São Paulo, segunda-feira, 05 de junho de 2000


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CONTAS PÚBLICAS
Dinheiro pode ser destinado ao pagamento de juros da dívida
Projetos sociais estão sob ameaça de corte de verba

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os principais programas de combate à pobreza do governo federal, reunidos na Rede de Proteção Social, perderam garantias de que dispunham contra os cortes de verbas, segundo documentos reunidos pela Folha, e poderão ter parte dos R$ 13,1 bilhões de gastos autorizados pelo Orçamento da União transferida para o pagamento de juros da dívida.
Sem metas predefinidas, esses programas não estão mais a salvo dos cortes. Em outras palavras, diante da prioridade máxima do governo, que continua sendo o ajuste das contas públicas, a Rede de Proteção Social não é mais tão protegida assim.
Esse conjunto de programas nas áreas de educação, saúde, trabalho e assistência social foi apontado em relatório recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) sobre a política social do governo como uma exceção no quadro de dificuldades generalizadas de liberação de dinheiro do Orçamento para programas de combate à fome e à miséria.
No ano passado, embora o governo não tenha cumprido integralmente até 31 de dezembro a previsão de gastos da lei orçamentária para os 22 programas que integravam a rede -a execução foi de 90,64%-, o desempenho superou as metas fixadas inicialmente pelo governo.
Um oásis, se comparado com o desempenho de programas sociais listados pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos): dos investimentos em organização agrária, foram liberados 23,2%; em saneamento, 9,46%; em habitação, 5,98%.
Para garantir a meta acertada com o FMI (Fundo Monetário Internacional) de economia de gastos para cobrir parte da conta de juros, o governo já anunciou cortes de R$ 7,4 bilhões no Orçamento de 2000. Por conta da revisão de metas do acordo, anunciada na última quinta-feira, o governo terá de economizar mais R$ 1,4 bilhão, segundo os novos números do chamado superávit primário.
Agora, nem a rede está livre da penúria. A ameaça de cortes em 2000 pode ser compreendida na série de documentos reunidos pela Folha e que põem em xeque o discurso social do governo Fernando Henrique Cardoso.
No mesmo dia em que o governo anunciava o compromisso de economia extra nos gastos federais para bancar gastos maiores com juros, FHC discursava em Berlim sobre os limites sociais das políticas de ajuste econômico. ""Nós não queremos ultrapassar os limites prudentes das políticas de ajuste", disse o presidente.

Veto
Do discurso à prática, a distância é grande. O FHC do discurso em Berlim não parece o mesmo FHC autor do veto ao artigo da última Lei de Diretrizes Orçamentárias que impedia expressamente cortes de gastos de programas da Rede de Proteção Social.
O artigo proposto pelo Congresso foi considerado contrário ao ""interesse público".
Entre as razões apresentadas para o veto, o Ministério do Planejamento (na época, do Orçamento) sustentou que ""as prioridades de aplicação dos gastos públicos não podem ser dissociadas das disponibilidades dos recursos existentes". Dizia também que o compromisso com a rede ""retira o comprometimento com o equilíbrio das contas públicas".
A rede de proteção foi institucionalizada no ano passado em acordo fechado pelo governo com bancos multilaterais de desenvolvimento -Bird (Banco Mundial) e o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Destinava-se a amparar grupos mais ""vulneráveis" da população diante das consequências do ajuste fiscal, apoiado financeiramente por essas instituições com empréstimos de cerca de US$ 3,6 bilhões.
No anexo do acordo com o BID, o governo se comprometeu a cumprir metas acordadas de liberação de recursos para a rede em 1999. Para este ano, os termos do acordo são bastante mais frouxos: ""Será assegurada a sua proteção na programação do Orçamento do ano 2000", diz o texto, sem que novas metas tenham sido estabelecidas. Para 2001, nem sequer existe compromisso do governo com essas instituições de preservar parte dos gastos sociais.

Novos planos
Foi diante desse cenário de verbas escassas que FHC encomendou a seus assessores um estudo para concentrar os recursos em programas que consigam melhorar mais rapidamente as condições sociais de regiões com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixo. A palavra de ordem do presidente é mais resultados com menos dinheiro.
O IDH, criado pela ONU (Organização das Nações Unidas), mede o desenvolvimento com base na expectativa de vida, grau de escolaridade e renda "per capita". É um dos indicativos mais completos para medir a pobreza.
Reconhecido dentro e fora do governo como uma das mais eficientes fórmulas de combate à pobreza, o programa de renda mínima pode ganhar um reforço, segundo interlocutores de FHC.
""Reforço" não seria o termo mais adequado diante da forma como o programa vem sendo administrado. Embora integre a Rede de Proteção Social, o renda mínima mal decolou no ano passado. Ao final de 1999, o governo havia liberado menos de 70% dos recursos previstos no Orçamento e menos de 3% do dinheiro que prometera investir para alcançar a meta de 3 milhões de famílias.
Além do programa de renda mínima, a rede classifica como prioritários gastos com merenda escolar, distribuição de livros escolares, vacinação, saúde da família, pagamento do seguro-desemprego, programas de qualificação profissional e erradicação do trabalho infantil, entre outros.


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