São Paulo, quarta-feira, 04 de dezembro de 2002

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1ª VIAGEM

No palco da derrocada de Allende, no Chile, petista diz que "agravamento das desigualdades é convite a soluções de força"

Desigualdade ameaça democracia, diz Lula

Sérgio Lima/Folha Imagem
Luiz Inácio Lula da Silva é saudado por batalhão militar ao chegar a Santiago, capital chilena


PLÍNIO FRAGA
ENVIADO ESPECIAL AO CHILE

No emblemático Palácio La Moneda, palco da derrocada do governo Salvador Allende em 1973, quando o Chile tornou-se uma ditadura que durou 16 anos, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, apontou as desigualdades sociais brasileiras como fator de risco para as instituições políticas nacionais. "Não há democracia política que resista a tão dramáticas diferenças sociais. O agravamento das desigualdades é um convite às soluções de força."
Ele disse que milhões de brasileiros estão "excluídos da produção, do consumo e de condições básicas de bem-estar inerentes à dignidade humana".
Lula afirmou que o país precisa reduzir sua vulnerabilidade externa, por meio de reformas institucionais e mudanças na política econômica. "Não haverá pleno exercício de soberania popular, se não tivermos a capacidade de controlar as principais decisões econômicas. Isso não deve ser confundido com um voluntarismo ingênuo, que desconhece a existência de constrangimentos internacionais e a interdependência que caracteriza o mundo."
Lula foi recebido pelo presidente do Chile, o socialista Ricardo Lagos, no salão da Independência do La Moneda, após ter sido saudado por dois batalhões militares, com honras destinadas a chefes de Estado. Lagos chamou o petista de "velho amigo que veio do Brasil profundo" durante sua saudação de boas-vindas.
Lula lembrou que tanto ele como Lagos se formaram na esquerda, mas tiveram de fazer uma coalizão de forças mais amplas que seus partidos para chegarem à Presidência. "Forjamos uma aliança liderada pela esquerda que foi capaz de reunir diversos setores políticos e ideológicos."

"Liderança"
Lagos, em pronunciamento aos jornalistas, por duas vezes referiu-se "à liderança de Lula" na América Latina e disse que, com ela, o continente "caminhará melhor".
O presidente chileno fez ainda um apelo à comunidade internacional, em defesa do Brasil. "Hoje em dia a palavra-chave para o Brasil é confiança. E o mundo tem a responsabilidade de confiar no Brasil, porque o país demonstrou ser merecedor dela por uma transição exemplar", disse Lagos.
Lula chegou a Santiago às 10h40, procedente da Argentina e a bordo do Legacy, jato de fabricação da Embraer. Fez um pronunciamento no La Moneda, mas, assim como ocorreu em Buenos Aires, recusou-se a responder perguntas dos jornalistas.
Questionado pela Folha, o secretário-geral do PT, Luiz Dulci, tentou explicar as razões de Lula mencionar que a crise é um convite a "soluções de força". "Foi uma reflexão conceitual de filosofia política sobre democracia e desigualdade", declarou Dulci.
Em seu discurso, Lula lembrou o período autoritário vivido pelos dois países. O petista definiu a época como "período sombrio" e chamou de "grande presidente" a Salvador Allende -presidente socialista eleito, que foi derrubado e morto em golpe comandado pelo general Augusto Pinochet, em 11 de setembro de 1973.

Agradecimento
Lula expressou seu "agradecimento histórico" ao fato de o Chile ter recebido exilados brasileiros durante o regime militar no país. "Milhares de brasileiros, muitos dos quais são hoje militantes e dirigentes do meu partido, puderam compreender perfeitamente o verso do Hino Nacional que apresenta o Chile como "asilo contra a opressão'", declarou.
Lula leu seu discurso no La Moneda em português, sem tradução simultânea. O texto, produzido em conjunto pela cúpula petista ainda no Brasil, reproduziu com pequenas alterações um parágrafo inteiro do discurso realizado anteontem em Buenos Aires.
De 43 palavras do parágrafo lido na Argentina, 27 se repetiram no Chile, quando o presidente eleito afirmava que o Brasil não pode continuar a ser uma das maiores economias do mundo, tendo milhões de excluídos.
Lula deixa hoje pela manhã Santiago e chega a São Paulo no começo da tarde. Amanhã, em Brasília, deve começar a anunciar oficialmente nomes que integrarão seu ministério.

Crise política
Lula chegou ao Chile em meio a uma crise política que pode lhe servir de exemplo e alerta. O presidente Lagos, de origem socialista, montou ampla coalizão com partidos de esquerda e centro, o que viabilizou sua eleição, mas há um mês e meio sua base de apoio não se entende, paralisando as principais pautas no Congresso.
Os líderes dos três partidos que formam os pilares da chamada "Concertación", a coalizão de Lagos, nem sequer se reúnem desde que, há 40 dias, estourou o chamado "Caso Coimas", investigação do envolvimento de cinco parlamentares na revisão irregular de concessões públicas. Os líderes dos partidos esperam Lula partir para tentar a "recomposição", segundo o socialista Camilo Escalona, da base governista.
No final da tarde, Lula visitou a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina), que foi uma das formuladoras do pensamento econômico nacional-desenvolvimentista nos anos 50, 60 e 70.


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