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MEMÓRIA DA DITADURA
Grupo de Dilma planejava sequestrar Delfim
Ex-integrante da cúpula da organização terrorista dá detalhes do plano, do qual a ministra declara jamais ter tido conhecimento
Delfim confirma localização de sítio mostrado em um mapa, apreendido durante a ditadura, que indicava onde o sequestro seria realizado
FERNANDA ODILLA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Luiza, 22, abandonou a faculdade de economia e agora sabe
montar e desmontar um fuzil
de olhos fechados. Na clandestinidade, seu grupo planeja
uma das ações ousadas da luta
armada em 1969 contra a ditadura militar: o sequestro de
Delfim Netto, símbolo do milagre econômico e civil mais poderoso do governo federal.
Quarenta anos depois, o antigo alvo é agora aliado de Luiza,
aliás Dilma Rousseff, na empreitada que tenta fazer da ex-guerrilheira, também conhecida à época como Estella, Wanda, Marina e Patrícia, a sucessora do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva.
O ambicioso sequestro era
uma espécie de "lenda urbana"
entre poucos militantes de esquerda nos anos 70. Sem mencionar o nome de Dilma, foi citado de passagem no livro "Os
Carbonários" (1981), do hoje
vereador carioca Alfredo Sirkis
(PV), e esquecido. Na página
180, há uma citação ao possível
sequestro do ministro: "Preparavam, na época, o sequestro do
ministro Delfim Netto". A Folha obteve documentos inéditos e o primeiro testemunho de
um dos idealizadores do plano.
Antonio Roberto Espinosa,
63, doutorando em Relações
Internacionais na USP, contou
à reportagem segredos que diz
não ter revelado sob tortura.
Ex-comandante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e da VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária
Palmares), assumiu que coordenou o plano.
Mais: afirmou que os quatro
outros integrantes da cúpula da
VAR-Palmares concordaram
com o sequestro do então ministro da Fazenda, que sustentava a popularidade dos generais com um crescimento econômico de 9,5% em 1969.
"O grupo foi informado. Os
cinco [ele, Dilma e os outros
três dirigentes da VAR] sabiam", disse Espinosa, no primeiro relato que aponta o envolvimento de Dilma, negado,
porém, "peremptoriamente"
pela ministra à Folha.
Em um dos processos que
condenou militantes da VAR,
consultados no Superior Tribunal Militar, há um mapa da
emboscada e outro que sugere
o local do cativeiro do sequestro planejado.
A ação tinha data e local definidos. Seria num final de semana de dezembro, durante uma
das visitas do ministro a um sítio no interior de São Paulo.
A "juba", o cofre, o Fusca
Em 1969, a hoje ministra experimentava a vida clandestina
com audácia. No Rio de Janeiro, ela e a amiga Iara Iavelberg,
namorada do líder guerrilheiro
Carlos Lamarca, foram cortar o
cabelo no salão Jambert, que
servia champanhe aos clientes.
Iara, de acordo com o livro "Iara - Reportagem Biográfica", de
Judith Patarra (editora Rosa
dos Tempos), quis arrumar a
"juba fora de moda" da companheira -para valorizar o rosto
e os olhos dela- e sugeriu também roupas novas.
A extravagância foi bancada
depois da ação que deu fama à
VAR-Palmares: o assalto ao cofre do ex-governador de São
Paulo Adhemar de Barros,
guardado na casa da amante
dele, com cerca de US$ 2,4 milhões. Dilma não participou diretamente do crime.
Mas, de acordo com depoimentos e relatórios policiais,
ela administrou parte do dinheiro roubado para bancar salários de militantes, achar abrigo para eles e comprar um Fusca cinza. Como não sabia dirigir, ela escalava uma colega da
VAR como motorista.
Do carro, Dilma se lembra.
Do dinheiro, não. "Não me lembro que eu era do dinheiro. Se
fosse, eles tinham me matado a
pau. Tudo o que eles queriam
era o dinheiro", afirma.
Dilma-Luiza havia chegado
ao comando da organização
após um racha que, logo depois
do roubo do cofre, levara à saída de Lamarca, Iara e um expressivo grupo de militantes
em um tumultuado congresso
em Teresópolis (RJ).
A ministra ficou na VAR, trocou o Rio por São Paulo e assumiu a missão de evitar debandada ainda maior.
A VAR priorizava o recrutamento de estudantes e de operários, sem abandonar os planos de ações armadas esporádicas. De forma colegiada, de
acordo com Espinosa, a cúpula
decidiu sequestrar Delfim e
montar uma fábrica de explosivos acionados por controle remoto em uma fazenda na serra
da Mantiqueira (entre São Paulo e Minas Gerais).
Além de Dilma, assumiram o
comando do grupo Espinosa
(Hélio), Carlos Araújo (codinome Max, o segundo marido da
ministra) e os hoje mortos Carlos Alberto Soares de Freitas
(Breno) e Mariano Joaquim da
Silva (Loyola).
Ouvido pela Folha, Araújo
afirmou que não se recorda do
plano nem de nenhuma ação
armada depois do racha. Ressaltou, no entanto, que não é
"boa fonte", pois perdeu parte
da memória do período depois
de ter sido torturado.
Ao longo de uma hora de
conversa com a Folha, Dilma
disse algumas vezes não se
lembrar da ideia de capturar o
ministro e duvidar "que alguém lembre".
Ao saber do testemunho dado por Espinosa, ela declarou
que o ex-colega "fantasiou". No
final da entrevista, pediu que
registrasse a sua "negativa peremptória".
O sítio, o plano, a queda
Classificado como "alvo fácil" por militantes e militares,
Delfim era também um alvo antigo. Antes da fusão entre Colina (Comando de Libertação
Nacional) e VPR, que resultou
na VAR-Palmares, Juarez Guimarães de Brito, militante da
Colina e mentor do roubo ao
cofre de Adhemar, havia utilizado o emprego no Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) para levantar os passos do pai do milagre econômico.
O sequestro nunca foi executado porque os principais envolvidos na ação começaram a
ser presos semanas antes.
Coordenador do plano, Espinosa foi capturado em 21 de novembro de 1969, no Rio. "Ainda
levaria 15 ou 20 dias. Aconteceria por volta de dezembro. O
comando nacional sabia, não
houve nenhum veto. Mas não
detalhou o plano do ponto de
vista político. Havia uma preparação militar que não estava
concluída", disse ele.
Caberia aos outros integrantes do comando nacional decidir os procedimentos políticos,
como o conteúdo do manifesto
e as exigências para libertar o
refém. A repressão, contudo,
foi mais rápida.
O mapa com a indicação do
local onde a organização planejava agir foi apreendido em um
"aparelho" em Lins de Vasconcelos, no Rio. Dividiam a casa
de dois andares o casal Espinosa e Maria Auxiliadora Lara
Barcelos, além do estudante de
medicina Chael Schreier, que
foi preso vivo e chegou morto
ao Hospital Central do Exército. Com o trio, foi encontrado
um arsenal de armas, munições
e explosivos, além de levantamentos de áreas onde o grupo
tencionava agir.
Espinosa disse à Folha que
os mapas apreendidos só podiam ser os dele. "Tínhamos o
endereço, sabíamos tudo. Era
um local em que ele [Delfim] ia
sem segurança porque imaginava que ninguém soubesse."
A Folha encaminhou cópia
do mapa a Delfim, que confirmou ter frequentado um sítio
na região indicada em vermelho de forma simplificada na
folha de papel já amarelada.
Trata-se do Sítio Gramadão
(cujo nome aparece no mapa),
de propriedade do cunhado e
melhor amigo, Mario Nicoli,
próximo a Itu e Jundiaí, no interior paulista.
Delfim contou à Folha que
recebeu recomendações para
redobrar o cuidado diante da
onda de atentados promovida
pela esquerda contra o regime.
Mas disse não saber do plano
da VAR e que nunca deixou de
andar com pouca, ou nenhuma,
segurança.
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