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Governo muda classificação e censura papéis históricos
Documentos ganharam tarjas após serem reavaliados como "ultrassecretos", em 2005
Mudança é legal; trechos censurados nas atas tratam, segundo o GSI, de relações com países do Cone Sul que fazem fronteira com o Brasil
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Os documentos secretos que
o governo tornou públicos em
março com numerosos trechos
censurados estavam na maioria
passíveis de liberação por lei,
sem restrições, pelo menos
desde 1997.
Eles só puderam receber tarjas pretas para ocultar parte do
conteúdo devido a mudança
operada sigilosamente em
2005 pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Foram liberadas as mais de
3.000 páginas de atas do Conselho de Segurança Nacional,
do nascimento, em 1934, ao
fim, em 1988. Em nenhum período da história do órgão uma
ata teve classificação original
de sigilo maior que "secreto".
Essa classificação não permite manutenção de veto a acesso
público maior que 20 anos, renováveis no limite por mais 20
-portanto, 40 anos. Já era assim em 1997, quando foi regulamentada lei de 1991.
De 2002 a 2004, o prazo de
sigilo dos papéis "secretos" pulou para 30 anos -renovando-o, 60 anos. Todos os documentos da década de 30 estariam liberados integralmente.
O prazo de 20 anos foi restabelecido no decreto presidencial 5.301, de 2004. Seriam
acessíveis em 2009, na íntegra,
todas as atas de 1934 a 1968, período em que se concentra a
censura a dezenas de trechos
dos documentos, no total de
413 linhas, na conta do GSI.
Em 2005, contudo, o gabinete subordinado à Presidência e
dirigido pelo general de exército Jorge Armando Felix introduziu a classificação de "ultrassecreto" em papéis carimbados
na origem como, no máximo,
"secretos". A mudança é legal.
O GSI diz que ela consta do
seu "Boletim Reservado" de junho de 2005, ao qual é proibido
acesso público.
Desde 2002, em virtude de
decreto restritivo do então presidente Fernando Henrique
Cardoso, documentos "ultrassecretos" podem permanecer
em segredo para sempre. O mecanismo, que se convencionou
denominar de sigilo eterno, foi
mantido pelo presidente Lula.
Nem mesmo a ditadura militar (1964-1985) classificou como "ultrassecretas" as atas. Definiu-as como "secretas".
Com diversas denominações
nos 54 anos de sua trajetória, o
CSN foi, na expressão de decreto-lei de 1969, o "órgão de mais
alto nível de assessoramento
direto do presidente" na "formulação e na execução da política de segurança".
Se o governo Lula teve o mérito de liberar documentos que
a legislação já permitia divulgar
na administração FHC (1995-2002), por outro lado, introduziu censura onde ela não poderia existir, a seguir a classificação original de sigilo.
Sigilo eterno
Os trechos censurados tratam na essência, conforme o
GSI, das relações com os países
fronteiriços do Cone Sul. O
propósito da permanência do
segredo seria evitar constrangimentos diplomáticos.
A leitura das atas evidencia o
esforço para esconder, lançando mão de censura, a obsessão
dos governos do Brasil referente à relação de forças com a Argentina, especialmente no
campo militar.
As tarjas pretas dificultam
que se conheça mais a fundo o
relacionamento histórico entre
os dois membros mais influentes do Mercosul.
A primeira ata censurada é a
da segunda sessão do CSN, presidida em outubro de 1935 pelo
presidente Getulio Vargas no
Palácio do Catete, então sede
do governo. Um dos trechos
sob tarja compara o poder naval brasileiro ao "de outra nação sul-americana" -o contexto deixa claro ser a Argentina.
A censura se sucede em atas
até os anos 70. É falso, no entanto, que somente suscetibilidades da diplomacia tenham sido consideradas.
Da 24ª sessão do CSN, de
agosto de 1964, censurou-se
uma demonstração dos encargos financeiros da Eletrobrás
por 45 anos (até 2009), na compra de empresas do setor de
eletricidade. Nesse trecho, a
tarja falha: com baixa resolução, expõe o conteúdo. É possível ler o gráfico que está sob ela.
A mudança de classificação
feita pelo GSI em 2005 não bastaria para impor a censura, que
o gabinete informa ter sido
aprovada em reunião da Comissão de Averiguação e Análise de Informações Sigilosas.
Criada no governo Lula e subordinada à Casa Civil, a comissão é coordenada pela titular da
pasta, Dilma Rousseff. Integram-na Dilma, o general Felix
e os ministros da Justiça, da
Defesa, de Relações Exteriores
e de Direitos Humanos, mais o
advogado-geral da União.
Nos termos do sigilo eterno, a
comissão pode perpetuar exclusivamente veto a papéis
classificados "no mais alto grau
de sigilo" (os "ultrassecretos").
Censuradas, a atas do CSN
podem ser lidas no site do Arquivo Nacional (www.arquivonacional.gov.br).
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