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PERSONALIDADE
Paulo Francis estava escrevendo romance sobre Getúlio Vargas
Jornalista ditava o gosto e
era movido a polêmicas
da Reportagem Local
Paulo Francis nasceu Franz Paulo Trannin da Matta Heilborn a 3
de setembro de 1930 no Rio. O apelido e o personagem que se tornariam um dos mais influentes polemistas das últimas três décadas
apareceram no início dos anos 50,
quando era ator na companhia
Teatro do Estudante.
Descendente de alemães e franceses, Francis nasceu em família
abastada. Frequentou colégios de
elite, como o Santo Inácio, de jesuítas. Só foi trabalhar aos 27 anos.
Dizia que a ferocidade que seria a
marca registrada de seus textos
nasceu na infância. ``Aos 7 anos
fui arrancado dos braços da minha
mãe e atirado às feras de um internato na ilha de Paquetá. Atribuo
todo meu sarcasmo e agressividade a essa brutal separação'', contou ao jornalista José Castello.
Até entrar para a companhia de
teatro de Paschoal Carlos Magno,
que o batizou de Paulo Francis, vivia na zona sul carioca bebendo,
farreando e lendo.
Levou um susto ao conhecer a
miséria brasileira, na figura do flagelado nordestino, quando excursionava com o grupo no Ceará.
``Voltei para o Rio de Janeiro certo
de que era preciso fazer uma revolução social'', disse.
Nascia aí o colunista de esquerda, trotskista, adepto da idéia de
que não é possível fazer a revolução socialista num só país. Leonel
Brizola era seu ídolo. Francis renegaria a esquerda nos anos 80, mas
manteve a admiração por Brizola.
``Eu acredito na grandeza das amizades'', disse, sobre o político.
O crítico
Há 40 anos -no dia 2 de fevereiro de 1957- Francis começou a
exercitar o seu estilo.
Foi nesse dia que estreou como
crítico de teatro na ``Revista da Semana'', com um texto que comparava Cacilda Becker a Fernanda
Montenegro e tomava o partido de
Cacilda.
Até 1963, escreveria críticas para
o ``Diário de Notícias'' e ``Última
Hora''. Segundo George Moura
-autor do livro ``Paulo Francis, o
Soldado Fanfarrão'', sobre as críticas teatrais de Francis-, ele foi
``um divisor de águas''. ``Antes
dele, crítica era uma ação entre
amigos'', avalia.
Francis praticava uma crítica militante. Defendia a dramaturgia
brasileira (Nelson Rodrigues e
Dias Gomes) contra autores estrangeiros.
Não passou por nenhuma faculdade, mas fez mestrado com o crítico Eric Bentley na Universidade
de Columbia, em Nova York.
O demolidor
O colunista iconoclasta que fala
de tudo e de todos surgiria entre
1962 e 1964, no jornal ``Última
Hora''.
Foi na década de 60 que se tornaria um jornalista de projeção. Editou a revista ``Senhor'', o caderno
de cultura e variedades do ``Correio da Manhã'' (o jornal de mais
prestígio à época) e em 1969 seria
um dos fundadores do ``Pasquim'', tentativa de fugir à censura
imposta pelo regime militar.
Entre 1969 e 1970, foi preso quatro vezes por causa do que escrevia. Ao todo, ficou oito meses encarcerado. Dizia que a prisão não o
mudou em quase nada.
O personagem
A grande mudança aconteceria
com a sua transferência para os Estados Unidos, em 1970, onde sobrevivia com uma bolsa da Fundação Ford e dos textos que enviava a
jornais brasileiros.
A partir de 1975, quando passou
a escrever na Folha, Francis se tornaria um dos principais personagens do jornalismo. Começou escrevendo sobre política internacional, a convite de Cláudio Abramo, diretor de Redação à época, e
virou um fazedor de cabeças.
Sua opinião influenciava e provocava universitários e a classe
média entusiasmada com a abertura política. Se Francis demolia
um filme, essa opinião era repetida
à exaustão. Se elogiava, também.
A idéia de que o polemista era
um personagem teatral é do próprio Francis: ``Há em mim um resíduo de saltimbanco. Gosto de
uma platéia, quero mantê-la cativa, afinal vivo disso há 40 anos.''
O texto predileto desse personagem era a polêmica. Até 1990,
quando deixou a Folha, polemizou com diretores de teatro, políticos, cantores e jornalistas. A partir
de dezembro de 1990, sua coluna
passou a ser publicada em ``O Estado de S. Paulo'' e, desde junho de
1992, em ``O Globo''.
O duplo
Foi na década de 80 que o colunista de esquerda começou a dar
lugar ao pregador neoliberal. Os
elogios a Trótski e às suas análises
da Revolução Russa foram substituídos por louvores ao mercado.
Troca Isaac Deutscher, biógrafo de
Trótski, por Roberto Campos, a
quem ironizava nos anos 60.
``Eu era crítico de esquerda e hoje sou contra a esquerda porque
ela representa a ortodoxia cultural'', afirmou.
Nessa aversão pela ortodoxia,
Francis preferiu retratar a elite aos
miseráveis em seus dois romances:
``Cabeça de Papel'' (1977) e ``Cabeça de Negro'' (1979). Abominava qualquer tentativa de romantizar a pobreza.
Deixou ao menos dois livros inéditos: escrevia uma biografia romanceada de Getúlio Vargas, já
batizada de ``O Homem que Inventou o Brasil'', e tinha concluído
em 1990 um romance sobre a revolta dos estudantes franceses em
1968. Dizia não ter intenções de
publicar o romance.
``Escrever para mim é muito fácil. Mas não quero escrever um livro banal'', afirmava.
Essa tensão entre o escritor e o
jornalista, entre o ensaísta que ele
gostaria de ter sido e o comentarista ligeiro da Rede Globo, onde estreou em 1979, incomodava Francis nos últimos anos.
Achava que sua herança teria
pouca densidade cultural.
Até o rótulo de conservador,
com o qual se divertiu muito, incomodava-o nos últimos meses.
``Eu permaneço, antes de tudo,
um humanista. As esquerdas inventaram um Paulo Francis que
não sou eu'', disse em entrevista
em agosto do ano passado.
Outra chateação da qual Francis
reclamava era o processo que a Petrobrás movia contra ele na Justiça
dos Estados Unidos por calúnia,
injúria e difamação.
Achava que a Petrobrás queria
calá-lo pela via econômica -reivindicando uma alta indenização.
Casado com a jornalista Sônia
Nolasco, Francis vivia cercado por
livros, jornais e vídeo-lasers em
seu apartamento de Nova York.
Adorava gatos.
Não tinha filhos. Repetia como
justificativa a frase de Machado de
Assis que encerra o livro ``Memórias Póstumas de Brás Cubas'' :
``Não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria''.
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