São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2005

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ELIO GASPARI

O Estado brasileiro é plutófilo

Faz tempo que o economista Marcelo Medeiros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, balança o coreto das autoridades na discussão da renda dos brasileiros. Diante de uma inflação de estudos sobre os pobres, ele procura entender os ricos. Nas suas contas, rica é uma família com R$ 3.500 por cabeça. Um casal que ganha R$ 14 mil e tem duas crianças pequenas é rico. São cerca de 1,8 milhão de brasileiros e detêm pelo menos 50% do patrimônio declarado em Pindorama. Metade está no quadrilátero São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Brasília.
Esse pedaço da sociedade vive principalmente de seu trabalho e investe pouco mais de 20% do orçamento na expansão de seus bens. De cada R$ 3 pagos em aluguéis, R$ 1 vai para o bolso dos ricos.
Medeiros acaba de publicar um precioso trabalho. Chama-se "O estudo dos ricos no Brasil" e está no último número da revista "Econômica", da Universidade Federal Fluminense. São 26 páginas cautelosas na exposição, com perguntas orientadoras e estimulantes para futuras pesquisas.
O economista sustenta que o Estado brasileiro é, há tempo, uma máquina de produzir e preservar ricos. Pindorama não é um país africano, onde a pobreza funciona como chave de compreensão da sociedade. Aqui a chave é o estudo da desigualdade: "A riqueza no Brasil se origina ou, ao menos, é perpetuada por relações com o Estado". Como? Assim:
Hoje o maior desembolso do Estado brasileiro destina-se a honrar compromissos financeiros. Desde 1983, só os juros já custaram perto de R$ 1,3 trilhão, 4,7% do PIB a cada ano. A melhor parte desse dinheiro ficou nas mãos de 2% da população.
A segunda maior despesa do Estado, equivalente a 15% do PIB, está na Previdência Social. No ano passado, foram R$ 173 bilhões. (Não confundir a aposentadoria da patuléia com a dos marajás.) Os 2% mais abonados entre os beneficiários apropriam-se do equivalente a 60% do que recebe a escumalha. Lula, por exemplo, tem um Bolsa-Ditadura de R$ 3.600. Um em cada quatro ricos recebe benefícios da Previdência.
A anomalia previdenciária não é o principal fator da desigualdade brasileira. Há muito chão pela frente para pesquisar o peso das conexões sociais. Numa construção exagerada, imagine-se dois jovens com origens e escolas diferentes e o mesmo diploma de curso superior.
Se a educação fosse uma linha produtora de igualdade social, eles deveriam estar em patamares próximos. Na vida real, se o andar de baixo fosse remunerado da mesma maneira que o de cima, 41% da população brasileira se tornaria rica. Se acontecesse o contrário, 91% dos ricos trocariam de andar.
Medeiros entende que o problema da desigualdade nacional não está na alta fecundidade e na baixa escolaridade dos pobres, nem numa suposta operosidade dos ricos. Ele estima que, se o Brasil crescesse a taxas de 5% ao ano durante 15 anos consecutivos, o espaço que separa os ricos dos pobres não seria reduzido de forma significativa.
O economista não aponta um caminho. Lendo-o, ocorre uma curiosidade: não tem pobre nas conversas de caixa dois e não tem rico na cadeia por ter operado esse tipo de maracutaia.
Vem aí mais uma AeroTunga
A Infraero quer um aumento de 35% nas tarifas de embarque no aeroportos. Elas já foram reajustadas em janeiro. Se o doutor Carlos Wilson for atendido, as taxas do Galeão, de Guarulhos e de Congonhas terão pulado de R$ 9,15 para R$ 15,59 em apenas oito meses.
A patuléia de Pindorama paga a mais alta tarifa de embarque do mundo em vôos internacionais. São US$ 36 contra US$ 18 cobrados no aeroporto Kennedy, em Nova York.
O doutor Antonio Palocci deveria mandar o ervanário arrecadado direto para as empreiteiras de obras ou de serviços de informática que habitam no orçamento da Infraero. Reduziria o custo do dinheiro.

Bico tucano
Lula faz questão de tratar o governador tucano Lúcio Alcântara, do Ceará, com mais cortesia do que tratou a prefeita petista de Fortaleza, Luizianne Lins. Chama Alcântara de "parceiro em momentos difíceis" (ele jogou sua influência sobre a bancada cearense para impedir que se formasse a CPI dos Correios). Já Luizianne, uma lutadora contra os altos teores de nicotina e alcatrão do comissariado, é apenas a "prefeita".

Coisa de artista
FFHH tornou-se um primoroso imitador de Lula. Imita da rouquidão à sintaxe. Seu desempenho só é superado pelas imitações que faz do professor Fernando Henrique Cardoso.

Voz do DOI
Falta pouco para que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra ponha o ponto final no seu novo livro, intitulado "A Verdade Sufocada". Ele comandou o DOI-Codi de São Paulo entre 1970 e 1974, período durante o qual foram desbaratadas as principais organizações esquerdistas envolvidas com a luta armada e atos terroristas. Do período em que comandou o DOI ficou a marca de 502 denúncias de torturas. Em 1987, Ustra publicou "Rompendo o Silêncio", o primeiro livro com informações sobre a estrutura do DOI. "A Verdade Sufocada" terá umas 500 páginas. Durante mais de 30 anos, o coronel juntou lembranças, formou uma biblioteca e teve acesso aos dois volumes produzidos nos anos 80 por cerca de 30 oficiais do Centro de Informações do Exército. Nele está uma minuciosa narrativa do período, na visão dos comandantes militares da época.

Nosso guia
Se não aparecer uma nova cueca, a viagem de George Bush ao Brasil, em novembro, dará um respiro a Lula. "Nosso guia, nosso mentor" na qualificação congolesa-stalinista do chanceler Celso Amorim terá a oportunidade de parecer um presidente fora da crise. O resto é torcer para que o fantasma de Celso Daniel retorne ao armário.

Voz do ABC
O advogado Almyr Pazzianotto começou a escrever suas memórias, mistura de lembranças políticas com a história do movimento sindical brasileiro no final do século passado. °°°Advogado dos metalúrgicos de São Bernardo, Pazzianoto foi eleito deputado estadual em 1978 e tornou-se ministro do Trabalho no governo José Sarney. Ele participou das negociações com o patronato e o governo nas greves de 1979 e 1980. Elas catapultaram Lula à celebridade nacional. Pazzianotto é uma das poucas pessoas capazes de calcular, na ponta do lápis, os resultados que as greves trouxeram para os contracheques dos trabalhadores. Foram poucos.

Projeto Macunaíma
O senador Demóstenes Torres (PFL-GO) fez as contas: no Orçamento de 2005, os ministérios da Saúde e de Cidades foram autorizados a gastar R$ 936 milhões em saneamento urbano. Do trabalho de ambos resultou que estão encalhados R$ 916 milhões ou cerca de 97% do serviço orçado. °°°Na hora de cortar projetos sociais, os companheiros usam a linguagem dos auditores: "De onde vem o dinheiro?" Na hora de executar os serviços previstos no Orçamento, repetem o grito de guerra de Macunaíma: "Ai, que preguiça".

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