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CONTAS PÚBLICAS
Dinheiro pode ser destinado ao pagamento de juros da dívida
Projetos sociais estão sob ameaça de corte de verba
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os principais programas de
combate à pobreza do governo federal, reunidos na Rede de Proteção Social, perderam garantias de
que dispunham contra os cortes
de verbas, segundo documentos
reunidos pela Folha, e poderão
ter parte dos R$ 13,1 bilhões de
gastos autorizados pelo Orçamento da União transferida para
o pagamento de juros da dívida.
Sem metas predefinidas, esses
programas não estão mais a salvo
dos cortes. Em outras palavras,
diante da prioridade máxima do
governo, que continua sendo o
ajuste das contas públicas, a Rede
de Proteção Social não é mais tão
protegida assim.
Esse conjunto de programas nas
áreas de educação, saúde, trabalho e assistência social foi apontado em relatório recente do Ipea
(Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) sobre a política social
do governo como uma exceção
no quadro de dificuldades generalizadas de liberação de dinheiro
do Orçamento para programas de
combate à fome e à miséria.
No ano passado, embora o governo não tenha cumprido integralmente até 31 de dezembro a
previsão de gastos da lei orçamentária para os 22 programas
que integravam a rede -a execução foi de 90,64%-, o desempenho superou as metas fixadas inicialmente pelo governo.
Um oásis, se comparado com o
desempenho de programas sociais listados pelo Inesc (Instituto
de Estudos Socioeconômicos):
dos investimentos em organização agrária, foram liberados
23,2%; em saneamento, 9,46%;
em habitação, 5,98%.
Para garantir a meta acertada
com o FMI (Fundo Monetário Internacional) de economia de gastos para cobrir parte da conta de
juros, o governo já anunciou cortes de R$ 7,4 bilhões no Orçamento de 2000. Por conta da revisão de
metas do acordo, anunciada na
última quinta-feira, o governo terá de economizar mais R$ 1,4 bilhão, segundo os novos números
do chamado superávit primário.
Agora, nem a rede está livre da
penúria. A ameaça de cortes em
2000 pode ser compreendida na
série de documentos reunidos pela Folha e que põem em xeque o
discurso social do governo Fernando Henrique Cardoso.
No mesmo dia em que o governo anunciava o compromisso de
economia extra nos gastos federais para bancar gastos maiores
com juros, FHC discursava em
Berlim sobre os limites sociais das
políticas de ajuste econômico.
""Nós não queremos ultrapassar
os limites prudentes das políticas
de ajuste", disse o presidente.
Veto
Do discurso à prática, a distância é grande. O FHC do discurso
em Berlim não parece o mesmo
FHC autor do veto ao artigo da última Lei de Diretrizes Orçamentárias que impedia expressamente
cortes de gastos de programas da
Rede de Proteção Social.
O artigo proposto pelo Congresso foi considerado contrário
ao ""interesse público".
Entre as razões apresentadas
para o veto, o Ministério do Planejamento (na época, do Orçamento) sustentou que ""as prioridades de aplicação dos gastos públicos não podem ser dissociadas
das disponibilidades dos recursos
existentes". Dizia também que o
compromisso com a rede ""retira
o comprometimento com o equilíbrio das contas públicas".
A rede de proteção foi institucionalizada no ano passado em
acordo fechado pelo governo com
bancos multilaterais de desenvolvimento -Bird (Banco Mundial)
e o BID (Banco Interamericano de
Desenvolvimento). Destinava-se
a amparar grupos mais ""vulneráveis" da população diante das
consequências do ajuste fiscal,
apoiado financeiramente por essas instituições com empréstimos
de cerca de US$ 3,6 bilhões.
No anexo do acordo com o BID,
o governo se comprometeu a
cumprir metas acordadas de liberação de recursos para a rede em
1999. Para este ano, os termos do
acordo são bastante mais frouxos:
""Será assegurada a sua proteção
na programação do Orçamento
do ano 2000", diz o texto, sem que
novas metas tenham sido estabelecidas. Para 2001, nem sequer
existe compromisso do governo
com essas instituições de preservar parte dos gastos sociais.
Novos planos
Foi diante desse cenário de verbas escassas que FHC encomendou a seus assessores um estudo
para concentrar os recursos em
programas que consigam melhorar mais rapidamente as condições sociais de regiões com IDH
(Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixo. A palavra de
ordem do presidente é mais resultados com menos dinheiro.
O IDH, criado pela ONU (Organização das Nações Unidas), mede o desenvolvimento com base
na expectativa de vida, grau de escolaridade e renda "per capita". É
um dos indicativos mais completos para medir a pobreza.
Reconhecido dentro e fora do
governo como uma das mais eficientes fórmulas de combate à pobreza, o programa de renda mínima pode ganhar um reforço, segundo interlocutores de FHC.
""Reforço" não seria o termo
mais adequado diante da forma
como o programa vem sendo administrado. Embora integre a Rede de Proteção Social, o renda mínima mal decolou no ano passado. Ao final de 1999, o governo
havia liberado menos de 70% dos
recursos previstos no Orçamento
e menos de 3% do dinheiro que
prometera investir para alcançar
a meta de 3 milhões de famílias.
Além do programa de renda
mínima, a rede classifica como
prioritários gastos com merenda
escolar, distribuição de livros escolares, vacinação, saúde da família, pagamento do seguro-desemprego, programas de qualificação
profissional e erradicação do trabalho infantil, entre outros.
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