São Paulo, quarta-feira, 04 de dezembro de 2002

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País pode rever concessões, diz Cepal

CLAUDIA ANTUNES
ENVIADA ESPECIAL AO CHILE

O Brasil e outros países da América Latina podem aproveitar precedentes jurídicos dos EUA e da Inglaterra para adaptar os contratos de concessão de serviços públicos às novas realidades de suas economias, restabelecendo o equilíbrio entre o interesse das empresas e o interesse social.
A opinião foi exposta pelo assessor da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) para a legislação de água e serviços públicos, o economista Miguel Solanes, quando questionado sobre a intenção do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, de rever o cálculo de reajustes das tarifas de energia elétrica.
Para Solanes, esse tipo de revisão "não necessariamente quebra contratos, desde que sejam levados em conta antecedentes de direito comparado e interno".
"Nos EUA, se aceitou regulamentação posterior [à assinatura de contratos", revisão de contratos. Ficou estabelecido que as empresas não têm direito a um lucro fixo, mas a um lucro razoável. Em épocas de depressão da economia, se aceitou inclusive que as tarifas têm de baixar, porque uma economia que não cresce não pode pagar tarifas em alta", disse.
Como exemplos da situação, ele citou a Grande Depressão americana, nos anos 30.
De acordo com o economista, os países da América Latina, que nos anos 90 iniciaram o processo de privatização dos serviços públicos, "não tiveram acesso à melhor informação possível" sobre a regulamentação desses serviços.
Por isso, disse, na maioria dos casos, a legislação é pouco transparente e "enfatiza a segurança unilateral e contratual dos investimentos privados, mesmo que as condições mudem".
Solanes citou o caso da Argentina, onde as concessionárias exigiram grandes aumentos de tarifas depois da desvalorização do peso. "Enquanto a atividade econômica decai e a população sofre, as empresas de serviços reivindicam aumento pleno e atualizado."
O problema, reconheceu o economista, é que nem sempre a discussão sobre revisão ou regulamentação posterior de contratos é jurídica. "Muitas vezes, é política. Se um país está dependendo de créditos externos, a menos que as tarifas subam os empréstimos não vão chegar, e o governo acaba flexibilizando suas posições".
Para Solanes, é preciso haver mudança de posição de organismos de financiamento, como o Banco Mundial e o FMI (Fundo Monetário Internacional). "Numa economia global não pode haver membros que não estejam recebendo serviços adequados. Esses organismos não são meramente contábeis ou financeiros, mas têm papel importante na governabilidade e estabilidade."
Ele salientou também que é importante que o FMI deixe de aplicar limites de endividamento a empresas ligadas a atividades essenciais. Hoje, os acordos do Fundo com o Brasil contabilizam os investimentos das empresas de serviços como dívida. Mudanças na metodologia já foram defendidas publicamente pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Solanes é um dos participantes de um seminário sobre recursos hídricos promovido na sede da Cepal, em Santiago, pela Comissão e pelo Banco Mundial.

Encontro
O secretário-geral da Cepal, José Antonio Ocampo, defendeu ontem, ao se reunir com Luiz Inácio Lula da Silva, que os países latino-americanos apresentem proposta conjunta para a criação de um mecanismo de moratória negociada, ao qual possam recorrer países em crise de insolvência.
Na segunda-feira, Ocampo já havia defendido a proposta, que vem sendo discutida há um ano, por iniciativa dos Estados Unidos. Mas afirmou que, diferentemente do que defende o governo americano, o mecanismo não deveria substituir os pacotes de ajuda do FMI, mas complementá-los.
A Cepal foi a principal escola de pensamento econômico na América Latina até o início dos anos 80. Com o fracasso social das políticas de abertura comercial e financeira dos anos 90, a Cepal volta a ganhar importância.
Na sede da Cepal -um edifício modernista, projetado por Emilio Duhart, discípulo de Le Corbusier, inaugurado na década de 60, trabalharam brasileiros como FHC, em seu exílio no Chile, e Celso Furtado -cujo nome batizará, segundo anunciou ontem Ocampo, a sala em que o secretário-geral se reuniu com Lula.


A jornalista CLAUDIA ANTUNES viajou a Santiago a convite da Cepal e do Banco Mundial


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