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JANIO DE FREITAS
Sem ilusão
Não há como esperar alguma coisa respeitável com o sistema de terror instaurado em setores do controle aéreo
DESDE A reunião dos chamados comandantes, na verdade ministros, do Exército, da
Aeronáutica e da Marinha com Lula,
na terça-feira, é aconselhável poupar-se de afirmações do gênero "o
regime civil e democrático está consolidado". Se algo restou dessa ilusão, em favor da qual nem as aparências Lula pôde preservar, estará no
Judiciário, pode ser que se mostre
no Congresso, mas no Executivo
não está. A reunião não marcou
apenas mais uma ruptura de Lula
com sua palavra e seu compromisso,
para não falarmos de honra, dever
e autoridade, mas também outras
rupturas.
Lembremos que as reuniões agendadas para terça-feira, com a temática da crise, eram duas. A primeira,
citada mais de uma vez no acordo
com os insubordinados assinado,
por ordem de Lula, pelo ministro
Paulo Bernardo, para negociação
com os controladores. Não havia
menção oficial ou oficiosa à presença de Lula. A outra, convocada para o
Planalto, reuniria Lula com os ministros Dilma Rousseff, Waldir Pires
e Paulo Bernardo e o comandante da
Aeronáutica, Juniti Saito. Mas, ficou
narrado aqui, "a meio do dia [segunda-feira], chamados para conversar
com Lula passaram a ser os comandantes da Marinha, do Exército e da
Aeronáutica". Agora se sabe que a
narrativa mais precisa exclui o chamado presidencial, como iniciativa
para a reunião.
Uma das poucas atitudes corretas
de Lula nessa historiada, que se arrasta por meio ano, tinha sido não
dar margem ao envolvimento de
Exército e Marinha na crise. A tradição impôs-se: o poder se divide entre os que precisam e os que não precisam ser chamados para reuniões.
Até aquela altura, os assuntos discutidos nas redondezas da Presidência, para exame com Lula na reunião
programada (a não realizada), eram
maneiras de atenuar o acordo com
os controladores de vôo, por protelações, meias palavras e formas de
desagravar a Aeronáutica na medida
possível. Sem, no entanto, renegar a
substância do acordo, tanto que era
considerada uma medida provisória
referente, embora sem maior precisão, a providências para desmilitarizar o controle aéreo.
Assim estava o quadro, na face civil do governo, quando começou a
reunião de Lula com os comandantes militares. Ao terminar, o acordo
com os controladores não valia mais
nada, a desmilitarização estava entregue aos militares que não a querem, e o comando da Aeronáutica
voltava a ficar senhor único de todas
as questões eclodidas desde a derrubada do avião da Gol pelo Legacy.
Alguma dúvida sobre o teor da
reunião? Ou sobre a atitude de Lula?
Então, passemos a dois efeitos factuais, entre os muitos efeitos, do cenário criado pela reunião. "Aeronáutica retoma controle do tráfego
aéreo no país", disse um título da
Folha de terça-feira. Retoma, porque a oficialidade do controle
abandonou o serviço, que ficou sem
coordenação, direção e apoios de
sábado até o decorrer do expediente de terça-feira, algumas horas depois da reunião dos comandantes
com Lula. Enquanto milhares de
pessoas, a bordo de cerca de 500
vôos por dia, tinham suas vidas
pendentes da segurança no tráfego
aéreo. Mas, como também indica a
tradição, há abandono de serviço e
abandono de serviço, mesmo que
ambos abalem a segurança pública
ou a segurança nacional.
Em vários dos setores do controle aéreo instaurou-se, e prevalece,
um sistema de terror. Ameaças
constantes de prisão e algemas,
presença da polícia da Aeronáutica
nas salas de controle, vigilância até
para ir ao banheiro. E, como já
ocorria e foi uma das causas da insubordinação, controle individual
de número de aeronaves além não
só das regras, mas da segurança aérea. Não há como esperar que disso
tudo saia alguma coisa respeitável.
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