São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2001

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SUCESSÃO NO ESCURO

Tribunal aponta irregularidades em obra do megaconjunto habitacional Nova Sepetiba, no Rio

TCE vê problemas em "vitrine" de Garotinho

MARCELO BERABA
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

ANTONIO CARLOS DE FARIA
DA SUCURSAL DO RIO

O TCE (Tribunal de Contas do Estado) encontrou diversas irregularidades nas licitações, contratos e obras do maior projeto social do governador Anthony Garotinho (PSB): o megaconjunto habitacional Nova Sepetiba, zona oeste do Rio, onde está prevista a construção de 10 mil casas populares. A obra é um dos trunfos que Garotinho quer mostrar em sua campanha para se viabilizar como candidato a presidente.
Foram examinados dois contratos da Nova Sepetiba (para 2.577 casas), ambos ganhos pela construtora paranaense Grande Piso. Os dois têm problemas.
O mesmo processo do TCE identificou irregularidades em dois outros contratos com a mesma construtora e em quatro outros contratos de prestação de serviços firmados pela Cehab (Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro) na gestão do deputado estadual Eduardo Cunha (PPB-RJ). O TCE enviou notificações para 12 funcionários e ex-funcionários da Cehab para que se defendam e justifiquem, até 26 de agosto, as irregularidades.
Entre os notificados está Eduardo Cunha, que fez parte do grupo do ex-presidente Fernando Collor e que hoje produz o programa de Garotinho para a rádio evangélica Melodia FM. Cunha foi presidente da Cehab entre 10 de setembro de 1999 e 10 de abril de 2000, quando foi afastado do cargo.
O TCE levou 16 meses para concluir as apurações e expedir as notificações. O processo que determinou a inspeção extraordinária na Cehab foi aprovado pelo tribunal em 14 de março do ano passado. A inspeção foi feita em seguida, entre 4 de abril e 12 de maio.
Os dois primeiros editais de licitação para Nova Sepetiba foram enviados para o TCE tardiamente, depois que a Grande Piso já tinha sido indicada vencedora, o que contraria as normas do tribunal. Por esta razão, a comissão de inspeção extraordinária chegou a propor aos conselheiros que fossem paralisadas as obras até as correções, o que nunca ocorreu.
Na parte relativa às licitações, a inspeção extraordinária do TCE encontrou 13 problemas no edital de concorrência para a construção do lote de 1.300 casas. A concorrência foi ganha, em janeiro de 2000, pela empresa paranaense Construtora Grande Piso Ltda. Diante de várias denúncias surgidas na época e da comprovação de que não tinha condições para tocar as obras, o contrato foi suspenso, e a empresa substituída.
A Grande Piso chegou a ganhar, na época, quatro concorrências: além de duas em Nova Sepetiba (num total de 2.577 casas), foi escolhida para erguer conjuntos populares em Acari (800 casas) e Barra Mansa (48 casas).
A inspeção do TCE constatou vários problemas nas documentações da empresa, entre eles a adulteração da certidão negativa de tributos estaduais. O documento teve sua data de validade alterada de 16 de janeiro de 2000 para 16 de fevereiro para que a empresa pudesse participar de outra concorrência, para a construção de 800 casas em Acari.
Em Nova Sepetiba, o TCE identificou, em um dos setores de casas já construídas, material utilizado de qualidade inferior ao especificado no contrato.
Em outra obra iniciada pela Grande Piso, em Barra Mansa, para construir 48 casas populares, constatou-se que "as obras estão sendo realizadas em desacordo com as especificações" e que "o projeto estrutural desenvolvido [..." não é adequado ao uso a que se destina, podendo provocar situações de risco e insegurança aos futuros usuários [..."."
Nessa mesma obra foi relatado que estavam sendo empregados materiais em desacordo com as normas técnicas previstas em lei e que foram atestadas "medições irregulares e indevidas no valor total de R$ 193.238,23".
O relatório final do TCE não explica a diferença de preços entre as duas concorrências ganhas pela Grande Piso em Nova Sepetiba. Na primeira concorrência, cada casa, de 29,81 m2, foi contratada por R$ 7.715; na segunda, as casas do mesmo tamanho e construídas pela mesma empresa, foram orçadas em R$ 10.469, uma diferença de 36%.
Em um dos contratos de prestação de serviços questionados, o TCE identificou uma grande diferença de preços praticados pela Caci (Central de Administração de Créditos Imobiliários S/A), contratada para regularizar a carteira de créditos da Cehab junto ao Fundo de Compensação das Variações Salariais, administrado pela Caixa Econômica Federal.
A Caci cobrava R$ 64 por contrato de mutuário analisado enquanto, segundo o relatório, o preço máximo era R$ 25.
Na época a Caci era representada em uma das licitações da Cehab por Jorge Osvaldo La Salvia, ex-procurador de Paulo César Farias durante o governo Collor.
O TCE retém desde dezembro de 2000 o edital de licitação para os serviços de drenagem, pavimentação e urbanização das ruas de Nova Sepetiba. Os serviços foram orçados em R$ 3.763.577,46 pelo DER (Fundação Departamento de Estradas de Rodagem).
O fato de esse edital ainda não ter sido aprovado não impediu o TCE de autorizar a expansão do conjunto habitacional. Duas concorrências feitas pela Cehab no primeiro semestre escolheram as empreiteiras Delta e Andrade Valadares para construir mais 7.423 casas. A Delta vai receber R$ 55,8 milhões, e a Andrade Valadares, R$ 34,3 milhões.



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