São Paulo, quinta-feira, 04 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Marta perdeu porque não rompeu com práticas malufistas, diz Cardozo

SÍLVIA CORRÊA
DA REPORTAGEM LOCAL

Marta Suplicy (PT) foi derrotada pela visão centralizadora de seu governo, que manteve a tradição de práticas malufistas e frustrou setores da sociedade.
É essa a opinião do deputado federal José Eduardo Martins Cardozo, 45, o vereador mais votado da cidade em 2000, na onda de renovação que elegeu Marta.
Para Cardozo, algum tipo de preconceito contra a prefeita só pôde se disseminar porque encontrou um terreno propício, fertilizado pela insatisfação popular com a falta de diálogo da gestão.
Ele classifica de "inaceitável" vincular a essa rejeição o ex-marido de Marta, Eduardo Suplicy.
 

Folha - Por que Marta perdeu?
José Eduardo Martins Cardozo -
Houve uma visão na campanha, que já existia no governo, caracterizada pela ausência de diálogo interno e com setores da cidade. Isso foi marcante e se traduziu na estratégia de campanha.

Folha - De que forma?
Cardozo -
Ter uma chapa pura e uma coligação proporcional com o PTB, sem espaço para os vereadores falarem, por exemplo, já traz uma concepção de que só importa o Executivo. No Legislativo, se o PT vai perder cadeiras, pouco importa. É uma concepção centralizadora e de falta de diálogo.

Folha - Foi um erro descartar o PMDB e compor no proporcional?
Cardozo -
Os dois foram erro. O correto teria sido pôr um vice que ampliasse o espectro eleitoral, que vencesse as resistências à candidatura da Marta. A coligação com o PTB foi um erro brutal. Perdeu a base, perdeu o partido, perdemos as eleições e perdemos o potencial oposicionista. O governo sempre agiu como se quem não concorda com alguma coisa tenha de ser alijado, tratado como inimigo. Essa postura marcou a campanha e frustrou setores da sociedade.

Folha - Que setores?
Cardozo -
Fomos eleitos para nos contrapormos ao malufismo. Tínhamos de romper com certas práticas. O diálogo e o respeito à pluralidade eram algo que alguns setores pediam, mas frustramos essa expectativa. Eleitos para romper com o malufismo, paradoxalmente, terminamos a campanha com a imagem de Marta e [Paulo] Maluf juntos, como se representassem a mesma coisa.

Folha - Mas o sr. diz que houve métodos semelhantes aos malufistas na condução da máquina.
Cardozo -
Diria que não houve o rompimento com práticas que nós sempre condenamos.

Folha - O sr. fala de centralismo ou de fisiologismo também?
Cardozo -
Acho que... Também. Falo em geral. Não rompemos com a forma tradicional de fazer política, de conseguir maioria na Câmara, de gerir a cidade.

Folha - O sr. diria que a campanha foi centralizadora e autoritária?
Cardozo -
Houve uma forma centralizadora de fazer política, que ignora divergências e disputa a hegemonia no PT. É um excesso de centralismo, uma visão equivocada das aspirações da cidade, que levou a erros estratégicos.

Folha - E à derrota?
Cardozo -
Esse foi o fio condutor.

Folha - Quem é centralizador?
Cardozo -
Não vou nominar. Diria que é um grupo que tem forte presença no governo Marta. Várias vezes manifestei internamente minha insatisfação com isso.

Folha - Por isso que o sr. ficou afastado da campanha?
Cardozo -
Fiquei à disposição da campanha o tempo inteiro, mas as solicitações eram só para acompanharmos a prefeita. Poderíamos ter tido um papel mas ativo. Muitos deputados têm diálogo fácil com a classe média e segmentos que rejeitam Marta.

Folha - Houve preconceito?
Cardozo -
É evidente que houve. O preconceito, no entanto, poderia ter sido derrotado por uma boa estratégia política. O problema é que essa política que marcava o governo, de ausência de diálogo e de discussão, criou o terreno propício para que afirmações como "a Marta é autoritária" se cristalizassem. E isso foi difícil de quebrar, pois nossa linha de governo frustrou a sociedade por não se pautar pelo diálogo. A cidade não queria só administração tocadora de obras. Queria inovações no plano democrático, no rompimento com tradição malufista. E aí nós erramos. Aí nós fomos derrotados. As crises dentro do PT ficaram transparentes.

Folha - O sr. acha que Eduardo Suplicy alavancou esse preconceito?
Cardozo -
As críticas do [Valdemir] Garreta ao Suplicy são inaceitáveis. Ele se desprendeu de questões pessoais e teve um papel de apoio a Marta. Poucas pessoas conseguiriam ter essa grandeza de espírito. O Garreta tem um maquiavelismo intrínseco à sua forma de pensar, vê sombras de mais. E essa é uma delas. Eduardo Suplicy é digno de aplausos.

Folha - O sr. não vê o dedo do senador na fala da Mônica Dallari?
Cardozo -
Vejo nessa visão que o Garreta expressa uma forma de machismo, que tenho certeza que a Marta condena. Pelo fato de ser uma mulher que faz a crítica, ele diz que só pode ter sido teleguiada. Conheço a Mônica, ela tem personalidade e jamais aceitaria ser teleguiada. Essa avaliação tem um ranço machista e preconceituoso, como se a Mônica não pudesse falar por ela, por ser mulher.

Folha - Garreta diz que parte do PT sofre da soberba do poder.
Cardozo -
[Riso] Concordo com o Garreta. Infelizmente a soberba existe em todos os que chegam ao poder. E muitas vezes a soberba leva alguns a não pensarem sobre as críticas e a acharem que são donos da verdade. Esse é o principal efeito da soberba: não dialogar.

Folha - Duda Mendonça errou?
Cardozo -
Culpar um marqueteiro por uma campanha é ignorar que quem dirige é a coordenação.


Texto Anterior: Acusação a Suplicy expõe divisão e abre crise no PT
Próximo Texto: Autoritarismo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.