São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

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MERCADO DA SUCESSÃO

Para economista do PT, temor dos investidores estrangeiros se dissipará no dia em que petista assumir

Lula não vai renovar com FMI, diz Mantega

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Nas duas últimas semanas, o avanço nas pesquisas do pré-candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, provocou receio em parte dos investidores internacionais.
O risco-país do Brasil, índice que mede a chance de um governo dar um calote nos credores, atingiu seu maior ponto desde dezembro passado, superando o da Venezuela, cujo presidente, Hugo Chávez, chegou a ser deposto e depois reassumiu o cargo.
Dois bancos de Wall Street (Morgan Stanley e Merrill Lynch) e dois europeus (ABN Amro Bank e Santander) recomendaram a seus clientes que reduzam investimentos em títulos do país. Para eles, se Lula ficar à frente nas pesquisas, tem chance maior de ganhar as eleições, o que significaria algum tipo de rompimento com a política econômica atual.
Para o economista Guido Mantega, principal assessor econômico do PT, o temor dos investidores se dissipará no dia em que Lula começar a governar.
"O risco-país talvez não caia num ano eleitoral porque sempre há um pouco mais de nervosismo, mas, uma vez definido o novo governo, apresentada a nova estratégia, ele tende a cair."
A Folha colheu em Wall Street e expôs a Mantega as principais dúvidas de analistas financeiros sobre um eventual governo do PT.
Esses analistas defendem seus relatórios pessimistas e rejeitam as acusações feitas a eles na última semana por todos os partidos brasileiros e até pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Dizem que, apesar do discurso moderado de Lula, há dúvidas sobre como o partido faria para respeitar suas promessas de manter a responsabilidade fiscal e o controle de inflação. Ao responder essas dúvidas, Mantega disse que o PT, caso seja eleito, deseja manter a estabilidade econômica e honrar com as dívidas do governo.
No entanto, contrariando o que defendem esses analistas, o economista e assessor do PT propôs mudanças nos principais pilares que caracterizaram a gestão econômica do governo FHC: metas de inflação, superávit primário das contas públicas e o relacionamento com o FMI.
"Lula não pretende estender o acordo do Brasil com o Fundo. O Brasil já é crescidinho para ter um tutor." Mantega falou à Folha por telefone na sexta-feira. Leia os principais trechos da entrevista:
 

Folha - Os mercados querem saber se, caso eleito, o PT irá manter, alterar ou abolir a meta de superávit primário das contas públicas. Guido Mantega - O PT defende a responsabilidade fiscal, mas vai exercê-la de outra forma. Um dos principais problemas fiscais hoje é a despesa com os juros da dívida. A meta de superávit primário serve só para pagar os juros. Tivemos em 2001 uma conta de juros de mais de 8% do PIB e um superávit primário de 3,5%, usado para pagar parte dos juros.
Um dos nossos objetivos é baixar essas taxas de juros e viabilizar um crescimento maior da economia. Ao mesmo tempo, isso permitiria a redução das despesas com o serviço da dívida.
Ao cair essa despesa, você não precisa ter o mesmo superávit primário porque o que interessa é o conjunto das contas, o conceito nominal. O que nos interessa é obter um resultado nominal satisfatório. Não precisa necessariamente haver superávit primário de 3,5% se você baixou a despesa de juros para 4% ou 4,5% do PIB.

Folha - O sr. então propõe trocar o esforço fiscal que o governo faz hoje por um compromisso de não deixar o déficit total subir acima de um certo percentual do PIB?
Mantega -
Sim.

Folha - O sr. imagina que o PT possa assumir o poder e imediatamente reduzir os juros?
Mantega -
Reconheço que não podemos reduzir a taxa de juros por mera vontade do BC. Não pode ser um processo artificial. Mas o nosso BC muitas vezes exagera.

Folha - Já que o sr. admite a hipótese de os juros não poderem ser reduzidos por vontade própria do BC, como o sr. faria para controlar o déficit nominal se as despesas do governo com juros não forem reduzidas devido a problemas que não dependem da vontade do BC?
Mantega -
Mas aí você está sendo muito pessimista.

Folha - Conforme a lógica de sua proposta, essa hipótese exigiria a manutenção de superávits fiscais primários tão ou mais altos que os mantidos por FHC para que o déficit nominal seja controlado.
Mantega -
Não precisamos ser tão pessimistas. As contas externas brasileiras podem ser dinamizadas com uma certa rapidez.
Há uma folga nas taxas de juros que é reconhecida pelo próprio mercado. O mercado reconhece que o Brasil tem um risco país muito elevado. Não há justificativa para que o México, país que tem déficit comercial, ter um risco muito inferior ao nosso.

Folha - Por que então o próprio mercado não reduziu o risco-país do Brasil? Por que ele está subindo se o sr. diz que ele deveria cair?
Mantega -
Talvez esse risco não caia em ano eleitoral, quando sempre há um pouco mais de nervosismo. Mas, uma vez definido um novo governo, apresentada uma nova estratégia, dando-se início às novas medidas, o risco país começa a cair.

Folha - Hoje, os juros são essenciais para que o governo consiga captar os recursos para cobrir o déficit em conta corrente.
Mantega -
O segredo é reduzir o déficit em conta corrente. É preciso diminuir a vulnerabilidade brasileira, o risco-país. Só aí você vai poder reduzir também os juros. Há que se fazer uma política de metas de inflação mais realista, mais eficiente. As metas deveriam ser mudadas dos atuais 3,5% e 3,25% (em 2002 e 2003) para algo como 5%. As atuais metas são inadequadas para o Brasil.
Podem ser boas para países avançados, mas não para o Brasil. O BC está mirando errado. Se você propõe uma meta muito baixa, tem de usar uma taxa de juros muito alta para atingi-la.

Folha - Há uma aparente contradição no que o sr. está dizendo. O PT reconhece que a queda do risco-país é fundamental para o processo de redução dos juros. Mas os investidores - os "donos" da percepção do risco- dizem que um controle de inflação menos rígido e o abandono das metas de superávit primário aumentam o risco-país. Como o sr. pretende reduzir o risco-país com medidas contrárias ao que defendem os investidores?
Mantega -
Essa é uma discussão complexa. Outro dia, o Claudio Loser [chefe do departamento de Hemisfério Ocidental do FMI" soube que eu defendia a substituição da meta de superávit primário por uma meta de déficit nominal e concordou [na realidade, Loser declarou que concordava com a idéia desde que ficasse esclarecido como ela seria concretizada". Essa história de meta de superávit primário é uma invenção feita aqui para o Brasil. A maioria dos países usa o conceito de déficit nominal.
Nem se discute. Inventaram essa novidade porque, como o déficit nominal estava estourando por causa dos juros da dívida, o governo decidiu focar somente no superávit primário.
Os investidores vão aceitar a meta de déficit nominal porque a aceitam no mundo inteiro.

Folha - Risco é algo percebido pelos investidores, não pelo governo. Como fazer para eles acreditarem que esse programa vai funcionar?
Mantega -
Eles têm de perceber que o país fará um esforço para melhorar as contas externas -o que não ocorre na atualidade-, vai melhorar sua situação externa e o risco-país tem de cair.

Folha - O acordo do Brasil com o FMI acaba em dezembro. O próximo governo assume no primeiro dia de janeiro. Os mercados acham que seria interessante manter esse acordo como uma espécie de guarda-chuva de credibilidade para o próximo governo. Qual será a relação de uma eventual administração do PT com o FMI?
Mantega -
Não há razão para prorrogar o acordo. O Brasil não deve nada ao Fundo é já é crescidinho para ter um tutor. Não precisamos do Fundo.

Folha - Mas e se o Fundo oferecer um acordo com base no programa que o sr. está expondo, com metas de déficit nominal?
Mantega -
A conduta do FMI não tem sido muito eficiente. O governo do Lula não se submeteria a esse tipo de regra. Mas, se anunciarmos nossa estratégia, e o Fundo concordar, tudo bem. O Fundo pode até ser menos rígido com um governo petista.

Folha - Qual é a proposta tributária do PT além da reformulação das alíquotas do Imposto de Renda?
Mantega -
O eixo da reforma tributária é substituir um sistema arcaico, que tributa muito a produção e o assalariado de baixa renda. É preciso reduzir os impostos que incidem em cascata, substituindo-os por impostos sobre o valor agregado. É o primeiro ponto. O segundo é diminuir as alíquotas iniciais do IR, desonerando faixas salariais mais baixas.

Folha - Como essa proposta traria trabalho informal à formalidade?
Mantega -
É um processo. Se você aumentar o investimento, reduzir taxas de juros, vai ter um aumento no nível de emprego e, portanto, da formalização.

Folha - O PT acha que a Receita Federal arrecada muito impostos porque tem uma espécie de "volúpia arrecadatória" ou porque há demandas por gastos difíceis de atender? Malan diz que é preciso reduzir a vinculação de receitas públicas às despesas com pessoal, saúde, previdência e transferências constitucionais para Estados e Municípios. Elas hoje absorvem 70% da receita. E o PT?
Mantega -
A melhor reforma é aumentar o crescimento do PIB. Gastos sociais são limitados porque existem gastos com juros. É preciso melhorar os gastos, reduzindo a corrupção, o clientelismo.

Folha - O sr. defende a manutenção da cobrança da CPMF no início do governo de Lula?
Mantega -
Até 2004 essa prorrogação tem o apoio do PT porque não se pode suprimir de uma só vez as receitas da CPMF. Essa contribuição tem de perder o caráter arrecadatório, mas não esse tributo precisa ser substituído por outro, numa reforma tributária.

Folha - O sr. acha que uma reforma tributária exigiria uma reengenharia política no país? O PT defende ou não a alteração de distribuição de receitas entre Estados, União e Municípios?
Mantega -
Há dois anos, a comissão de reforma tributária da Câmara conseguiu elaborar um projeto alterando a distribuição de receitas que era aceitável pela maioria dos partidos. Mas houve dificuldades para a aprovação da fusão entre o ICMS e o IPI num só imposto. Os governadores têm medo de perder controle sobre a sua arrecadação. Agora, teremos um novo quadro de governadores, teremos de retomar a discussão e ver se ela é viável.

Folha - Que importância que o PT dá à substituição de importações?
Mantega -
O mercado brasileiro é nosso. Com boas políticas fiscal, de crédito e de subsídios, conseguiremos desenvolver uma substituição de importações positiva.

Folha - O ministro Malan argumentou que, se fôssemos exigir que as peças da Embraer fossem produzidas no Brasil, os aviões não seriam vendidos em nenhum lugar.
Mantega -
Concordo com ele. Não iríamos deixar de implantar uma fábrica de aviões só porque é preciso importar uma parte dos equipamentos. A Embraer exporta US$ 3 bilhões e importa US$ 1,9 bilhão. Obtém um saldo comercial e é isso o que se quer.

Folha - O México tem um saldo?
Mantega -
O México multiplicou as exportações em dez vezes na década passada, mas não resolveu seu problema. Ele importa quase tudo dos EUA, monta o produto e exporta. A Embraer tem um valor agregado importante.



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