São Paulo, quarta-feira, 04 de setembro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Ceticismo utilitário

RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES

Corria o ano de 1956. O presidente JK aliciava votos no Congresso Nacional para aprovar a mudança da capital para Brasília. Todas as formas de aliciamento eram usadas. Desde financiamentos, da Caixa Econômica para parlamentares comprarem apartamentos (o ex-presidente José Sarney guarda até hoje uma carta -autorizativa- que ele não utilizou) até empregos abundantes em autarquias, e empresas públicas para apaniguados dos parlamentares.
No meio dos acirrados debates parlamentares um deputado do PTB de nome Ary Pitombo surgiu com uma forma original de captação de voto: apresentou um projeto que permitia a cada parlamentar importar um carro pelo câmbio oficial, o mesmo câmbio pelo qual o país importava bens considerados essenciais -trigo, petróleo e papel de imprensa.
A UDN reagiu, indignada. Não só diante do privilégio injustificável, como por ter descoberto que, se aprovado pelo Congresso, o projeto tinha a sua sanção garantida pelo presidente da República.
Obstrução tenaz. Discursos veementes. Nada disto adiantou. A maioria -PSD e PTB- aprovou o projeto. E o presidente, como combinado, sancionou. O líder da UDN na Câmara, que chefiava a obstrução, deputado Afonso Arinos, sempre firme nas suas posições, cedeu à tentação de importar e procurou o deputado Milton Campos para se aconselhar. E Milton Campos respondeu-lhe que, como uma posição pessoal, não usaria de franquia legal.
Diante desse habeas corpus, o deputado Afonso Arinos, importou o automóvel, provocando, como é claro, uma enxurrada de críticas. Cobrado por sua anuência explícita, o deputado Milton Campos explicou: "O nosso Afonso, ao me consultar, já tinha decidido importar. Minha oposição teria sido inútil, ele teria importado da mesma forma e ainda teria ficado encabulado comigo. E eu, provavelmente perderia uma carona confortável, já que o Afonso morava na rua Anita Garibaldi, perto do apartamento onde morava na rua Barata Ribeiro".
E até 58, quando Afonso Arinos se elegeu senador pela cidade do Rio de Janeiro, a bordo do caminhão do povo criado pelo Carlos Lacerda para fugir à censura que JK impusera à oposição, impedida de ter acesso ao rádio e à televisão, Milton Campos teve a sua confortável carona assegurada.


RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES, 71, ex-governador da Guanabara e ministro da Previdência Social do governo Sarney, escreve às quartas nesta seção



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