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ENTREVISTA DA 2ª/ACHIM STEINER
Dirigente do braço ambiental da ONU diz que a posição brasileira no exterior
tem um certo grau de ceticismo, fruto da desilusão originária da Eco-92, no Rio
Brasil é pouco pró-ativo, afirma chefe do Pnuma
DE HOJE ATÉ QUARTA-FEIRA , o diretor-executivo do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), Achim Steiner, em visita ao Brasil, tentará convencer governo e empresários brasileiros de
que é possível articular aceleração do crescimento
com questões ambientais. É a primeira vez que Steiner visita o país onde ele nasceu, e viveu durante dez
anos, como chefe do Pnuma.
Fernando Donasci/Folha Imagem
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Queimada no norte do Mato-Grosso, na região de Nova Ubiratã, onde foram registrados os maiores desmatamentos em 2005 |
ANA FLOR
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A visita ocorre uma semana
depois da divulgação de oito
pesquisas encomendadas pelo
MMA (Ministério do Meio Ambiente) que avaliam o impacto
"sombrio" do aquecimento global no país.
Ao presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, Steiner pedirá para que o Brasil deixe de lado sua
posição cética e defensiva nas
negociações ambientais internacionais, postura que tem sido
criticada dentro e fora do país.
Em entrevista à Folha, o
chefe do Pnuma defendeu ainda que a Amazônia"em pé" pode ser um bem econômico muito maior do que derrubada para a agricultura.
FOLHA - Por que o sr. decidiu incluir
o setor privado na sua agenda de encontros no Brasil?
ACHIM STEINER - Dentro do setor
privado brasileiro existe um
número grande de companhias
que estão sendo pró-ativas no
tema da sustentabilidade. A
Bovespa criou recentemente
um novo índice de sustentabilidade, o que mostra que investidores estão olhando para variáveis ambientais.
Com o Brasil se tornando
mais e mais ativo nos mercados
globais, com o Programa de
Aceleração do Crescimento
criado pelo presidente Lula, e a
visão do Brasil se tornando um
"global player" econômico, o
papel que as empresas brasileiras terão em trazer sustentabilidade ambiental para o mercado doméstico crescerá muito
rapidamente. A competitividade internacional está baseada
hoje em parte na habilidade de
responder a prioridades ambientais políticas do mercado
internacional, e muitos empresários brasileiros estão começando a perguntar como as políticas de governo podem ajudá-los a desenvolver tecnologias avançadas e meios de produção limpos que os ajudarão a
ser mais competitivos.
FOLHA - O que o sr. pretende dizer
ao governo e aos empresários?
STEINER - Em primeiro lugar,
que é necessária essa discussão
de um regime internacional para diminuir emissões de CO2.
Em segundo, que as mudanças
climáticas já estão acontecendo no planeta, e é muito claro
que o Brasil não está isolado
disso. Resiste ainda em alguns
lugares um pensamento de que
a Amazônia não é um bem econômico até que seja derrubada
e tenha seu solo utilizado para
a agricultura. A pergunta é se
os brasileiros podem transformar esse bem em um ainda
maior no futuro, incluindo, talvez, em termos de suas relações internacionais.
Eu acredito que é certo que o
Brasil defenda que tenha protegido parte significativa de sua
floresta, e que agora tenha um
imperativo de desenvolvimento econômico. Mas eu acredito
que talvez não estejamos pensando longe o suficiente, e de
maneira estratégica quando
achamos que a única forma de
realizar este crescimento é cortar a floresta e transformá-la
em terra produtiva. Talvez os
bens que a Amazônia têm possam ser muito mais produtivos
e viáveis se ela continuar em
pé. Claro que há questões sensíveis, pois o Brasil de maneira
correta vê aquela parte da
Amazônia como dentro de suas
fronteiras nacionais e não como um bem internacional sobre o qual outros possam tomar decisões.
Mas este é o que ele chamaria o ponto de partida da defesa
nesta discussão. Se for possível
lidar com a preocupação da soberania, enquanto se lida com
as oportunidades do mercado
global, talvez existam formas
de desenvolver estas oportunidades sem contradizer os interesses soberanos do Brasil.
FOLHA - O presidente Lula afirmou
que os países ricos não podem cobrar do Brasil redução do desmatamento porque eles não cuidaram de
suas florestas. O Brasil ainda precisa
se dar conta da importância do combate às mudanças climáticas?
STEINER - É preciso separar a visão do Brasil em debates internacionais do que está acontecendo no debate doméstico.
Todo brasileiro sabe que há
problemas ambientais que precisam ser trabalhados, porque
eles afetam a cada um dos cidadãos brasileiros. Se você olhar o
Brasil sob a administração do
presidente Lula, verá que houve iniciativas importantes no
setor hídrico, no setor elétrico,
na expansão de áreas de conservação. O fato de o Brasil estar fazendo bastante na área
ambiental às vezes fica ofuscado pela forma como o país percebe a comunidade internacional se relacionando com ele em
questões ambientais.
Sobre a relação do Brasil com
o resto do mundo, eu acredito
que, em primeiro lugar, o Brasil
subestima o quanto o mundo
gostaria de saber o que o Brasil
já fez e está fazendo na área ambiental. Em segundo lugar, o
Brasil precisa sair de uma posição defensiva nos temas de definição de políticas globais para
tomar uma posição mais pró-ativa. Porque o país tem um papel muito grande nas discussões ambientais, tanto pelos recursos naturais que possui
quanto pela sua influência na
definição de políticas internacionais. Se olharmos a participação brasileira nas negociações comerciais na OMC, o
Brasil é um dos negociadores
mais ativos. Na agenda global
de governança e políticas ambientais, eu ainda sinto falta de
uma ação mais pró-ativa e mais
estratégica brasileira.
FOLHA - Como o sr. avalia a atuação brasileira nas negociações ambientais internacionais?
STEINER - A posição brasileira
tem demostrado um certo grau
de ceticismo em relação a compromissos maiores de governança global. Ainda há uma desilusão que se seguiu à Eco-92,
no Rio, em que compromissos
internacionais acordados para
ajudar países em desenvolvimento não se realizaram. Muitos desses países viram em uma
participação maior e na aceitação de compromissos maiores
nos instrumentos para uma governança ambiental global algo
que não trouxe os resultados
esperados.
Eu penso que um país do tamanho Brasil, e que tem a importância que o Brasil tem, precisa pensar no futuro com uma
agenda mais engajada, porque
se tornará economicamente
mais integrado e seu empresariado procurará um governo
que permita que o país acelere
seu crescimento econômico,
mas que não seja visto por muitos como um país que o faz às
custas de suas riquezas.
FOLHA - Na sua opinião, qual seria
a posição esperada do Brasil?
STEINER - Eu ainda espero que o
Brasil, ao final, olhe para a Convenção de Mudanças Climáticas e para a estrutura multilateral não como uma ameaça a
suas oportunidades de desenvolvimento, mas como a melhor chance que tem, como nação, mas também como comunidade internacional, de negociar uma abordagem justa para
a redução de emissões no planeta. Isso exige uma visão que
vá além classificar a questão
das mudanças climáticas como
um problema do Norte, mas como um problema coletivo
mundial. Estamos lutando para
chegar a uma solução justa, em
que nações industrializadas assumam a responsabilidade pelo
seu legado histórico. Mas, em
termos de emissões futuras,
não podemos mais fazer de
conta que esta não é uma responsabilidade com que cada
nação precisa lidar.
FOLHA - O sr. espera ver o Brasil como um protagonista nas negociações internacionais?
STEINER - Esta é uma das minhas esperanças. Eu acredito
que neste início do século 21, a
nova geração de regulamentações para governança ambiental precisa ser moldada muito
mais pelas realidades e temas
de países como o Brasil, África
do Sul, China e Índia. Este é um
dos meus objetivos como diretor-executivo do Pnuma. Não
para criar uma dicotomia, mas
mais para encorajar, trabalhar
e dar suporte a países como o
Brasil em tomar atitudes mais
pró-ativas para os desafios ambientais desta era.
Eu acredito que o Brasil pode
ganhar muito ao ser um negociador e participante mais ativo. O mundo não pode arcar
com a hipótese de não ter países como o Brasil, Índia e China
ajudando a comunidade de outras cerca de 190 nações a garantir que não estejamos cavando nossas próprias covas
com as perspectivas de aceleração de crescimento econômico
ao qual aspiramos.
FOLHA - O Sr. diz que quer trocar
idéias sobre o futuro dos biocombustíveis. Por quê?
STEINER - A experiência que o
Brasil tem em termos de produção, tecnologia e até marketing nos dá a chance de estudar
como esta experiência pode
ajudar outros países.
O fato de os biocombustíveis
terem neste momento chegado
ao topo da agenda global está
relacionado a uma convergência de fatores, como segurança
energética, custos e alternativas para evitar mudanças climáticas. Eles são um passo importante para a diversificação
da matriz energética global, e
nisso o Brasil tem um papel-chave. Mas eu argumento que é
preciso desenvolver ainda mais
o seu método. Simplesmente
ver as prática atuais de produção e tecnologia atual como
acabadas fará o país perder,
com o tempo, sua vantagem. Isto eu quero aprender mais do
Brasil e discutir com governo e
empresários: como o Brasil vê a
evolução da sua economia de
biocombustíveis e que papel as
Nações Unidas podem ter.
FOLHA - Que recado o Sr. pretende
passar ao presidente Lula?
STEINER - Que a liderança brasileira hoje em um contexto global é mais necessária do que
nunca. Na ONU e no Pnuma,
nós olhamos para o Brasil como
um país no qual tensões entre
desenvolvimento e ambiente,
entre sustentabilidade e crescimento econômico, podem ser
resolvidas de uma maneira em
que elas se completem, ao invés
de se oporem. E se não for possível avançar neste sentido em
uma economia crescente como
a brasileira, então teremos problemas sérios a frente.
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