nacional.
Chamam-se "Grupo de Fátima" por conta da capacidade
que esses cidadãos se atribuem
de proteger o sigilo do que ouvem. Teriam a severidade do
Papado, que protegeu o segredo
ditado pela Virgem em 1917 a
três pastores portugueses. Lúcia,
a única pastorinha sobrevivente, feita irmã do Imaculado Coração, relatou-o por escrito, em
1944. Em 2000, estabeleceu-se
que o segredo de Fátima tratava
do retorno da fé cristã às terras
dominadas pelo materialismo
comunista.
O "Grupo de Fátima" brasileiro une-se apenas pela funcionalidade do segredo. Dois diretores
do Banco Central (uma entidade pública a caminho da privatização, ou uma entidade privada a caminho da estatização)
reuniram-se com a banca para
conversas secretas em pelo menos duas ocasiões durante o
atual governo. Os brasileiros são
170 milhões, e os eleitores do
atual presidente foram 54 milhões. Admita-se que a ekipekonômica não deva se misturar
com essa choldra. O Banco Central distribui seus principais relatórios a algo como uns 100 mil
contribuintes. Além disso, criou
uma rotina de reunir trimestralmente umas poucas dezenas
de economistas, em encontros
ostensivos, durante os quais discute aspectos da política monetária que exercita. Até aí, nada
demais. Nessa hora é que entra
o "Grupo de Fátima".
Não se trata mais de conversar com uma escumalha de 30
servidores da banca, mas apenas com meia dúzia deles, comprometidos com o segredo. Como disse o economista-chefe do
Bradesco, Octavio de Barros
(um dos oblatos do "Grupo de
Fátima"), "as reuniões trimestrais são contraproducentes.
Inúteis. São 30 economistas numa sala, não dá para debater".
Barros informa que homens
de fé das paróquias Pactual,
Unibanco, CSFB Garantia e
ING já se reuniram sob o sigilo
de Fátima com pelo menos dois
arcanjos-diretores do Banco
Central. Num caso, a reunião
deu-se a pedido de Ilan Goldfajn, ex-diretor de Política Econômica do BC.
Ninguém pode dizer que os
pastorinhos da banca ouviram
do BC segredos semelhantes aos
que os meninos portugueses disseram ter ouvido da Virgem.
Pode-se, contudo, afirmar que a
ekipekonômica diz uma coisa
ao andar de baixo e outra ao
andar de cima. É uma pena que
fale em segredo aos irmãos de fé
da banca.
Ao fato: no dia 28 de março de
2003, no Senado da República, o
ministro da Fazenda, Antonio
Palocci, endossou a numerologia do acordo assinado pelos tucanos com o FMI e informou
que naquele ano o PIB de Pindorama cresceria entre 1,8% e
2,8%. Refinando a previsão, disse: "Não creio que estará abaixo
do numero do Ipea". O "número
do Ipea" estimava um crescimento modesto, entre 1,5% e
1,8% do PIB.
Livre do segredo de Fátima,
Palocci contou na semana passada aos repórteres Gustavo
Krieger e Ricardo Grinbaum o
que dizia nessa época no andar
de cima: ""Olha, esses 2,8% de
crescimento no PIB talvez sejam
2%, talvez seja 1,5%, talvez seja
1%, talvez não seja nada...". Nossa conta, desde o início, variava
entre uma queda de 0,3% no
PIB e um crescimento de, no
máximo, 0,3%".
Antonio Palocci revelou o
grande segredo de todos os santos, de Oxalá, Tupã, Exu, Fátima e Iansã: há nesta terra dois
andares, um ao qual se deve
contar o que sucede; outro, ao
qual não se pode contar o que
está sucedendo.
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