São Paulo, segunda-feira, 05 de junho de 2006

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ENTREVISTA/SÉRGIO WERLANG

Regime de metas de inflação deve ter ajuste

Para ex-diretor do BC, país deveria se livrar do ano calendário e adotar índice acumulado em 12 meses

PRESTES A completar sete anos, o regime de metas de inflação já está maduro o suficiente para se ajustar aos padrões internacionais. O economista Sérgio Werlang, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e responsável pela implementação do sistema no Brasil, afirma que 4,5% é um nível bom de inflação para o país e defende uma reformulação do modelo brasileiro. "Ficar escravo do ano calendário é muito ruim."

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em vez de fixar uma meta para o ano calendário, Sérgio Werlang diz que o país poderia trabalhar com um valor acumulado em 12 meses que seria acompanhado mensalmente. A mudança, defende, poderia ser anunciada pelo governo na reunião do CMN (Conselho Monetário Nacional) deste mês, para valer a partir de 2008. Em entrevista à Folha, Werlang diz que o Brasil desperdiçou a chance de crescer como o resto do mundo no ano passado. Neste ano, afirma, é impossível o Brasil crescer perto de 5%, e ele considera "muito difícil" até mesmo um valor acima de 4%, como vem anunciando o governo. Aposta numa taxa de, no máximo, 3,5%. Na avaliação de Werlang, o Banco Central errou e exagerou na dose dos juros. Deveria ter subido menos em 2005 e acelerado os cortes neste ano. O resultado disso, acredita, é que a inflação deste ano deverá ficar abaixo da meta de 4,5%. A seguir, trechos da entrevista.  

FOLHA - Por que o Brasil sofreu mais entre os emergentes nas últimas semanas?
SÉRGIO WERLANG
- Basicamente por dois problemas. Primeiro na situação fiscal brasileira -em que pese o superávit de 4,25% do PIB, que provavelmente será atingido neste ano- houve piora. O Brasil vinha na faixa de 5% do PIB de superávit e caiu para 4,25%. E ainda há certa dúvida se isso será cumprido devido aos aumentos recentes: de aposentados, do salário mínimo, a não desvinculação do salário mínimo da Previdência Social, o aumento do funcionalismo público. Em segundo, o Brasil tem muita liquidez. Entre os emergentes, é o que tem maior liquidez.

FOLHA - O país sofre mais porque foi mais beneficiado com a liquidez internacional nos últimos anos?
WERLANG
- Sim. O mercado onde tem liquidez é onde as pessoas vão primeiro. Nos beneficiamos muito e, agora, sofremos relativamente mais. Ainda assim não chega a ser um estresse enorme.

FOLHA - Podemos agüentar um solavanco externo?
WERLANG
- O que teria impacto grande no Brasil seria uma diminuição abrupta no preço das commodities. Isso seria ruim para a balança comercial e poderia causar desvalorização do real. Acho que haverá desaceleração da economia americana. O mundo vai crescer menos, mas isso não vai causar reversão abrupta das commodities.

FOLHA - A sinalização do BC dos EUA (Fed) de que o aumento de juros deve ser acima do esperado não sugere que a acomodação não deverá ser tão suave?
WERLANG
- Sinaliza também que eles estão incertos, o que é muito útil porque mostra que não é só quem está olhando de fora que está em dúvida. Acho que o juro americano vai continuar subindo e que a economia americana, em vez de crescer entre 3,5% e 4%, vai crescer entre 2,5% e 3%. Mas isso não chega a configurar uma recessão mundial. A China vai continuar crescendo, o preço das commodities que o Brasil exporta continuará bom.

FOLHA - E o Brasil vai seguir crescendo quanto?
WERLANG
- Acho que neste ano o Brasil vai crescer entre 3% e 3,5%. Com o dado desta semana [PIB divulgado na semana passada], deverá ficar um pouco mais próximo de 3,5% do que imaginava. Já no ano que vem, na faixa de 4%. Com juro real menor, vamos crescer um pouco mais e vai ter mais investimento. Será possível o Brasil crescer no ano que vem mais que neste ano, mesmo com o mundo crescendo menos.

FOLHA - O governo fala em crescimento de 4%, 4,5%. Para alguns, pode até se aproximar de 5%.
WERLANG
- Não tenho dúvida que chegar a 5% é impossível. Acima de 4% é muito difícil. Basta olhar o ritmo de crescimento e comparar com os mesmos trimestres dos anos anteriores. Pelo mero fato estatístico, é difícil crescer muito mais do que isso. No ano passado, o Brasil ficou quase de lado.

FOLHA - O Brasil desperdiçou a boa fase do cenário externo para crescer mais como o resto do mundo?
WERLANG
- Diria que, no ano passado, sim. Neste ano, estamos indo razoavelmente bem. Poderíamos ter diminuído os juros um pouco mais rápido. O governo poderia ter ajudado não subindo os gastos correntes e deixando o superávit primário um pouco mais alto. Em 2005, acho que o BC fez uma política monetária mais apertada que a que deveria ter feito.

FOLHA - O que sinaliza esse exagero? O fato de a expectativa de inflação estar abaixo da meta?
WERLANG
- Acho que sim. Houve uma política monetária mais forte do que a que eu faria. Uma das formas de mostrar isso é ver o crescimento baixo da economia no ano passado. Outra, é olhar que as expectativas de inflação estão abaixo da meta. Se não houver reajuste de combustível, a inflação vai ficar bem abaixo da meta. Se houver reajuste, dependendo do câmbio, ficará na meta ou um pouco acima. Não acredito que passe de 5%, mesmo com o reajuste e com o câmbio desvalorizado.

FOLHA - Neste ano também há exagero na política monetária?
WERLANG
- Acho que deveria ter caído mais rápido anteriormente. Essa última medida [redução de 0,5 ponto na Selic], tendo em vista a turbulência, provavelmente eu faria igual. Mas aí já teria ficado mais tempo com a taxa de juros menor.

FOLHA - Com menos reuniões do Copom neste ano, uma queda de 0,75 ponto percentual não significou uma aceleração no ritmo de queda dos juros. Com 0,5 ponto de queda, o BC não está sendo mais conservador do que era em 2005?
WERLANG
- O BC quer chegar no juro neutro lentamente. Então, cair 0,5 e não 0,75 ponto percentual é compatível com o cenário internacional. Eu teria feito diferente: subido menos no ano passado e começado a cair os juros mais cedo e um pouco mais rápido. Hoje, estaria num nível abaixo do que está agora e há mais tempo. A queda anterior de 0,75 com a situação que estava na época poderia ter sido maior. O câmbio estava muito valorizado a despeito das compras [de dólares] do BC. O BC quer chegar no 4,5% [meta para o IPCA] este ano com pouco risco. Se ele errar, quer errar para baixo.

FOLHA - A redução do superávit primário e os reajustes salariais anunciados pelo governo pesam nesse comportamento do BC?
WERLANG
- Não tenho dúvida que algum peso isso tem.

FOLHA - Mas ano eleitoral não é um período em que normalmente se gasta mais?
WERLANG
- Está crescendo muito o gasto, e não é em investimento. É em gastos de custeio, que são transferências para aposentadoria ou aumento do funcionalismo público. É um gasto muito difícil de reverter no futuro. A única forma de reverter é com inflação.

FOLHA - Como o próximo governo evitará isso?
WERLANG
- O novo governo vai ter de enfrentar de frente esse problema de cortar gastos. Se não acontecer isso, a parte fiscal vai desandar, e isso terá um impacto muito deletério na economia. Veríamos uma deterioração contínua do risco Brasil, do mercado cambial, com desvalorizações e taxas de inflação cada vez maiores. Seja qual for o governo, no ano que vem a concentração vai ser no controle de gastos. Muitas das medidas tomadas, como o aumento do salário mínimo, valeram a partir do meio do ano.

FOLHA - Como a discussão de mudança na legislação cambial pode contribuir para melhoria dos indicadores externos?
WERLANG
- Na área cambial temos de corrigir de uma vez por todas as distorções que existem na economia brasileira. E, se os juros estiverem tão altos que continuemos com pressão grande para apreciação da moeda, temos que fazer corte de gastos e intervenções comprando reservas. Tem que fazer maior integração internacional, diminuir alíquotas de importação e fazer essa limpeza da legislação cambial. Se não, a valorização excessiva prejudica as empresas nacionais.

FOLHA - O câmbio não é flutuante? Porque o governo deve intervir?
WERLANG
- O câmbio é flutuante, mas a política monetária brasileira tem que ser mais apertada do que a maioria dos países pelo fato dela ser menos eficaz para combater a inflação. Isso porque os compulsórios são altos, os empréstimos direcionados dos bancos também, porque tem muito empréstimo que não é afetado pela taxa de juros, como as operações do BNDES, tem muito título indexado à taxa Selic. Por esses motivos, a política monetária não é um instrumento muito eficaz, mas é o único que existe. Então, tem que subir muito os juros no curto prazo, e o câmbio acaba apreciando mais do que outras moedas, inclusive de países produtores de commodities. Não tem jeito. Tem que fazer intervenção mesmo.

FOLHA - Isso não cria um regime intermediário ao flutuante?
WERLANG
- Não. Esse regime flutuante está flutuando muito mais que devia. Esse é o ponto. Isso é mais ou menos OK, quando a flutuação é para desvalorizar. Pelo menos, as empresas brasileiras acabam vendendo mais e tendo mais demanda. Mas, quando o câmbio valoriza demais, corre o risco de causar problema generalizado nas empresas. Temos que evitar cair nessa armadilha. É bom valorizar o câmbio no curto prazo, porque controla a inflação. Mas, por outro lado, diminui os empregos no futuro.

FOLHA - Estamos completando sete anos do regime de metas de inflação. Ele é o melhor para o Brasil?
WERLANG
- Acho que tem funcionado razoavelmente bem. Controlou a inflação, agüentou choques fortíssimos, a inflação esperada está abaixo da meta em 12 meses também.

FOLHA - É necessário ajuste?
WERLANG
- Acho que é bom fazer uma revisão. É preciso, principalmente, se livrar do ano calendário. Ficar escravo do ano calendário é ruim. É sempre só um número para dizer se você cumpriu a meta.

FOLHA - Fazer o que nesse caso?
WERLANG
- É bom fazer um sistema como o inglês. Na verdade todos os sistemas de metas de inflação funcionam assim: olha se a inflação acumulada em 12 meses está dentro da meta ou não. A meta é de longo prazo. Daqui por diante, por exemplo, a inflação brasileira tem que ser de 4,5%. Todo mês verifica-se se o valor acumulado em 12 meses está acima ou abaixo da meta, considerando o intervalo de mais ou menos dois pontos.

FOLHA - Não é mais difícil?
WERLANG
- Não, ao contrário, é mais fácil. A cobrança é mensal. Eventuais desvios que possam vir, o BC age preventivamente. É perfeitamente possível implantar de imediato. Em 12 meses, a inflação está em 4,6%. Como o número de maio deve ser baixo, ficará abaixo de 4,5%.

FOLHA - Inflação de 4,5% ao ano é o patamar ideal para uma economia como a brasileira?
WERLANG
- Acho esse patamar bom. Não deveria diminuir.

FOLHA - O intervalo de flutuação de dois pontos deveria ser alterado?
WERLANG
- De jeito nenhum. Com a quantidade de choques que a economia brasileira tem, mudar o intervalo é uma temeridade. Numa economia como a inglesa, o intervalo é de 1% [para cima ou para baixo].

FOLHA - É possível fazer esse ajuste no sistema num ano eleitoral?
WERLANG
- Não vejo problema nenhum fazer esse ajuste neste ano. Em vez de anunciar a meta de 2008, poderia anunciar a política de metas de inflação a partir de 2008. Não teria nenhum efeito ruim.

FOLHA - Qual a vantagem de trabalhar assim?
WERLANG
- A vantagem é que a cobrança é mensal e é mais fácil. Todo mundo já sabe que a inflação tem de ser 4,5%. Quando um sindicato vai pedir reajuste, sabe que, se pedir mais que 4,5%, será acima da inflação. Da mesma forma, o empresário que quer reajustar preço sabe que, se aumentar mais de 4,5%, está acima da inflação. O número estar na cabeça das pessoas no longo prazo é ótimo. Há um controle da economia.


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