São Paulo, segunda-feira, 05 de agosto de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Para economistas, "Brasil caminha para a inadimplência"

"País precisa de US$ 40 bi do FMI", dizem analistas

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

O FMI precisa abrir os cofres ao Brasil. Do contrário, o país vai mergulhar numa crise econômica de longa duração, arrastando consigo toda a América Latina. O Brasil necessita de, no mínimo, US$ 40 bilhões, segundo os economistas Carlos Quenan e Luis Miotti, ambos analistas de conjuntura da América Latina do banco estatal francês CDC-Ixis, uma das maiores instituições financeiras européias.
"A situação de fim de governo de Fernando Henrique Cardoso não facilita a concretização de um novo acordo. Pode acontecer, porém, que, com o aumento da crise na América Latina e o contexto tornando-se um pouco explosivo, acabe ocorrendo uma mudança da política do FMI", diz Quenan.
O acordo com o FMI será capital para restabelecer a confiança dos investidores no Brasil, hoje bastante deteriorada."Os mercados consideram que as condições estão dadas para que haja uma moratória", diz Miotti.
Quenan e Miotti, ambos com 47 anos, são argentinos e vivem há quase 20 anos na França. O primeiro é também professor na Universidade Paris-3, o segundo na Paris-8. Estão entre as principais autoridades em economia latino-americana na França. Juntos, são responsáveis pelas análises a respeito desse continente para o Serviço de Estudos Econômicos e Financeiros do CDC-Ixis.
As avaliações que Quenan e Miotti realizam servem para informar e aconselhar não apenas o "staff" do banco estatal, mas também órgãos do governo francês e a iniciativa privada. O CPC-Ixis controla no Brasil a Caixa Seguros, por meio da CNP Assurances.
Miotti e Quenan redigiram há cerca de um mês um estudo sobre a conjuntura brasileira, que chamaram de "Terminal do Brasil?" aludindo ao filme de Walter Salles e ao estado crítico da economia. Nele, argumentam que o país tem meios de superar um "choque transitório", mas não de suportar um "choque durável". Escrevem que "o peso crescente da dívida, e a incapacidade de refinanciamento, são ameaças reais" para o futuro econômico do Brasil e que a moratória "permanece possível".
Um dos agravantes da crise, para ambos, é a situação eleitoral -agora mais nebulosa com a escalada de Ciro Gomes. "Chegamos a um ponto em que, aparentemente, não vemos qual dos candidatos é mais próximo e qual é mais distante do mercado. Há investidores que julgam Ciro pior ainda do que Lula", diz Quenan.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por ele e Miotti, nos escritórios do CPC-Ixis, em Paris.

Folha - Por que vocês chamaram a sua análise sobre a economia brasileira de "Terminal do Brasil"? A economia brasileira está em fase terminal?
Luis Miotti -
Não, não acreditamos que esteja numa fase terminal. No momento, o Brasil vive um choque financeiro transitório, mas que corre o risco de se transformar num choque durável. Nosso diagnóstico é que há muitas incertezas e que a resolução da crise não depende só do Brasil. Depende do mercado internacional, dos Estados Unidos, do FMI, da situação dos países vizinhos e do clima político no Brasil.

Folha - Quais as conclusões da nova análise que vocês estão fazendo sobre o país?
Carlos Quenan -
Há sobretudo um agravamento da situação, infelizmente. O que se temia, a degradação das variáveis financeiras, está se acentuando e já começa a produzir efeitos sobre a dívida externa do setor privado e também sobre a dívida pública interna. Isso piora as fragilidades estruturais da economia brasileira: a necessidade elevada de financiamento externo e o peso da dívida pública interna.
Há também um agravamento da falta de visibilidade política. Há um mês, estávamos numa situação em que Lula poderia ganhar, e talvez mantivesse os acordos com o mercado. Agora não se sabe mais o que pode acontecer: se é ele ou se é Ciro Gomes. O mercado não gosta desta incerteza.

Folha - O que ainda está evitando que a economia brasileira tenha um choque de tipo durável?
Miotti -
O Brasil tem um superávit primário, e o Banco Central continua confiável. Mas nos surpreenderam muito desagradavelmente as declarações de Paul O'Neill, secretário do Tesouro americano. Foi uma atitude irresponsável.

Folha - Vocês escreveram que os investidores passaram a temer uma moratória do Brasil. É por isso que os bancos estrangeiros estão secando o crédito para as empresas brasileiras?
Miotti -
Sim, claro. Os mercados consideram que as condições estão dadas para que haja uma moratória, que se traduz por um risco muito elevado. Isso significa que o governo brasileiro viu o financiamento internacional ser cortado completamente e que agora toda empresa privada brasileira não tem mais acesso ao mercado internacional.

Folha - Se um investidor francês vem até vocês para saber se deve ou não emprestar a brasileiros, o que dizem?
Miotti -
Dizemos que ele não empreste, porque as incertezas fazem com que tenhamos medo do pior, mesmo se a crise parece até o momento transitória. Mas não se pode excluir uma moratória no Brasil. Há todas as condições no país para que isso aconteça. Para as empresas privadas, isso poderá ocorrer brevemente. Para o Estado brasileiro, ainda não.

Quenan - Está claro que o empréstimo a um empresário brasileiro implicaria em rendimentos elevados, mas a isso corresponde um risco muito elevado. Em termos do setor privado, grosso modo, há uma grande reticência face a um país que tem uma forte tendência à moratória, embora ela não seja inevitável. Aqui, na Europa, há uma importante inquietação a respeito da situação brasileira. Nos países mais próximos da problemática sul-americana, como a Espanha, são numerosas as empresas e autoridades políticas que pensam estar havendo um fenômeno regional de contágio a partir da crise argentina.

Folha - Que tipo de contágio?
Quenan -
Digamos que não é um contágio financeiro puro, do tipo observado no momento da crise russa -um contágio pelo credor comum, quer dizer, o mercado financeiro. Também não há um efeito de contágio comercial importante no Brasil, como ocorre no Uruguai, do qual a Argentina é um parceiro comercial decisivo e onde, por exemplo, a receita do turismo caiu pela metade. Então, a crise argentina afeta o Brasil sobretudo por uma ruptura de antecipações. Se a Argentina entrou em insolvência, porque não o Brasil?

Folha - As novas negociações do Brasil com o FMI podem acalmar os investidores e restabelecer a confiança no país?
Miotti -
Não, porque infelizmente o Tesouro americano não está demonstrando uma vontade firme de ajudar.

Quenan - Vê-se que a posição do Tesouro americano e do FMI é de não dar mais ajudas automaticamente, como fizeram no passado. Eles não irão colocar US$ 40 bilhões na mesa, como foi feito para o México ou para a Rússia.

Folha - O que fazer então para recompor a confiança no Brasil?
Miotti -
É preciso continuar a manter uma certa disciplina, tal como foi lançada pelo Banco Central. É preciso tentar acalmar os mercados, na medida do possível, mesmo se o grosso das incertezas provém do campo político, e não necessariamente da política econômica. É necessário sobretudo um novo acordo com o FMI.

Quenan - Deveria ser um acordo de maior volume que correspondesse ao raciocínio simples que diz que "problemas de dinheiro se resolvem com dinheiro" -o que no Brasil pode funcionar, pois é um caso diferente da Argentina, que é um país em insolvência e afetado por uma grande crise de credibilidade. Em vista do perigo atual, seria preciso que o Brasil recebesse US$ 40 bilhões, US$ 50 bilhões.

Folha - Sua análise "Terminal do Brasil?" discute os efeitos de um segundo turno entre Lula e José Serra. O que mudaria se o confronto for entre Lula e Ciro Gomes?
Miotti -
Não mudaria muita coisa. O quer quer o mercado? Ele quer continuidade, pois assim os investidores estarão seguros de que os contratos não serão rompidos.

Folha - Ciro causa menos inquietação no mercado do que Lula?
Miotti -
Causa um pouco menos que Lula, mas não sabemos realmente o que ele pretende. Uma vez que a engrenagem da desconfiança foi ativada fica muito difícil conseguir estancá-la.


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