São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2006

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ELIO GASPARI

Alckmin, Lula e as formigas da Guiana

Em matéria de segurança, os candidatos se perderam na floresta, mas acham que estão no caminho certo

NA NOITE em que chegou a 45 o número de policiais e agentes penitenciários assassinados em São Paulo em menos de dois meses, o candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin, disse que enfrentará a crise da segurança criando um conselho. Mais um. Logo Alckmin, legatário do mingau em que se transformou a segurança dos agentes da ordem pública no Estado que governou por cinco anos. Para se ter uma idéia do que significam 45 mortos em 60 dias, em toda a década de 1920, quando o crime organizado parecia controlar Nova York, morreram 57 policiais. Número inédito, nunca igualado. (O "choque de gestão" de Alckmin arrisca derrubar essa marca antes de outubro.)
A fala pausada, numérica e oca do grão-tucano é apenas um dos aspectos da ruína. O outro é o triunfalismo de Luís 15, na versão Inácio: "Antes de mim, o dilúvio. Depois de mim, outro dilúvio". Alckmin não quer explicar por que sua política de gatilho rápido resultou em insegurança. Lula quer ficar a léguas de distância do tema. É preferível entender que o governador Cláudio Lembo tem razão: ou o andar de cima se mexe, ou o que vai mal haverá de piorar. Ou há segurança para todo mundo, ou não há para ninguém.
No mercado financeiro existe uma expressão banal para designar multidões que correm numa direção, sem saber direito o porquê. É o "efeito manada". Pensando bem, a manada pode ser sábia. Quem fugiu do dólar de R$ 1,20 da ekipekonômica tucana de bobo não tinha nada. O que o andar de cima nacional faz em matéria de segurança parece mais com as formigas de Kartabo, na floresta da Guiana. De repente, uma delas perde o caminho e vai adiante. As outras, disciplinadas, vão atrás. Quando um naturalista observou esse fenômeno, elas percorriam um círculo com 365 metros de extensão. Levavam duas horas e meia para completá-lo, recomeçando-o ao longo de todo um dia. A maioria morria. A manada vai atropeladamente para não se sabe onde. As formigas da Guiana vão calmamente para onde estavam.
Outro dia o "Jornal Nacional" mostrou a família de um agente penitenciário abandonando uma casa pobre, de poucos móveis, porque a bandidagem deu-lhe um prazo, ao fim do qual iria matá-la. Causou a mesma perplexidade que a desclassificação da Arábia Saudita. Não ocorre ao andar de cima mobilizar-se para mostrar aos bandidos que nunca mais uma família de um agente da ordem será desestruturada por falta de apoio. De quem? Das guildas patronais que gastam os tubos em pesquisas eleitorais, dos bancos que fazem obras sociais nos espaços nobres da publicidade, dos magnatas que andam com o papagaio do Estado mínimo no ombro. Enfim, de quem achar que não lhe fica bem ajeitar o meião quando Zidane centra para Henry.
O que falta em matéria de segurança é raça. Alguém que diga: a família do agente penitenciário que foi obrigada a deixar sua casa recebeu um apartamento e nele viverá o tempo que for necessário. Mais: as famílias de servidores públicos mortos pelos bandidos terão suas dívidas imobiliárias quitadas e seus filhos receberão bolsas de estudo até o último ano do curso superior. É complicado de fazer? Sem dúvida, por isso a formiga número 2 foi atrás da número 1.


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