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JANIO DE FREITAS
A mentira
Se o próprio presidente da
República diz de público, e repete para não haver suposição de
mais um lapso, ser um "dado concreto" que "José Dirceu foi cassado antes de terem provado alguma coisa contra ele", está feita à
Câmara uma acusação que excede o Congresso e nega o próprio
Estado de Direito, a democracia
constitucional. E estende a acusação de injustiça a todos os que
não se mobilizaram para evitar a
cassação.
Mas José Dirceu foi cassado
duas vezes. E sua primeira decapitação foi executada, com a mesma quantidade ou ausência de
"dado concreto", por Lula mesmo, ao excluí-lo sumariamente
de toda participação no governo
de que foi o estrategista, tanto para a chegada ao poder como para
exercê-lo. "Nunca tive mais poder
do que o presidente Lula, tanto é
que ele me demitiu", reiterou Dirceu, na entrevista pós-cassação (a
primeira confirmação de que não
se demitiu, foi demitido, deu-se
em interrogatório na Câmara).
Para explicar o ato do Lula crítico
da cassação, teria bastado o "dado concreto" do "sai daí Dirceu"
de Roberto Jefferson?
Como complemento, os aliados
de José Dirceu, na política e no
jornalismo, oferecem uma explicação principal para a cassação:
"Os deputados ouviram a voz das
ruas"; os deputados votaram, em
sua "maioria, temendo a Lei de
Darwin na política: quem não o
cassasse poderia ser cassado pelo
povo na eleição". Se deputados
são "representantes do povo",
não fizeram mais do que sua
obrigação, caso tenham mesmo
seguido a voz pública. E não é
verdadeiro que apenas temessem
ser cassados em represália das urnas, porque, para evitar vinditas,
o voto em processos de cassação
não chega ao eleitorado, é secreto.
O argumento do voto submisso ao
eleitorado adota, portanto, a Lei
Pelé na política: o povo é o
culpado.
José Dirceu baseou sua defesa
na idéia, inverdadeira, de que foi
"transformado em chefe do mensalão, em bandido, no maior corrupto do país", como repetiu em
seu discurso final. Não há, de fato,
"dado concreto" que o envolva
em corrupção pessoal. O seu comportamento questionado é o da
sua prática política, a partir de
uma situação de poder
institucional.
Assim como se deu no PT e na
campanha presidencial de Lula,
José Dirceu foi, por nomeação e
incontrastadamente, o coordenador político do governo. Ou seja,
delineador, chefe da execução e
ele próprio executor maior da
ação política do governo. Ação
cuja meta principal era arregimentar no Congresso uma base
governista eficaz em número e fiel
à orientação do Executivo.
É evidente que as ações para isso, fossem por intermédio dos métodos de Delúbio Soares ou da
presença diária de José Genoino
na Câmara, não poderiam ser de
iniciativa isolada desses dois, em
seus respectivos setores. As ações
de coordenação de política estavam submetidas a uma estratégia, ou não seria coordenação. E a
estratégia e sua aplicação estavam, com toda a evidência oficial
e pública, entregues ao estrategista do grupo. Delúbio Soares não
estava, portanto, endinheirando
deputados para se incorporarem
ao PT, mas por integrarem ou para virem a integrar a base orientada pela coordenação política do
governo. Ou, o que dá no mesmo,
pelo coordenador.
A vida e o direito reconhecem
que não só os executores diretos e
secundários comprometem-se
com responsabilidades mas também os seus comandantes militares, diretores empresariais, governantes em relação a seus ministros ou secretários, e incontáveis
outras situações. Entre elas, a de
ministro-coordenador da ação
política.
É verdade que jornais, TV e rádios contribuíram decisivamente
para tudo o que acometeu ao governo e ao PT a partir da extravasão torrencial de Roberto Jefferson. Não é difícil estimar a dimensão do efeito mídia. Basta
lembrar o que foi notória a aliança da imprensa com Fernando
Henrique e seu governo, exposta
acima de tudo na contenção de
toda a mídia para evitar que chegassem a CPIs, e outros efeitos, os
casos que se tornaram escândalos. Vários deles, como Sivam, a
interferência gravada de Fernando Henrique na manipulação de
privatizações, e vários outros, tinham potencial bastante para levar até ao impeachment. Para
qualificar o tratamento dado a
José Dirceu, não se precisa mais
do que citar o dado a Sérgio Motta e à
compra de votos pró-reeleição,
provada pelo repórter Fernando
Rodrigues.
Há razões para muitas das
queixas do governo e do PT. Mas
é falsa e, sobretudo, é injuriosa,
difamatória e caluniosa a afirmação de que José Dirceu foi cassado
sem culpa alguma. É afirmação
que não se pode aceitar.
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