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REGRAS DO JOGO
Contra a maré da criminalidade
LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO
Como diz o "sobrevivente" Primo Preto, na batida do rap,
"60% dos jovens de periferia sem
antecedentes criminais já sofreram violência policial; a cada
quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras; nas universidades brasileiras apenas 2% dos
alunos são negros; a cada quatro
horas um jovem negro morre violentamente em São Paulo".
É a equação das favelas e dos
morros das grandes cidades. Pais,
avós, filhos, irmãos, parentes, vizinhos e "manos" de alguém, e o
próprio alguém, suspeito ou culpado: já conheceram ou conhecerão a brutalidade do sistema repressivo brasileiro.
Uma gente que, a rigor, não tem
em quem votar.
Não se vê mais candidato a deputado disposto a esboçar uma
palavra de ordem contra a violência policial ou contra o estado
das nossas penitenciárias. É como
procurar agulha no palheiro: Fernando Gabeira no Rio, Marcos
Rolim em Porto Alegre...
Os programas de "segurança"
dos partidos são capazes de apontar como centro nevrálgico do
problema da criminalidade a miséria, a desigualdade e o desemprego. Mas, no curso da campanha, a lógica da vítima ocupa o
lugar da racionalidade política.
É a regra do jogo mercadológico. Candidato bom é candidato
duro com o crime.
O discurso de José Serra no horário eleitoral já está em sintonia.
Quando fala da violência urbana
desaparece o rigor metodológico
do seu pensamento econômico e
administrativo. Lula, Ciro e Garotinho estarão sintonizados na
hora "h". É questão de tempo.
"Vamos tratar bandidos como
bandidos", ameaça Genoino como se todos os que recebessem esse "trato" fossem bandidos. "Se
queimar colchão, preso dormirá
no chão", promete Maluf como se
o poder público fornecesse colchão para preso dormir. "Não vamos recuar um milímetro" retruca Alckmin sobre sua "guerra", temeroso de ser tido como "frouxo".
Quanto mais distante o criminoso jovem e ocasional estiver do
sistema penitenciário, mais longe
ele estará do mundo do crime.
Mas ninguém se importa com a
inutilidade monstruosa de prender pessoas que não precisariam
estar presas e com o desperdício
de dinheiro que isso representa.
Nos aeroportos e nos bancos há
detetores de metal, aparelhos de
raio-x. Nos presídios, não. Imaginem, em nome da segurança dos
vôos e do combate ao tráfico, a regra de desnudar mulheres antes
do embarque... Mas ninguém se
incomoda com a revista ginecológica e humilhante que a autoridade pratica na mãe do preso.
A lei já trata com o rigor destinado ao crime organizado quem
não faz parte do crime organizado. A polícia já atira para matar.
São Paulo já tem mais de 100 mil
presos amontoados, sem direito
de defesa e de voto.
Mas os candidatos querem
mais. Querem mais restrições.
Querem mais confisco de garantias individuais. Querem mais polícia. Querem mais armas em punho. Querem mais enfrentamento. Querem penas mais altas.
Querem mais presídios e presídios
mais distantes. Querem maioridade penal para garotos de 16, 14
anos. Querem qualquer coisa que
pareça rápido e fácil, ainda que
ineficaz.
O impacto da criminalidade na
disputa política é tão perverso
que, a cada eleição, há menos espaço para quem rema contra a
maré do endurecimento. A guerra é de extermínio mesmo, e de
exclusão. E corre solta. Sem porta-voz do lado contrário.
E-mail
lfcarvalhofilho@uol.com.br
LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO,
advogado criminal e articulista da
Folha, escreve às quartas nesta coluna
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