São Paulo, quinta-feira, 04 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/RETÓRICA DA CRISE

Um dia após ser envolvido no caso, presidente afirma que só deve prestar contas ao povo

"Vão ter que me engolir", diz Lula, em tom exaltado

Fernando Donasci/Folha Imagem
Lula faz gesto ao dizer em Pernambuco que quatro anos é pouco para mudar a educação no país


FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM GARANHUNS (PE)

ANA FLOR
ENVIADA ESPECIAL A TERESINA (PI)

Um dia depois de ver seu nome envolvido diretamente no escândalo do "mensalão", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sobre um palanque armado em praça pública e em clima de comício eleitoral, afirmou ontem em Pernambuco que, se for candidato à reeleição em 2006, seus opositores terão que "engoli-lo" outra vez.
Durante discurso feito em Garanhuns (a 235 km de Recife), Lula elevou o tom para falar de seus opositores políticos e da imprensa. "Se eu for [candidato], com ódio ou sem ódio, eles vão ter que me engolir outra vez, porque o povo brasileiro vai querer", afirmou Lula, sob gritos e aplausos.
Foi uma referência à frase "vocês vão ter que me engolir", do ex-técnico da seleção brasileira Mário Jorge Lobo Zagallo.
Mais tarde, em Teresina (PI), o presidente voltou a falar sobre disputa eleitoral. Disse que não devia a sua eleição a "conchavos políticos" e que ele não "precisa de piedade". Na vila que visitou, enfrentou duas manifestações e foi chamado de "ladrão".

Rumo a 2006
Em Garanhuns, Lula reclamou seu direito de concorrer ao pleito e insinuou que seus adversários temem sua participação. "Eu ainda nem disse que sou candidato, mas tem gente que fala: "É preciso fazer ele sangrar, para chegar fraco nas eleições'", declarou.
Foi uma referência a conversas que circularam em Brasília. Em meio à mais densa crise política em uma década, surgiram informações de que oposição e governo poderiam fechar um acordo: Lula preservaria sua biografia política e seguiria até o fim do mandato; em troca, a oposição (que desejaria um Lula enfraquecido em 2006) não pensaria em pedir o seu afastamento. Os dois lados negaram a discussão de tal idéia.
O presidente disse ontem que não foi o responsável pela aprovação da proposta de reeleição, mas que agora não vê motivos para não usar essa prerrogativa. "Na Constituinte, votei para não ter reeleição, mas, agora, dizer que eu não posso concorrer com base em quê? Com medo de que eu possa provar que em quatro anos fiz mais do que eles durante oito anos?", questionou, referindo-se aos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
O presidente vinha sendo preservado dos ataques diretos. Anteontem, porém, durante o depoimento do ex-ministro José Dirceu (Casa Civil) ao Conselho de Ética da Câmara, seu nome apareceu no escândalo. Segundo o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), o publicitário Marcos Valério e o tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri, foram a Lisboa negociar com uma empresa privada uma operação para quitar dívidas de campanha, sob orientação do próprio Lula. Os envolvidos negaram a informação.
Animado pelas cerca de 8.000 pessoas que, segundo a Polícia Militar, acompanhavam o discurso, o presidente atacou seus opositores. Disse que aprendeu a ter "dignidade e vergonha na cara" e que respeita os outros.
"Se querem respeito, me respeitem, porque eu não devo a minha eleição a favor de ninguém. Eu devo a minha eleição ao povo deste país, que acreditou e que votou. E é a ele que eu prestarei contas no momento certo", afirmou.
E comentou a crise ao dizer que era um homem "calejado" e que já havia apanhado muito na vida. "Eu nunca tive alguma coisa que não tivesse que lutar feito um desgraçado para conquistar", declarou. "Só espero que, quando terminar a CPI, os culpados sejam entregues num processo ao Ministério Público para serem processados", disse.
"Espero que o Ministério Público mova uma ação, e quem deve pagar pague, seja do PT, seja católico ou evangélico, seja do PMDB. Não tem cor, não tem raça, não tem sexo, não tem ideologia."
Lula reclamou da imprensa, o que ele já havia feito anteontem, e pediu que, após as investigações, a mídia se desculpe com os eventuais inocentados.

Eventos populares
Desde a semana retrasada, Lula tem falado em eventos populares, como o organizado por sindicalistas no ABC e por taxistas em Brasília. Ontem, discursou na cidade onde nasceu, para um público formado por aliados. Duas pequenas manifestações foram registradas durante o evento, destinado ao lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar.
Um grupo formado por cerca de 30 estudantes protestou contra a reforma universitária. E o produtor de eventos Genivaldo de Melo Costa fez um ato solitário: se fantasiou de palhaço e fez uma performance com uma mala "cheia de dólares e reais". Seguranças retiraram Costa do local.
Em Teresina, o presidente esteve em outro evento popular. Retornou à Vila Irmã Dulce, bairro pobre que visitou nos primeiros dias de seu mandato acompanhado de quase todos os ministros.
Na vila, enfrentou mais manifestações. Chegou a ser chamado de "ladrão" e foi acusado de ser chefe do esquema do "mensalão".
Na tentativa de proteger o presidente, o cerimonial da Presidência não permitiu a entrada de faixas contrárias ao governo.

"Conchavos políticos"
Ao discursar em Teresina, Lula deu a entender que não aceita negociações sobre a sua permanência na Presidência, pois não deve sua eleição "a conchavos políticos", e criticou parlamentares que "gostam de fazer um pouco de encenação" nas CPIs do Congresso.
"Eu não devo a minha eleição a conchavos políticos, eu devo a minha eleição a 52 milhões de homens e mulheres deste país que acreditaram e que votaram."
Lula disse que é necessário "respeito" às instituições e afirmou que "não precisa de piedade".
"Este pais está dizendo àqueles que já governaram: "Por favor, o presidente Lula não precisa de favor, o presidente Lula não precisa de piedade". A única coisa que eu preciso é que não atrapalhem este país a ser uma grande nação, que o povo há de ser um povo que viva condignamente e com respeitabilidade", afirmou o presidente.
Sobre a CPI, disse: "Nós achamos que a CPI é um instrumento importante e vamos fazer com que a CPI tenha todas as facilidades para funcionar. Tem muito deputado e senador sério querendo fazer apuração. Tem outros que gostam de fazer encenação, mas também estão no seu papel, não vamos achar ruim".


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