São Paulo, domingo, 04 de outubro de 2009

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ELIO GASPARI

Um calote cruel, vindo da nata da elite


300 maganos receberam US$ 60 milhões da Viúva e decidiram ficar no exterior depois de concluir seus doutorados


ESTÁ SAINDO a preço de custo a malandragem de 300 professores que receberam bolsas do CNPq e da Capes para cursar doutorado no exterior e calotearam o governo. Cada um deles custou US$ 200 mil e viajou com o compromisso de retornar ao Brasil. Não voltaram nem devolveram o dinheiro. Um golpe de US$ 60 milhões.
A cada seis meses o CNPq, a Capes e o Tribunal de Contas chamam a atenção para esses casos, mas o assunto sai da agenda. Trata-se de uma chaga para a comunidade acadêmica brasileira, envolvendo a nata da elite intelectual do país. O grupo de espertalhões não chega a 4% dos beneficiados pelos programas de estímulo à pesquisa e, na maioria dos casos, essas bolsas foram concedidas antes de 1998.
Alguns doutores não retornaram por falta de empregos decentes por cá. Tudo bem. Bastaria ressarcir a Viúva. O CNPq oferece o parcelamento da dívida em até 60 meses, e esse acordo foi aceito por dezenas de ex-bolsistas, menos pelos 300 caloteiros.
Sugestão: o CNPq e a Capes poderiam colocar na internet e lista dos doutores condenados pelo Tribunal de Contas. Mais: abrindo-se um inquérito, a Polícia Federal poderia mandar um ofício à universidade que hospedou cada um deles, comunicando que está atrás do magano.

A DIPLOMACIA DAS CANHONEIRAS DE 1894

Está nas livrarias "Comércio e Canhoneiras Brasil e Estados Unidos na Era dos Impérios (1889-1897)", do professor americano Steven Topik. É uma obra excepcional. Ele conta uma história de interesses comerciais e picaretagens internacionais que começou com uma rebeldia naval na baía de Guanabara e transformou-se no primeiro êxito do imperialismo das canhoneiras americanas sobre as potências europeias.
Durante a Revolta da Armada (1893-1894), a Marinha dos Estados Unidos manteve nas águas do Rio de Janeiro um terço de sua frota, ou cinco sextos de sua força do Atlântico Sul. Os americanos eram neutros a favor do marechal Floriano Peixoto, o primeiro ditador da República. Os europeus e a banca, neutros contra. Prevaleceu o almirante Andrew Benham, que detonou o bloqueio da baía imposto pelos rebeldes e, com quase toda a certeza, convenceu Floriano a convocar eleições. (Suas mensagens continuam codificadas.)
Topik mostra um cenário surpreendente para quem vive conformado com a teoria da estagnação brasileira ao fim do século 19: Pindorama tinha a nona rede ferroviária do mundo, superada só pela Índia entre os subdesenvolvidos e, dentre eles, só perdia para a Argentina como captador de investimentos estrangeiros. Seus papéis tinham uma taxa de risco inferior às de muitas nações europeias.
Floriano sai do livro tão nacionalista quanto se acredita que foi e menos férreo do que fizeram crer seus áulicos. Em vez de receber a ajuda estrangeira "a bala", aceitou a mão americana e gastou milhões de dólares armando uma frota de mercenários. Seu principal agente embolsou (como de hábito) uma boa comissão na compra dos armamentos. O livro de Topik traz de volta um interessante personagem. É o magnata americano Charles Flint, que organizou a armada governista. Ele era sócio da companhia que controlava o jornal "The New York Times" e da empresa que mais tarde viria a se chamar IBM.
Como acontece com as grandes obras sobre a história do Brasil, "Comércio e Canhoneiras" mostra que ela é bela e rica, desde que seja contada direito.
P.S.: Está solto pelo menos um maluco que sustenta a teoria segundo a qual há na história do Brasil personagens que mudam de nome, mas são a mesma pessoa. Por exemplo: Diogo Feijó, Floriano Peixoto e Ernesto Geisel. (Geisel admitiu essa possibilidade. Feijó e Floriano não puderam ser consultados.)

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e alistou-se nas brigadas internacionais de combate ao bolivarianismo. (Ele não sabe o que isso quer dizer, mas também não conhece quem saiba.) O idiota entende que são bolivarianos os presidentes Hugo Chávez, Evo Morales e Rafael Correa. Todos mexeram na Constituição para prorrogar suas permanências no poder, ad referendum de resultados eleitorais.
Ensinaram-lhe que jamais foram bolivarianos os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem, que também mudaram as Constituições de seus países para buscar a reeleição. Por algum motivo, o colombiano Álvaro Uribe, que, pela segunda vez, está fazendo a mesma coisa, também não é bolivariano.
Eremildo é um idiota feliz, mas teme ser internado por conta da última ideia que lhe passou pela cabeça: o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, seria um bolivariano ao defender a mudança da lei da cidade para buscar o direito de disputar o terceiro mandato.

TRAPALHADAS
O governador José Serra, candidato a presidente da República, classificou de "tremenda trapalhada" a ação do Itamaraty no caso do abrigo concedido ao presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya. Como diz o doutor Marco Aurélio Garcia: uma pessoa bateu à porta da embaixada brasileira e a porta se abriu. Serra deixou de lado as "minúcias" e esqueceu-se da mãe de todas as trapalhadas: o golpe hondurenho. Logo ele, que teve sua integridade física ameaçada por dois golpes e garantida pelos institutos do direito de asilo e da imunidade diplomática, no Brasil, em 1964, e no Chile, em 1973.

LULA E CUBA
Nosso Guia fez muito bem ao encarar os golpistas hondurenhos, mas pode fazer mais. Como em 2007 sua Polícia Federal deportou dois boxeadores que tentaram fugir de Cuba, bem que ele poderia dar uma palavrinha ao companheiro Raúl Castro para permitir que a escritora Yoani Sánchez venha ao Brasil para o lançamento de seu livro "De Cuba com carinho". O blog da moça, "Generación Y", é uma das poucas luzes livres da ilha. Cuba vive no regime do sambista Moreira da Silva: "Quem está fora não entra, quem está dentro não sai". (Como diria o comissário Tarso Genro, os dois pugilistas voltaram para Cuba porque quiseram. Pois é. Sem a Polícia Federal a aconselhá-los, voltaram a fugir.)

A CRISE
Uma brasileira viu e conta: "Às 20h do último dia 15 um cidadão estacionou seu carro na calçada da praça em frente ao Hotel Plaza, no coração de Nova York, dobrou uma nota e deslizou-a para a palma da mão de um policial devidamente fardado".

SEGURO DESASTROSO
A seguradora ACE, valendo-se de exigências da burocracia de Superintendência de Seguros Privados, está pegando pesado com algumas famílias de vítimas do desastre da Air France, ocorrido em junho. Enquanto várias seguradoras indenizaram os herdeiros de seus clientes antes mesmo do encerramento das buscas, a ACE não paga o que contratou se os familiares não apresentarem cópias do exame necroscópico (o atestado de óbito não basta, apesar do corpo ter sido identificado). Pior: pede também o Boletim de Ocorrência do desastre e uma cópia completa do inquérito policial.


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