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ENTREVISTA/SÉRGIO WERLANG
Regime de metas de inflação deve ter ajuste
Para ex-diretor do BC, país deveria se livrar do ano calendário e adotar índice acumulado em 12 meses
PRESTES A completar sete anos, o regime de
metas de inflação já está maduro o suficiente para se ajustar aos padrões internacionais. O economista Sérgio Werlang, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e responsável pela implementação do sistema no Brasil,
afirma que 4,5% é um nível bom de inflação para o
país e defende uma reformulação do modelo brasileiro. "Ficar escravo do ano calendário é muito ruim."
SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em vez de fixar uma meta para o ano calendário, Sérgio
Werlang diz que o país poderia
trabalhar com um valor acumulado em 12 meses que seria
acompanhado mensalmente. A
mudança, defende, poderia ser
anunciada pelo governo na reunião do CMN (Conselho Monetário Nacional) deste mês, para
valer a partir de 2008.
Em entrevista à Folha, Werlang diz que o Brasil desperdiçou a chance de crescer como o
resto do mundo no ano passado. Neste ano, afirma, é impossível o Brasil crescer perto de
5%, e ele considera "muito difícil" até mesmo um valor acima
de 4%, como vem anunciando o
governo. Aposta numa taxa de,
no máximo, 3,5%.
Na avaliação de Werlang, o
Banco Central errou e exagerou na dose dos juros. Deveria
ter subido menos em 2005 e
acelerado os cortes neste ano.
O resultado disso, acredita, é
que a inflação deste ano deverá
ficar abaixo da meta de 4,5%. A
seguir, trechos da entrevista.
FOLHA - Por que o Brasil sofreu
mais entre os emergentes nas últimas semanas?
SÉRGIO WERLANG - Basicamente
por dois problemas. Primeiro
na situação fiscal brasileira
-em que pese o superávit de
4,25% do PIB, que provavelmente será atingido neste
ano- houve piora. O Brasil vinha na faixa de 5% do PIB de
superávit e caiu para 4,25%. E
ainda há certa dúvida se isso será cumprido devido aos aumentos recentes: de aposentados, do salário mínimo, a não
desvinculação do salário mínimo da Previdência Social, o aumento do funcionalismo público. Em segundo, o Brasil tem
muita liquidez. Entre os emergentes, é o que tem maior liquidez.
FOLHA - O país sofre mais porque
foi mais beneficiado com a liquidez
internacional nos últimos anos?
WERLANG - Sim. O mercado onde tem liquidez é onde as pessoas vão primeiro. Nos beneficiamos muito e, agora, sofremos relativamente mais. Ainda
assim não chega a ser um estresse enorme.
FOLHA - Podemos agüentar um solavanco externo?
WERLANG - O que teria impacto
grande no Brasil seria uma diminuição abrupta no preço das
commodities. Isso seria ruim
para a balança comercial e poderia causar desvalorização do
real. Acho que haverá desaceleração da economia americana.
O mundo vai crescer menos,
mas isso não vai causar reversão abrupta das commodities.
FOLHA - A sinalização do BC dos
EUA (Fed) de que o aumento de juros deve ser acima do esperado não
sugere que a acomodação não deverá ser tão suave?
WERLANG - Sinaliza também
que eles estão incertos, o que é
muito útil porque mostra que
não é só quem está olhando de
fora que está em dúvida. Acho
que o juro americano vai continuar subindo e que a economia
americana, em vez de crescer
entre 3,5% e 4%, vai crescer entre 2,5% e 3%. Mas isso não
chega a configurar uma recessão mundial. A China vai continuar crescendo, o preço das
commodities que o Brasil exporta continuará bom.
FOLHA - E o Brasil vai seguir crescendo quanto?
WERLANG - Acho que neste ano
o Brasil vai crescer entre 3% e
3,5%. Com o dado desta semana [PIB divulgado na semana
passada], deverá ficar um pouco mais próximo de 3,5% do
que imaginava. Já no ano que
vem, na faixa de 4%. Com juro
real menor, vamos crescer um
pouco mais e vai ter mais investimento. Será possível o Brasil
crescer no ano que vem mais
que neste ano, mesmo com o
mundo crescendo menos.
FOLHA - O governo fala em crescimento de 4%, 4,5%. Para alguns, pode até se aproximar de 5%.
WERLANG - Não tenho dúvida
que chegar a 5% é impossível.
Acima de 4% é muito difícil.
Basta olhar o ritmo de crescimento e comparar com os mesmos trimestres dos anos anteriores. Pelo mero fato estatístico, é difícil crescer muito mais
do que isso. No ano passado, o
Brasil ficou quase de lado.
FOLHA - O Brasil desperdiçou a boa
fase do cenário externo para crescer
mais como o resto do mundo?
WERLANG - Diria que, no ano
passado, sim. Neste ano, estamos indo razoavelmente bem.
Poderíamos ter diminuído os
juros um pouco mais rápido. O
governo poderia ter ajudado
não subindo os gastos correntes e deixando o superávit primário um pouco mais alto. Em
2005, acho que o BC fez uma
política monetária mais apertada que a que deveria ter feito.
FOLHA - O que sinaliza esse exagero? O fato de a expectativa de inflação estar abaixo da meta?
WERLANG - Acho que sim. Houve uma política monetária mais
forte do que a que eu faria. Uma
das formas de mostrar isso é
ver o crescimento baixo da economia no ano passado. Outra, é
olhar que as expectativas de inflação estão abaixo da meta. Se
não houver reajuste de combustível, a inflação vai ficar
bem abaixo da meta. Se houver
reajuste, dependendo do câmbio, ficará na meta ou um pouco
acima. Não acredito que passe
de 5%, mesmo com o reajuste e
com o câmbio desvalorizado.
FOLHA - Neste ano também há
exagero na política monetária?
WERLANG - Acho que deveria
ter caído mais rápido anteriormente. Essa última medida [redução de 0,5 ponto na Selic],
tendo em vista a turbulência,
provavelmente eu faria igual.
Mas aí já teria ficado mais tempo com a taxa de juros menor.
FOLHA - Com menos reuniões do
Copom neste ano, uma queda de
0,75 ponto percentual não significou uma aceleração no ritmo de
queda dos juros. Com 0,5 ponto de
queda, o BC não está sendo mais
conservador do que era em 2005?
WERLANG - O BC quer chegar
no juro neutro lentamente. Então, cair 0,5 e não 0,75 ponto
percentual é compatível com o
cenário internacional. Eu teria
feito diferente: subido menos
no ano passado e começado a
cair os juros mais cedo e um
pouco mais rápido. Hoje, estaria num nível abaixo do que está agora e há mais tempo. A
queda anterior de 0,75 com a situação que estava na época poderia ter sido maior. O câmbio
estava muito valorizado a despeito das compras [de dólares]
do BC. O BC quer chegar no
4,5% [meta para o IPCA] este
ano com pouco risco. Se ele errar, quer errar para baixo.
FOLHA - A redução do superávit
primário e os reajustes salariais
anunciados pelo governo pesam
nesse comportamento do BC?
WERLANG - Não tenho dúvida
que algum peso isso tem.
FOLHA - Mas ano eleitoral não é
um período em que normalmente
se gasta mais?
WERLANG - Está crescendo
muito o gasto, e não é em investimento. É em gastos de custeio, que são transferências para aposentadoria ou aumento
do funcionalismo público. É
um gasto muito difícil de reverter no futuro. A única forma de
reverter é com inflação.
FOLHA - Como o próximo governo
evitará isso?
WERLANG - O novo governo vai
ter de enfrentar de frente esse
problema de cortar gastos. Se
não acontecer isso, a parte fiscal vai desandar, e isso terá um
impacto muito deletério na
economia. Veríamos uma deterioração contínua do risco Brasil, do mercado cambial, com
desvalorizações e taxas de inflação cada vez maiores. Seja
qual for o governo, no ano que
vem a concentração vai ser no
controle de gastos. Muitas das
medidas tomadas, como o aumento do salário mínimo, valeram a partir do meio do ano.
FOLHA - Como a discussão de mudança na legislação cambial pode
contribuir para melhoria dos indicadores externos?
WERLANG - Na área cambial temos de corrigir de uma vez por
todas as distorções que existem
na economia brasileira. E, se os
juros estiverem tão altos que
continuemos com pressão
grande para apreciação da
moeda, temos que fazer corte
de gastos e intervenções comprando reservas. Tem que fazer
maior integração internacional, diminuir alíquotas de importação e fazer essa limpeza
da legislação cambial. Se não, a
valorização excessiva prejudica
as empresas nacionais.
FOLHA - O câmbio não é flutuante?
Porque o governo deve intervir?
WERLANG - O câmbio é flutuante, mas a política monetária
brasileira tem que ser mais
apertada do que a maioria dos
países pelo fato dela ser menos
eficaz para combater a inflação.
Isso porque os compulsórios
são altos, os empréstimos direcionados dos bancos também,
porque tem muito empréstimo
que não é afetado pela taxa de
juros, como as operações do
BNDES, tem muito título indexado à taxa Selic. Por esses motivos, a política monetária não é
um instrumento muito eficaz,
mas é o único que existe. Então,
tem que subir muito os juros no
curto prazo, e o câmbio acaba
apreciando mais do que outras
moedas, inclusive de países
produtores de commodities.
Não tem jeito. Tem que fazer
intervenção mesmo.
FOLHA - Isso não cria um regime intermediário ao flutuante?
WERLANG - Não. Esse regime
flutuante está flutuando muito
mais que devia. Esse é o ponto.
Isso é mais ou menos OK,
quando a flutuação é para desvalorizar. Pelo menos, as empresas brasileiras acabam vendendo mais e tendo mais demanda. Mas, quando o câmbio
valoriza demais, corre o risco
de causar problema generalizado nas empresas. Temos que
evitar cair nessa armadilha. É
bom valorizar o câmbio no curto prazo, porque controla a inflação. Mas, por outro lado, diminui os empregos no futuro.
FOLHA - Estamos completando sete anos do regime de metas de inflação. Ele é o melhor para o Brasil?
WERLANG - Acho que tem funcionado razoavelmente bem.
Controlou a inflação, agüentou
choques fortíssimos, a inflação
esperada está abaixo da meta
em 12 meses também.
FOLHA - É necessário ajuste?
WERLANG - Acho que é bom fazer uma revisão. É preciso,
principalmente, se livrar do
ano calendário. Ficar escravo
do ano calendário é ruim. É
sempre só um número para dizer se você cumpriu a meta.
FOLHA - Fazer o que nesse caso?
WERLANG - É bom fazer um sistema como o inglês. Na verdade
todos os sistemas de metas de
inflação funcionam assim: olha
se a inflação acumulada em 12
meses está dentro da meta ou
não. A meta é de longo prazo.
Daqui por diante, por exemplo,
a inflação brasileira tem que ser
de 4,5%. Todo mês verifica-se
se o valor acumulado em 12 meses está acima ou abaixo da meta, considerando o intervalo de
mais ou menos dois pontos.
FOLHA - Não é mais difícil?
WERLANG - Não, ao contrário, é
mais fácil. A cobrança é mensal.
Eventuais desvios que possam
vir, o BC age preventivamente.
É perfeitamente possível implantar de imediato. Em 12 meses, a inflação está em 4,6%.
Como o número de maio deve
ser baixo, ficará abaixo de 4,5%.
FOLHA - Inflação de 4,5% ao ano é
o patamar ideal para uma economia
como a brasileira?
WERLANG - Acho esse patamar
bom. Não deveria diminuir.
FOLHA - O intervalo de flutuação
de dois pontos deveria ser alterado?
WERLANG - De jeito nenhum.
Com a quantidade de choques
que a economia brasileira tem,
mudar o intervalo é uma temeridade. Numa economia como
a inglesa, o intervalo é de 1%
[para cima ou para baixo].
FOLHA - É possível fazer esse ajuste
no sistema num ano eleitoral?
WERLANG - Não vejo problema
nenhum fazer esse ajuste neste
ano. Em vez de anunciar a meta
de 2008, poderia anunciar a política de metas de inflação a
partir de 2008. Não teria nenhum efeito ruim.
FOLHA - Qual a vantagem de trabalhar assim?
WERLANG - A vantagem é que a
cobrança é mensal e é mais fácil. Todo mundo já sabe que a
inflação tem de ser 4,5%. Quando um sindicato vai pedir reajuste, sabe que, se pedir mais
que 4,5%, será acima da inflação. Da mesma forma, o empresário que quer reajustar preço
sabe que, se aumentar mais de
4,5%, está acima da inflação. O
número estar na cabeça das
pessoas no longo prazo é ótimo.
Há um controle da economia.
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