São Paulo, sexta-feira, 04 de setembro de 2009

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Para EUA, Dantas é o dono de
US$ 242 mi saídos de Cayman

Rastreamento de conta em NY levanta dúvidas sobre patrimônio e origem de recursos

Saldo de conta bloqueada, que era de R$ 453 mi em 2002, superava patrimônio declarado por banqueiro, de R$ 302 milhões em 2005


RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL

Rastreamento feito pelo governo americano revelou que US$ 242 milhões depositados em 2002 na conta bancária denominada Tiger Eye, em Nova York (EUA), são pagamentos feitos pelo Opportunity Fund, nas ilhas Cayman, relativos ao resgate de cotas que estavam em nome de empresas controladas pelo próprio banqueiro Daniel Dantas.
A revelação -que consta de documento anexado pelo Departamento de Justiça americano ao processo que tramita na Justiça em Washington (EUA)- levanta duas dúvidas.
A primeira é sobre o real patrimônio de Dantas, que declarou à Receita bens no valor total de R$ 302 milhões em 2005. Só os US$ 242 milhões, que permaneciam na conta até fevereiro deste ano, equivalem a R$ 453,3 milhões.
A outra dúvida é a situação legal das cotas atribuídas a Dantas. O fundo era vedado a brasileiros residentes no Brasil (Dantas mora no Rio), cujas aplicações "usufruíam de isenção de imposto de renda sobre os ganhos de capital", segundo decisão da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) de 2004. Em 98, o Fund, em consórcio, comprou estatais telefônicas leiloadas pelo governo.
Indagada pela Folha se Dantas e gestores do Fund poderiam, legalmente, ter sido cotistas, a CVM informou: "Era vedada a participação de residentes e domiciliados no país em fundos constituídos no exterior que utilizavam a modalidade do Anexo IV". À mesma conclusão chegaram o inquérito nº 08/2001 da CVM e relatórios do delegado da PF Ricardo Saadi na Operação Satiagraha, que investigou Dantas.
O inquérito da CVM não conseguiu descobrir quem são os cotistas do Fund, um dos maiores segredos das privatizações. Dúvida das autoridades da Satiagraha, agora aumentada com os dados dos EUA, é se Dantas guarda recursos de terceiros em seu próprio nome.
A conta Tiger Eye foi bloqueada em fevereiro por ordem do juiz John D. Bates.
O Departamento de Justiça contratou então o investigador Kenneth Counts, agente especial aposentado do FBI (a PF americana), para rastrear a conta Tiger Eye. Counts assinou dois "affidavits" (testemunhos juramentados), em abril e em junho. O segundo atualizou e revisou o primeiro, do qual foram retiradas "inferências preliminares". Ele não tinha tido acesso a documentos que cobrara do custodiante dos recursos, o BBH.
No segundo "affidavit", Counts concluiu que Dantas é "dono e beneficiário" de resgate de cotas do Fund. Escreveu que o banqueiro criou um truste (acordo entre empresas) chamado Saint George II, sediado em Cayman, do qual é "outorgante e beneficiário principal". Sua irmã, Verônica, é "defensora". Vinculadas ao truste, há três empresas também sediadas em Cayman: a Tiger Eye Investment (dona da conta Tiger Eye), a Priory Corp e a Atlantic Pacific.
Por ordem de Verônica, as duas últimas receberam os US$ 242 milhões entre julho e outubro de 2002. Em seguida, enviaram o dinheiro para a Tiger Eye, no Citibank de Nova York.
As contas da Atlantic e da Priory foram "zeradas" e as empresas foram eliminadas do truste. O memorando interno do BBH que marcou o início das operações é de 18 de julho de 2002. Nesse dia, a coluna de Mônica Bergamo na Folha informava que o então senador Luiz Estêvão (PMDB-DF) estava sendo investigado por manter cotas no Fund.
Os testemunhos de Counts passaram a ser atacados pela Tiger Eye Investment. O Departamento de Justiça pedira ao juiz que substituísse o primeiro "affidavit" pelo segundo, embora os dois continuem na ação. A Tiger Eye alegou então "falsidade" no primeiro. O governo reagiu. O chefe da Seção de Bloqueio de Bens e Lavagem de Dinheiro do órgão, Richard Weber, qualificou de "espúria" a alegação e disse que os fatos do primeiro testemunho "permanecem verdadeiros". "De fato, o "layering" ocorreu", escreveu Weber. "Layering", que pode ser traduzido como "formar camadas", é como os investigadores descrevem o processo pelo qual uma empresa abre contas em nome de outras e faz o dinheiro circular entre elas.


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