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ENTREVISTA DA 2ª
Para economistas, "Brasil caminha para a inadimplência"
"País precisa de US$ 40 bi do FMI", dizem analistas
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
O FMI precisa abrir os cofres ao
Brasil. Do contrário, o país vai
mergulhar numa crise econômica
de longa duração, arrastando
consigo toda a América Latina. O
Brasil necessita de, no mínimo,
US$ 40 bilhões, segundo os economistas Carlos Quenan e Luis
Miotti, ambos analistas de conjuntura da América Latina do
banco estatal francês CDC-Ixis,
uma das maiores instituições financeiras européias.
"A situação de fim de governo
de Fernando Henrique Cardoso
não facilita a concretização de um
novo acordo. Pode acontecer, porém, que, com o aumento da crise
na América Latina e o contexto
tornando-se um pouco explosivo,
acabe ocorrendo uma mudança
da política do FMI", diz Quenan.
O acordo com o FMI será capital para restabelecer a confiança
dos investidores no Brasil, hoje
bastante deteriorada."Os mercados consideram que as condições
estão dadas para que haja uma
moratória", diz Miotti.
Quenan e Miotti, ambos com 47
anos, são argentinos e vivem há
quase 20 anos na França. O primeiro é também professor na
Universidade Paris-3, o segundo
na Paris-8. Estão entre as principais autoridades em economia latino-americana na França. Juntos,
são responsáveis pelas análises a
respeito desse continente para o
Serviço de Estudos Econômicos e
Financeiros do CDC-Ixis.
As avaliações que Quenan e
Miotti realizam servem para informar e aconselhar não apenas o
"staff" do banco estatal, mas também órgãos do governo francês e
a iniciativa privada. O CPC-Ixis
controla no Brasil a Caixa Seguros, por meio da CNP Assurances.
Miotti e Quenan redigiram há
cerca de um mês um estudo sobre
a conjuntura brasileira, que chamaram de "Terminal do Brasil?"
aludindo ao filme de Walter Salles
e ao estado crítico da economia.
Nele, argumentam que o país tem
meios de superar um "choque
transitório", mas não de suportar
um "choque durável". Escrevem
que "o peso crescente da dívida, e
a incapacidade de refinanciamento, são ameaças reais" para o futuro econômico do Brasil e que a
moratória "permanece possível".
Um dos agravantes da crise, para ambos, é a situação eleitoral
-agora mais nebulosa com a escalada de Ciro Gomes. "Chegamos a um ponto em que, aparentemente, não vemos qual dos candidatos é mais próximo e qual é
mais distante do mercado. Há investidores que julgam Ciro pior
ainda do que Lula", diz Quenan.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por ele e Miotti,
nos escritórios do CPC-Ixis, em
Paris.
Folha - Por que vocês chamaram a
sua análise sobre a economia brasileira de "Terminal do Brasil"? A
economia brasileira está em fase
terminal?
Luis Miotti - Não, não acreditamos que esteja numa fase terminal. No momento, o Brasil vive
um choque financeiro transitório,
mas que corre o risco de se transformar num choque durável.
Nosso diagnóstico é que há muitas incertezas e que a resolução da
crise não depende só do Brasil.
Depende do mercado internacional, dos Estados Unidos, do FMI,
da situação dos países vizinhos e
do clima político no Brasil.
Folha - Quais as conclusões da nova análise que vocês estão fazendo
sobre o país?
Carlos Quenan - Há sobretudo
um agravamento da situação, infelizmente. O que se temia, a degradação das variáveis financeiras, está se acentuando e já começa a produzir efeitos sobre a dívida externa do setor privado e também sobre a dívida pública interna. Isso piora as fragilidades estruturais da economia brasileira:
a necessidade elevada de financiamento externo e o peso da dívida
pública interna.
Há também um agravamento
da falta de visibilidade política. Há
um mês, estávamos numa situação em que Lula poderia ganhar, e
talvez mantivesse os acordos com
o mercado. Agora não se sabe
mais o que pode acontecer: se é
ele ou se é Ciro Gomes. O mercado não gosta desta incerteza.
Folha - O que ainda está evitando
que a economia brasileira tenha
um choque de tipo durável?
Miotti - O Brasil tem um superávit primário, e o Banco Central
continua confiável. Mas nos surpreenderam muito desagradavelmente as declarações de Paul
O'Neill, secretário do Tesouro
americano. Foi uma atitude irresponsável.
Folha - Vocês escreveram que os
investidores passaram a temer
uma moratória do Brasil. É por isso
que os bancos estrangeiros estão
secando o crédito para as empresas
brasileiras?
Miotti - Sim, claro. Os mercados
consideram que as condições estão dadas para que haja uma moratória, que se traduz por um risco muito elevado. Isso significa
que o governo brasileiro viu o financiamento internacional ser
cortado completamente e que
agora toda empresa privada brasileira não tem mais acesso ao
mercado internacional.
Folha - Se um investidor francês
vem até vocês para saber se deve
ou não emprestar a brasileiros, o
que dizem?
Miotti - Dizemos que ele não
empreste, porque as incertezas fazem com que tenhamos medo do
pior, mesmo se a crise parece até o
momento transitória. Mas não se
pode excluir uma moratória no
Brasil. Há todas as condições no
país para que isso aconteça. Para
as empresas privadas, isso poderá
ocorrer brevemente. Para o Estado brasileiro, ainda não.
Quenan - Está claro que o empréstimo a um empresário brasileiro implicaria em rendimentos
elevados, mas a isso corresponde
um risco muito elevado. Em termos do setor privado, grosso modo, há uma grande reticência face
a um país que tem uma forte tendência à moratória, embora ela
não seja inevitável. Aqui, na Europa, há uma importante inquietação a respeito da situação brasileira. Nos países mais próximos da
problemática sul-americana, como a Espanha, são numerosas as
empresas e autoridades políticas
que pensam estar havendo um fenômeno regional de contágio a
partir da crise argentina.
Folha - Que tipo de contágio?
Quenan - Digamos que não é um
contágio financeiro puro, do tipo
observado no momento da crise
russa -um contágio pelo credor
comum, quer dizer, o mercado financeiro. Também não há um
efeito de contágio comercial importante no Brasil, como ocorre
no Uruguai, do qual a Argentina é
um parceiro comercial decisivo e
onde, por exemplo, a receita do
turismo caiu pela metade. Então,
a crise argentina afeta o Brasil sobretudo por uma ruptura de antecipações. Se a Argentina entrou
em insolvência, porque não o
Brasil?
Folha - As novas negociações do
Brasil com o FMI podem acalmar os
investidores e restabelecer a confiança no país?
Miotti - Não, porque infelizmente o Tesouro americano não está
demonstrando uma vontade firme de ajudar.
Quenan - Vê-se que a posição do
Tesouro americano e do FMI é de
não dar mais ajudas automaticamente, como fizeram no passado.
Eles não irão colocar US$ 40 bilhões na mesa, como foi feito para
o México ou para a Rússia.
Folha - O que fazer então para recompor a confiança no Brasil?
Miotti - É preciso continuar a
manter uma certa disciplina, tal
como foi lançada pelo Banco Central. É preciso tentar acalmar os
mercados, na medida do possível,
mesmo se o grosso das incertezas
provém do campo político, e não
necessariamente da política econômica. É necessário sobretudo
um novo acordo com o FMI.
Quenan - Deveria ser um acordo de maior volume que correspondesse ao raciocínio simples
que diz que "problemas de dinheiro se resolvem com dinheiro"
-o que no Brasil pode funcionar,
pois é um caso diferente da Argentina, que é um país em insolvência e afetado por uma grande
crise de credibilidade. Em vista do
perigo atual, seria preciso que o
Brasil recebesse US$ 40 bilhões,
US$ 50 bilhões.
Folha - Sua análise "Terminal do
Brasil?" discute os efeitos de um
segundo turno entre Lula e José
Serra. O que mudaria se o confronto for entre Lula e Ciro Gomes?
Miotti - Não mudaria muita coisa. O quer quer o mercado? Ele
quer continuidade, pois assim os
investidores estarão seguros de
que os contratos não serão rompidos.
Folha - Ciro causa menos inquietação no mercado do que Lula?
Miotti - Causa um pouco menos
que Lula, mas não sabemos realmente o que ele pretende. Uma
vez que a engrenagem da desconfiança foi ativada fica muito difícil
conseguir estancá-la.
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