São Paulo, sexta-feira, 04 de novembro de 2005

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Empréstimo pode ser de fachada

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pelo menos R$ 10 milhões de dinheiro público desviados do Banco do Brasil alimentaram o caixa dois do PT, disse ontem o relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR). Ele divulgou os primeiros documentos obtidos pela comissão com o objetivo de desmontar a versão -sustentada pelo publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza e o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares- de que empréstimos bancários sustentaram os pagamentos a políticos aliados.
A origem do dinheiro desviado, segundo a CPI, são cotas do Banco do Brasil no Fundo de Incentivo da Visanet, numa operação que envolve a participação do ex-diretor de Marketing da estatal Henrique Pizzolato.
Afastado do banco por pedido de aposentadoria, ele foi identificado como beneficiário de saque em dinheiro no valor de R$ 356 mil das contas de Marcos Valério.
"Não há dúvida, há dinheiro público no valerioduto; o dinheiro vem de uma estatal, é dinheiro público colocado nas mãos de um partido", resumiu Serraglio. "É um passo importantíssimo, um preâmbulo do trabalho que está sendo feito para identificar a origem do dinheiro", comemorou o presidente da comissão, senador Delcídio Amaral (PT-MS).
O montante identificado ontem pela CPI como desvio de dinheiro público para o caixa dois do PT é apenas uma fatia dos repasses de R$ 73,8 milhões feitos pelo Banco do Brasil à DNA Propaganda num período de oito meses, já no governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Os pagamentos correspondem à cota do BB no Fundo de Incentivo Visanet, integrado por outros bancos, como o Bradesco, para divulgação da bandeira Visa, usada em cartões de crédito e de débito. Numa operação considerada atípica pela CPI, o BB autorizou em 2003 e 2004 o repasse antecipado à DNA da cota que detinha no fundo, antes mesmo da aprovação de campanhas publicitárias específicas. A DNA, uma das agências das quais Marcos Valério era sócio, foi escolhida sem licitação entre as três agências que dividiam a conta do BB para cuidar da publicidade da Visanet.
O suposto desvio de dinheiro público apontado pela CPI refere-se a um dos quatro pagamentos feitos pela Visanet, por autorização do BB, entre maio de 2003 e junho de 2004 -o maior deles, no valor de R$ 35 milhões.
A comissão rastreou o caminho percorrido pelo dinheiro. Em 12 de março de 2004, R$ 35 milhões da Visanet foram depositados na conta da DNA e, três dias depois, a agência aplicou R$ 34,9 milhões num fundo do Banco do Brasil. Em 22 de abril, a DNA transferiu R$ 10 milhões para o BMG. O favorecido pelo depósito é o próprio banco, segundo documentos obtidos pela CPI.
Apenas quatro dias depois, o BMG emprestou o mesmo valor -R$ 10 milhões- à empresa Rogério Lanza Tolentino & Associadas Ltda, sócio de Marcos Valério Fernandes de Souza. O empréstimo, ainda não pago, é um dos seis listados pelo publicitário mineiro como fonte de recursos do caixa dois do PT.
Estava fechado o circuito, concluiu o relator Osmar Serraglio. "Houve intencionalmente o direcionamento de R$ 10 milhões ao PT, estava claro que esses empréstimos não eram normais", disse.
A CPI dos Correios deve convocar para depoimentos o ex-diretor Henrique Pizzolato e os então gerentes Léo Batista dos Santos e Douglas Macedo, que assinam autorizações de repasse antecipado de dinheiro à DNA. "O Banco do Brasil tem responsabilidade objetiva sobre o desvio e quem mais atuou foi o Pizzolato", afirmou Serraglio.
A CPI desconfia de um outro pagamento antecipado feito pelo BB à DNA em maio de 2003, no valor de R$ 23,3 milhões. A data é bastante próxima à concessão de um empréstimo de R$ 19 milhões feito pelo Banco Rural à SMPB, outra agência da qual Marcos Valério era sócio. O empréstimo também é apontado como fonte de recursos para o caixa dois do PT. "Há uma similaridade, mas o desvio não está confirmado", observou o sub-relator Eduardo Paes (PSDB-RJ).
Para Serraglio, o desvio de recursos públicos detectado pela CPI pode ser parcial, porque as investigações estão em curso.
Segundo documento entregue ontem à CPI, a DNA foi notificada pelo Fundo Visanet de que deixou de prestar contas de mais de R$ 9 milhões. Ou seja, mais de 10% do dinheiro repassado pelo Banco do Brasil não teria sido justificado pela contraprestação de serviços publicitários.
A aplicação do dinheiro repassado à DNA é objeto de uma auditoria interna no Banco do Brasil, iniciada há mais de três meses. Uma parcela maior poderá ter sido desviada pela agência de publicidade, suspeita a CPI dos Correios, por meio de serviços não prestados.
O relator da comissão não se manifestou sobre repasses feitos pelo Banco do Brasil à DNA por conta do Fundo Visanet nos dois últimos anos de mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. A DNA recebeu R$ 12,8 milhões e R$ 4,5 milhões, respectivamente, para divulgar a bandeira Visa.


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