Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
CARLOS AYRES BRITTO
Fidelidade partidária deve ser aperfeiçoada antes da eleição
Jurista, que assume amanhã a presidência do TSE, afirma que cobrará que partidos sigam seus programas e que hipótese de terceiro mandato é "golpear a república"
FELIPE SELIGMAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O MINISTRO do STF (Supremo Tribunal
Federal) Carlos Ayres Britto, 65, que assume amanhã a presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), diz que a idéia
do terceiro mandato "golpeia a república". Ele critica
os partidos que, diz, são "a tristíssima expressão de
um sepulcro caiado: por fora está pintadinho, mas por
dentro é uma putrefação só". Britto é o primeiro indicado por Lula a virar presidente de tribunal superior.
Ele afirmou que planeja cobrar fidelidade dos partidos aos
seus programas e critica o quociente eleitoral, regra que possibilita a eleição de candidatos
com pouquíssimos votos, desde
que a sua coligação tenha se saído bem nas urnas. O ministro
se lembrou dos tempos em que
foi filiado ao PT. "O partido
passou e talvez ainda passe por
uma grave crise de identidade."
FOLHA - Quais são os principais temas que o sr. espera resolver até as
eleições municipais deste ano?
CARLOS AYRES BRITTO - Precisaremos, antes das eleições, aperfeiçoar o sistema de fidelidade
partidária, que nós implantamos no ano passado, e retomar
uma discussão sobre o quociente eleitoral em eleições
proporcionais. Mas não só isso:
certamente voltará à tona o tema da vida pregressa de um
candidato sob suspeita e a discussão sobre se a legislação que
hoje dispõe sobre jornais, rádios e televisão pode ser aplicada à mídia on-line. Por último,
é necessário que o TSE debata
sobre programas como o PAC
[Programa de Aceleração do
Crescimento] em ano eleitoral.
FOLHA - O que seria aperfeiçoar o
sistema de fidelidade partidária?
BRITTO - Estamos cobrando
dos candidatos fidelidade aos
partidos e ao esquadro ideológico que sai de cada eleição.
Mas o partido tem fidelidade a
ele mesmo? Pode ter um programa belíssimo e uma prática
feiíssima? Se estamos cobrando dos candidatos eleitos postura compatível com uma idéia
de qualificação política ou de
autenticidade do regime democrático representativo, então
como admitir partidos com as
oligarquias partidárias? Que
sepulcro caiado é esse, que por
fora está pintadinho, mas por
dentro é uma putrefação só?
Até que ponto podemos conviver com tristíssimas expressões de sepulcros caiados?
FOLHA - O sr. foi filiado ao PT por
muitos anos. Como é comparar o PT
atual com aquele de 20 anos atrás?
BRITTO - Quando fui indicado
para ministro do Supremo, virei minha página partidária.
Não por me arrepender ou por
refugar, não existe isso. Mas
continuo achando que o PT, na
retomada do processo democrático brasileiro, cumpriu um
papel fundamental. Não posso
desconhecer, porém, que passou e talvez ainda passe por
uma grave crise de identidade.
FOLHA - Sobre o quociente eleitoral, existe um debate acontecendo
no TSE que o sr. pediu vista...
BRITTO - Eu pedi vista do processo porque 16, 17 anos atrás,
eu escrevi um artigo que foi publicado em uma revista do TSE
já levantando esse tipo de questionamento. Até que ponto a lei
pode, a pretexto de implantar
um sistema proporcional de
votação e apuração, desconsiderar o voto do eleitor e desviar
esse voto para quem não o recebeu? A lei, ao que parece, está
entrando em contradição ao
permitir que partidos e políticos se apropriem de votos que
não lhes foram dados.
FOLHA - Não seria esse o caso dos
suplentes de senadores?
BRITTO - Pode-se discutir também se a legislação sobre os
dois senadores suplentes é
compatível com a pureza do regime democrático representativo. No mínimo, a própria Justiça Eleitoral terá de projetar
na tela do computador, da urna
eletrônica, a imagem dos dois
suplentes e os nomes. O mesmo
acontecendo para os vices das
chefias executivas.
FOLHA - São mudanças que já podem acontecer nessas eleições?
BRITTO - Já. Porque, no fundo,
você vota em três pessoas. Então o eleitor precisa saber: esse
senador tem telhado de vidro.
FOLHA - Pode-se dizer que um possível terceiro mandato fere um dos
pilares da democracia?
BRITTO - A república é uma forma de governo contraposta da
monarquia. Enquanto a monarquia é hereditária, a república é eletiva. Logo, na república, a renovação dos quadros dirigentes é uma necessidade.
Ora bem, se você possibilita a
renovação de mandatos, você
golpeia a república nesse seu
elemento da renovação dos
quadros dirigentes. Quanto
mais você prorroga um mandato, mais se aproxima da monarquia e se distancia da república.
O pior de tudo da idéia de outro mandato é que cesteiro que
faz um cesto faz um cento. Você
permite uma reeleição, já fragilizou a pureza do regime republicano. Depois você tolera
uma segunda reeleição. E porque não uma terceira? Aí você
perde a noção de limite e teremos uma república no papel e
uma monarquia de fato.
FOLHA - E a utilização eleitoral de
programas sociais?
BRITTO - É algo que nos obriga a
andar sobre um fio de navalha,
pois é muito tênue a fronteira
do legal e do ilegal. De uma parte, não se pode impedir o governo de governar. De outra, porém, há essa possibilidade da
quebra do princípio da paridade de armas eleitorais. Não se
pode aprioristicamente dizer
que esses programas de governo são eleitoreiros, como não
se pode também aprioristicamente cair na fórmula do liberou geral. A Justiça Eleitoral
tem que analisar caso a caso.
FOLHA - Ao tratarmos do princípio
da paridade de armas, entramos no
debate de financiamento de campanha. Qual sua visão sobre o tema?
BRITTO - Victor Hugo [escritor
francês] disse o seguinte: nada
é tão irresistível quanto a força
de uma idéia cujo tempo chegou. O financiamento público
de campanha é uma idéia cujo
tempo chegou. Chega de caixa
dois. Porque caixa dois é caixa-preta. É espaço do subterfúgio.
FOLHA - E sobre voto obrigatório?
BRITTO - Sou a favor do voto facultativo. Porque ele não faz do
ato de votar um peso. Faz com a
noção de dever natural, cívico.
FOLHA - E se os insatisfeitos deixarem de votar e prevalecer o voto de
quem ganha favores de candidatos?
BRITTO - Não é mais o eleitor vítima. É cúmplice. O processo
eleitoral é como um concurso.
Os candidatos são os políticos e
os examinadores, os eleitores.
Se passam nesse concurso
maus candidatos, é porque os
examinadores permitiram.
FOLHA - O sr. gosta de usar metáforas, citar escritores. Está para lançar
seu sétimo livro de poesia. Como é
mesclar vida de poeta e jurista?
BRITTO - Sou poeta antes mesmo de ser jurista. Quando assumi no Supremo decidi não deixar esse meu lado jurista passar
por cima do poeta. A linguagem
jurídica tradicional é muito fechada. Além de posuda. Quando permeada de literatura, ganha em clareza, beleza e, por conseguinte, fica atraente.
Texto Anterior: Nome de prefeito vira questão em concurso Próximo Texto: Frases Índice
|