São Paulo, quinta-feira, 05 de abril de 2007

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JANIO DE FREITAS

Sem ilusão

Não há como esperar alguma coisa respeitável com o sistema de terror instaurado em setores do controle aéreo

DESDE A reunião dos chamados comandantes, na verdade ministros, do Exército, da Aeronáutica e da Marinha com Lula, na terça-feira, é aconselhável poupar-se de afirmações do gênero "o regime civil e democrático está consolidado". Se algo restou dessa ilusão, em favor da qual nem as aparências Lula pôde preservar, estará no Judiciário, pode ser que se mostre no Congresso, mas no Executivo não está. A reunião não marcou apenas mais uma ruptura de Lula com sua palavra e seu compromisso, para não falarmos de honra, dever e autoridade, mas também outras rupturas.
Lembremos que as reuniões agendadas para terça-feira, com a temática da crise, eram duas. A primeira, citada mais de uma vez no acordo com os insubordinados assinado, por ordem de Lula, pelo ministro Paulo Bernardo, para negociação com os controladores. Não havia menção oficial ou oficiosa à presença de Lula. A outra, convocada para o Planalto, reuniria Lula com os ministros Dilma Rousseff, Waldir Pires e Paulo Bernardo e o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito. Mas, ficou narrado aqui, "a meio do dia [segunda-feira], chamados para conversar com Lula passaram a ser os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica". Agora se sabe que a narrativa mais precisa exclui o chamado presidencial, como iniciativa para a reunião.
Uma das poucas atitudes corretas de Lula nessa historiada, que se arrasta por meio ano, tinha sido não dar margem ao envolvimento de Exército e Marinha na crise. A tradição impôs-se: o poder se divide entre os que precisam e os que não precisam ser chamados para reuniões. Até aquela altura, os assuntos discutidos nas redondezas da Presidência, para exame com Lula na reunião programada (a não realizada), eram maneiras de atenuar o acordo com os controladores de vôo, por protelações, meias palavras e formas de desagravar a Aeronáutica na medida possível. Sem, no entanto, renegar a substância do acordo, tanto que era considerada uma medida provisória referente, embora sem maior precisão, a providências para desmilitarizar o controle aéreo.
Assim estava o quadro, na face civil do governo, quando começou a reunião de Lula com os comandantes militares. Ao terminar, o acordo com os controladores não valia mais nada, a desmilitarização estava entregue aos militares que não a querem, e o comando da Aeronáutica voltava a ficar senhor único de todas as questões eclodidas desde a derrubada do avião da Gol pelo Legacy.
Alguma dúvida sobre o teor da reunião? Ou sobre a atitude de Lula? Então, passemos a dois efeitos factuais, entre os muitos efeitos, do cenário criado pela reunião. "Aeronáutica retoma controle do tráfego aéreo no país", disse um título da Folha de terça-feira. Retoma, porque a oficialidade do controle abandonou o serviço, que ficou sem coordenação, direção e apoios de sábado até o decorrer do expediente de terça-feira, algumas horas depois da reunião dos comandantes com Lula. Enquanto milhares de pessoas, a bordo de cerca de 500 vôos por dia, tinham suas vidas pendentes da segurança no tráfego aéreo. Mas, como também indica a tradição, há abandono de serviço e abandono de serviço, mesmo que ambos abalem a segurança pública ou a segurança nacional.
Em vários dos setores do controle aéreo instaurou-se, e prevalece, um sistema de terror. Ameaças constantes de prisão e algemas, presença da polícia da Aeronáutica nas salas de controle, vigilância até para ir ao banheiro. E, como já ocorria e foi uma das causas da insubordinação, controle individual de número de aeronaves além não só das regras, mas da segurança aérea. Não há como esperar que disso tudo saia alguma coisa respeitável.


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