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MINISTÉRIO PÚBLICO
Procurador-geral, que deixa o cargo na quarta, afirma que instituição entra em "caminho sem volta"
Procuradores estão em paz, diz Marrey
"Custou muita
luta para que
a Constituição
não seja um
monumento à
hipocrisia"
"Acho que essa marca de um
Ministério
Público mais ativo é bastante perceptível"
LYDIA MEDEIROS
da Reportagem Local
Na Quarta-Feira de Cinzas, o
procurador-geral de Justiça de
São Paulo, Luiz Antonio Marrey,
deixa o cargo que ocupou nos últimos quatro anos certo de que
contribuiu para pacificar o Ministério Público. Acredita que a instituição amadureceu e hoje os candidatos a sua vaga vivem tranquilo debate eleitoral, sem traço do
confronto do passado.
Aos 44 anos, 20 de carreira,
Marrey afirma que o Ministério
Público nunca foi tão atuante e independente. Diz manter relações
profissionais com o governo Mário Covas, que o nomeou duas vezes para a função. "Não fechamos
os olhos, não tapamos os ouvidos", afirma.
O procurador não poupa críticas à Lei da Mordaça (que proíbe
que autoridades divulguem informações sobre processos em andamento que violem o sigilo legal, a
imagem e a honra das pessoas),
segundo ele uma retaliação de
parte da elite brasileira interessada em enfraquecer o Ministério
Público. "Pessoas que estavam
acima do bem e do mal foram levadas aos tribunais".
Ao sucessor, Marrey não dá
conselhos. Limita-se a dizer que a
função não é a de um líder sindical, mas de um representante da
sociedade paulista.
Folha - Candidatos à sua vaga
afirmam que o Ministério Público vive momentos de agrura
com a questão salarial. É verdade?
Luiz Antonio Marrey - Eu acho
que essa palavra "agrura" é muito
forte. Acho que o Ministério Público vive momentos de preocupação com a questão salarial. Seus
membros são integrantes da classe média, estão há cinco anos sem
reajuste e a cidade de São Paulo é
a mais cara do Brasil. Claro que isso reflete no cotidiano das pessoas. Sobe o preço da escola dos
filhos, sobe o preço do seguro-saúde e o preço de todos os custos
da classe média. E os promotores
não são diferentes.
Folha - Os salários do Ministério Público são baixos?
Marrey - Eu considero que nas
faixas iniciais da carreira eles estão apertados. O promotor substituto ganha salário bruto de
aproximadamente R$ 3.600, um
líquido de aproximadamente R$
2.600. Não é compatível a comparação com o profissional que seja
júnior numa empresa porque, na
verdade, o promotor substituto
exerce plenamente as atividades
de um promotor titular. E é fato
que o promotor e o juiz substituto
no Estado de São Paulo têm um
vencimento que é o penúltimo do
Brasil.
Folha - Só ganha do Piauí?
Marrey - Exatamente.
Folha - Por quê?
Marrey - Não sei. Os vencimentos estão fixados há muito tempo,
não se teve clima até hoje para
discutir o assunto. Nos degraus
iniciais da carreira os vencimentos oscilam de muito apertados a
medianamente apertados. Não
desconheço que a sociedade brasileira passa por uma crise de emprego e salário, mas é natural que,
dentro de uma certa razoabilidade, esse tema seja debatido.
Folha - Qual é o seu salário?
Marrey - O bruto é de R$ 11,5
mil e o líquido de R$ 8.000.
Folha - Já está no teto salarial
então. O que achou do novo valor fixado?
Marrey - Vai provocar uma discussão sobre a redutibilidade ou
irredutibilidade dos vencimentos
daqueles que estão há mais tempo
no serviço público. Não acho que
um profissional com 35 anos de
profissão que ganhe líquido R$
7.000 ou R$ 8.000 receba um salário ruim. Não é. Não é também
um escândalo, um marajá.
Folha - O Ministério Público
vai ocupar um novo prédio, reformado por R$ 10 milhões. Era
necessária a mudança? Não havia outras prioridades?
Marrey - Era absolutamente necessária. Estamos no limite do
nosso espaço. A mudança, a médio prazo, trará economia, na medida em que vamos deixar de pagar aluguéis de mais de R$ 100
mil. Não temos gabinetes suficientes ainda para todos os procuradores de Justiça, isso vai ser
suprido com o novo prédio. Esse
prédio que ocupamos será devolvido ao Estado.
Folha - E os órgãos que ocupavam o prédio novo (Secretaria
de Viação e Obras e Departamento de Águas e Esgotos)?
Vão pagar aluguel?
Marrey - Isso é um problema do
Executivo. Aquele prédio estava
notoriamente subocupado e estava destruído por dentro. Me surpreende como havia condições de
trabalhar lá. O aspecto era horroroso, carpete velho, mofado, sem
escada de incêndio, inseguro. A
reforma foi quase a reconstrução
de um prédio de 30 mil metros
quadrados.
Folha - Eleições anteriores, inclusive quando o senhor foi escolhido, foram mais politizadas.
Agora o Ministério Público parece voltar-se mais para assuntos
internos, como remuneração e
equipamentos. O que mudou?
Marrey - São vários os temas da
campanha. Há preocupações
com a melhoria de condições de
trabalho. Avançamos, por exemplo, em informatização, mas não
o suficiente. Mas é óbvio que as
preocupações não são só salário e
aparelhamento. Discute-se também modelos de atuação do Ministério Público.
Folha - O Ministério Público é
uma instituição pacificada, depois de anos de confronto?
Marrey - O pluralismo continua
a existir. Creio que a instituição
está pacificada no sentido de ter
amadurecido a possibilidade de
fazer um processo eleitoral dentro
de termos elevados, com convergências e divergências. E creio
que eu contribuí bastante para esse processo de pacificação.
Folha - Os candidatos a seu
cargo percorreram o Estado,
distribuíram material de campanha. O processo não é caro? O financiamento é apenas interno?
Marrey - É só interno. Evidente
que percorrer o Estado gera despesas, mas há a colaboração de todos. Os candidatos vão no carro
de colegas, revezam, um paga a
gasolina. Há coleta de contribuições entre os colegas.
Folha - Há prestação de contas? O processo é institucional?
Marrey - Não, é particular. Cada
um faz a contribuição do jeito que
pode, mas é uma coisa necessária,
porque na medida em que o colégio eleitoral é composto de todos
os membros do Ministério Público, é necessário que os candidatos
levem sua palavra pessoalmente
ao Estado inteiro. Fiz isso e vejo
como é importante.
Folha - O Ministério Público
hoje é atuante. Há prefeitos,
parlamentares e administradores públicos processados, punidos. A que atribui essa maior visibilidade da instituição?
Marrey - É um processo de interação entre as expectativas e demandas da sociedade brasileira e
o processo de vontade política da
própria instituição. Há mais de
dez anos a instituição recebeu essa configuração da Constituição e
custou muita luta entre os membros do Ministério Público para
tornar isso real, para que aquilo
não seja somente um monumento à hipocrisia.
Folha - A Lei da Mordaça afeta
a atuação do Ministério Público?
Marrey - Eu acho que é um prejuízo ao interesse público e à causa republicana no Brasil. A Lei da
Mordaça vai impedir que o Ministério Público se comunique
com seu constituinte, que é a população. Só posso ver interesse na
Lei da Mordaça em parcelas das
elites brasileiras que sempre foram impunes, que sempre sonharam com um sistema de Justiça
criminal que puna as classes populares. Pela primeira vez, nos
500 anos de história do Brasil, estão sendo incomodadas.
Folha - É uma retaliação?
Marrey - É uma retaliação, sim,
e existem outros projetos em andamento querendo cortar atribuições do Ministério Público. Isso vem no bojo de uma campanha que merece nosso repúdio.
Não são os membros do Ministério Público que serão prejudicados com a aprovação desses dispositivos. Será a população. O artigo 5º da Constituição diz que a
publicidade é a regra geral dos
atos oficiais. O sigilo é a absoluta
exceção e é condicionado ao efetivo interesse social.
Folha - Há abusos cometidos?
Marrey - Abusos sempre poderão existir em qualquer atividade
humana, mas são mínimos comparados à atividade geral. E há
mecanismos hoje aptos à coibição
dos abusos. Há a Corregedoria
Geral do Ministério Público e
posso dizer que a instituição paulista tem tido uma posição muito
firme em punir promotores faltosos que, felizmente, são poucos.
Folha - Onde o Ministério Público ainda age timidamente?
Marrey - A palavra tímida não é
adequada. Precisamos evoluir de
maneira geral. Temos que aprofundar nossa organização para
combater o crime organizado,
não obstante tenhamos iniciativas importantes nessa área. De
maneira geral, avançamos em
praticamente todas as áreas. Mas
a demanda da sociedade é muito
grande. É necessário que o Ministério Público deixe de funcionar
em alguns casos em que não haja
interesse público, para, sem ter
que agigantar demais seus cargos,
dar conta dessas atribuições.
Folha - O Ministério Público
teve presença forte no caso da
Máfia dos Fiscais. Parlamentares punidos querem reeleger-se.
Isso não dá à população a sensação da impunidade?
Marrey - Não me cabe fazer comentário de natureza político-partidária. Mas é óbvio que quando há pessoas envolvidas, às vezes
condenadas, cassadas por práticas de corrupção, seu retorno sem
maiores problemas à vida pública
pode passar, sim, essa sensação. O
Ministério Público paulista elegeu
nos últimos quatro anos absoluta
prioridade ao combate à corrupção e assim tem feito. Não houve
momento da nossa história em
que tantas autoridades foram
processadas. Inúmeras pessoas
que estavam acima do bem e do
mal foram levadas aos tribunais,
com condenações.
Folha - O senhor acha que
cumpriu as metas que havia
proposto?
Marrey - A meta era fazer um
Ministério Público profissional,
independente, apartidário e aberto à sociedade. Nesses quatro
anos, o Ministério Público paulista teve uma marca, a marca da
não-omissão. Não fechamos os
olhos, não tapamos os ouvidos.
Estivemos presentes em todos os
dramas da sociedade paulista.
Com sucessos e com insucessos.
Acho que essa marca de um Ministério Público mais ativo é bastante perceptível.
Folha - O senhor é próximo de
pessoas do governo, como o secretário da Segurança, Marco
Vinicio Petrelluzzi. Inclusive se
declarou impedido de atuar em
um processo que o envolvia. Isso compromete a atuação do
Ministério Público?
Marrey - Não sou próximo de
pessoas do governo. O secretário
é meu amigo pessoal e em relação
a ele, especificamente, quando
houve uma representação, eu deixei de atuar, como manda a ética
processual. Quanto ao resto, minha relação é profissional.
Folha - Quando o senhor assumiu o cargo, em 1996, seus adversários diziam que como não
foi o mais votado (ficou em segundo lugar) e mesmo assim o
escolhido, ficaria devendo um
favor ao governador. O senhor
sentiu isso ou em algum momento foi cobrado por isso?
Marrey - Absolutamente não.
Nunca recebi qualquer tipo de cobrança ou pressão. O governador
se portou como um homem de
bem e o Ministério Público esteve
extremamente ativo em muitos
casos em relação ao governo.
Houve um secretário de Estado
em pleno exercício do cargo processado criminalmente por mim.
Certamente não houve na história
do Ministério Público um período em que se agiu com tanta independência e liberdade.
Folha - O senhor sofre pressões?
Marrey - Você recebe ponderações, visitas, pleitos dos mais variados. Nunca houve alguém com
coragem suficiente para vir me
pressionar. Aliás, porque não
adiantaria. Recebi até mesmo a
visita de um ministro da Justiça
(Nelson Jobim), que veio ao gabinete para dizer que o governo federal estava preocupado com a
questão do movimento dos sem-terra. E ouviu que o Ministério
Público já conhecia a lei.
Folha - É um cargo espinhoso?
Marrey - É bastante espinhoso,
tem muita responsabilidade.
Quando alguém vem exercer esse
cargo, tem que ter noção de que
não se trata de um líder sindical, e
sim de um cargo que pertence a
toda a sociedade.
Folha - O senhor teve insônias?
Marrey - Muitas vezes. Mas hoje, felizmente, com o advento da
Internet, às 4h da manhã eu tenho
o que fazer, ler os jornais com antecedência.
Folha - Qual o momento mais
difícil?
Marrey - Foi o desprazer, o repúdio, a revolta que me causou a
descoberta da violação do sigilo
do concurso do Ministério Público. Uma instituição destinada a
zelar pelos deveres de honestidade e probidade não pode tolerar
nos seus quadros a quebra desses
deveres. A instituição está dando
uma resposta exemplar. Há duas
pessoas processadas criminalmente e já há a propositura de
ação de perda de cargo em relação
a esses procuradores. Uma instituição que tem por obrigação fiscalizar o ato dos outros, apontar o
erro dos outros, não pode perder
sua autoridade moral. E não perderá sua autoridade moral reagindo com a máxima dureza a infrações praticadas por membros
seus.
Folha - Logo agora no final...
Marrey - Isso significa que aqui
talvez tenhamos que andar à beira
do precipício todos os dias e ter o
suficiente equilíbrio para não cair
nele.
Folha - Que conselho dá a seu
sucessor?
Marrey - Todos os candidatos
são experientes. Acho que o Ministério Público de São Paulo, pela sua vocação, adotou um caminho sem volta, de ser fiel servidor
da sociedade paulista. Um caminho de abertura, de diálogo com a
sociedade. Um caminho que repele o corporativismo e tem que
deixar claro sua opção cidadã. Só
terá sucesso nesse cargo quem se
dispuser a manter essa opção. O
Ministério Público jamais poderá
voltar a se fechar em si mesmo, jamais poderá deixar de defender
com clareza os direitos humanos,
jamais poderá deixar de ter vigor
no combate à corrupção e à violência.
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