São Paulo, quarta-feira, 04 de agosto de 2004

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ELIO GASPARI

A irmandade da banca de Fátima

Deve-se à repórter Sheila D'Amorim uma das mais estarrecedoras revelações dos mecanismos de poder do patronato nacional. Pela denominação de seus próprios integrantes, chama-se "Grupo de Fátima". É um lote de uns dez funcionários da banca que se reúnem periodicamente com diretores do Banco Central para discutir a conjuntura econômica nacional.
Chamam-se "Grupo de Fátima" por conta da capacidade que esses cidadãos se atribuem de proteger o sigilo do que ouvem. Teriam a severidade do Papado, que protegeu o segredo ditado pela Virgem em 1917 a três pastores portugueses. Lúcia, a única pastorinha sobrevivente, feita irmã do Imaculado Coração, relatou-o por escrito, em 1944. Em 2000, estabeleceu-se que o segredo de Fátima tratava do retorno da fé cristã às terras dominadas pelo materialismo comunista.
O "Grupo de Fátima" brasileiro une-se apenas pela funcionalidade do segredo. Dois diretores do Banco Central (uma entidade pública a caminho da privatização, ou uma entidade privada a caminho da estatização) reuniram-se com a banca para conversas secretas em pelo menos duas ocasiões durante o atual governo. Os brasileiros são 170 milhões, e os eleitores do atual presidente foram 54 milhões. Admita-se que a ekipekonômica não deva se misturar com essa choldra. O Banco Central distribui seus principais relatórios a algo como uns 100 mil contribuintes. Além disso, criou uma rotina de reunir trimestralmente umas poucas dezenas de economistas, em encontros ostensivos, durante os quais discute aspectos da política monetária que exercita. Até aí, nada demais. Nessa hora é que entra o "Grupo de Fátima".
Não se trata mais de conversar com uma escumalha de 30 servidores da banca, mas apenas com meia dúzia deles, comprometidos com o segredo. Como disse o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros (um dos oblatos do "Grupo de Fátima"), "as reuniões trimestrais são contraproducentes. Inúteis. São 30 economistas numa sala, não dá para debater".
Barros informa que homens de fé das paróquias Pactual, Unibanco, CSFB Garantia e ING já se reuniram sob o sigilo de Fátima com pelo menos dois arcanjos-diretores do Banco Central. Num caso, a reunião deu-se a pedido de Ilan Goldfajn, ex-diretor de Política Econômica do BC.
Ninguém pode dizer que os pastorinhos da banca ouviram do BC segredos semelhantes aos que os meninos portugueses disseram ter ouvido da Virgem. Pode-se, contudo, afirmar que a ekipekonômica diz uma coisa ao andar de baixo e outra ao andar de cima. É uma pena que fale em segredo aos irmãos de fé da banca.
Ao fato: no dia 28 de março de 2003, no Senado da República, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, endossou a numerologia do acordo assinado pelos tucanos com o FMI e informou que naquele ano o PIB de Pindorama cresceria entre 1,8% e 2,8%. Refinando a previsão, disse: "Não creio que estará abaixo do numero do Ipea". O "número do Ipea" estimava um crescimento modesto, entre 1,5% e 1,8% do PIB.
Livre do segredo de Fátima, Palocci contou na semana passada aos repórteres Gustavo Krieger e Ricardo Grinbaum o que dizia nessa época no andar de cima: ""Olha, esses 2,8% de crescimento no PIB talvez sejam 2%, talvez seja 1,5%, talvez seja 1%, talvez não seja nada...". Nossa conta, desde o início, variava entre uma queda de 0,3% no PIB e um crescimento de, no máximo, 0,3%".
Antonio Palocci revelou o grande segredo de todos os santos, de Oxalá, Tupã, Exu, Fátima e Iansã: há nesta terra dois andares, um ao qual se deve contar o que sucede; outro, ao qual não se pode contar o que está sucedendo.


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