São Paulo, domingo, 04 de novembro de 2007

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MST enfrenta desistências em Ribeirão

Único assentamento sob Lula na capital do agronegócio perdeu 100 pessoas em 4 anos

Muitos sem-terra deixaram o acampamento e foram povoar o bairro ao lado, que é dos que mais concentram recebedores do Bolsa Família

DO ENVIADO A RIBEIRÃO PRETO (SP)

A cidade de Ribeirão Preto (SP) se define como a capital brasileira da agricultura empresarial. O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) se declara inimigo dos fazendeiros. No primeiro governo Lula, houve uma invasão de terra na cidade. Dela surgiu o único acampamento no coração do agronegócio, espremido entre uma fazenda de cana e o Bolsa Família.
João Euleuterio, 73, um dos fundadores do MST nos anos 80 e hoje assentado na "Califórnia brasileira" após oito tentativas anteriores fracassadas, aponta a cerca que separa os sem-terra da fazenda. "Se fosse no passado, a gente já tinha derrubado essa cerca", afirma, desalentado. "O povo perdeu o ânimo, foi massacrado pelos usineiros, não tem mais apoio. Até o Lula mudou de lado..."
A Fazenda da Barra foi invadida por 450 famílias do MST em 2003. Hoje, são 350, mas apenas 30 estão no local desde 2003. A rotatividade é alta.
Muitos pioneiros desanimaram e foram povoar o bairro de Ribeirão Verde, ao lado do assentamento, repleto de ex-integrantes do MST. Alguns fazem bicos, tentam arrumar algum emprego na economia da cidade -que cresce rápido, movida pela cana.
Segundo a prefeitura da cidade, o bairro é um dos líderes municipais em número de beneficiários do Bolsa Família. O programa atingiu 516 residências do município em 2003 e alcançou 11.123 no ano passado.
Em Ribeirão Verde, as pessoas têm medo de falar. Não querem arrumar confusão com o MST. Uma das poucas é a cozinheira Maria da Graça Pereira de Moura, 50. Ela esteve à frente da invasão de 2003 e hoje mora no bairro.
"Eu tinha o sonho de ter terra, não ter de trabalhar para os outros", afirma Maria, que deixou o movimento por não concordar com as regras do acampamento. "Você não pode trabalhar fora, não pode buscar outras coisas. Percebi que a cidade te dá mais oportunidades. O MST diz que o governo vai dar terra, vai dar tudo, mas nada chega."
O Incra tomou posse dos 1.548 hectares de uma das terras mais valorizadas do país neste ano. Não há luz e a água só chega em caminhões da prefeitura de 20 em 20 dias. Se há foco de dengue, tem de jogar o barril fora.
As casas são de lona, as cestas básicas do governo, segundo a direção do acampamento, não chegam todos os meses. Maria da Graça diz que muita gente tenta escapar do aperto por meio do Bolsa Família, mas esconde o fato da direção do MST. Para conseguir, informam o endereço de algum amigo da cidade, de um parente.
O bairro ao lado cresce rápido. Já há asfalto nas ruas, bares, lojas e supermercado. Na divisa entre o acampamento e a usina, uma caminhonete passa várias vezes ao dia e vigia os sem-terra. Dois militantes do MST fazem de conta que não é com eles.
João Jurandi da Silva, 54, uma das poucas pessoas que estão na fazenda desde 2003, resume a diferença entre o governo Fernando Henrique Cardoso e o governo Lula. "O tucano crivava um monte de dificuldade, fez medida provisória para criminalizar o movimento. O Lula conseguiu com esse Bolsa Família o que o Fernando Henrique tentou, tentou e não conseguiu, que é deixar as pessoas fora das ocupações."


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