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FORÇAS ARMADAS
Integrantes de patentes mais baixas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica vendem pastel, caldo-de-cana e picolé
Militares fazem "bicos" para sobreviver
ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO
A necessidade de cortar despesas para se adequar ao orçamento
reduzido, como aconteceu com as
Forças Armadas, já é bem conhecida no dia-a-dia dos militares e
dos funcionários civis do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Para tentar compensar a perda
de poder aquisitivo, funcionários
e militares de patentes mais baixas apelam para "bicos" fora do
horário de expediente.
Em quase todas as ruas do conjunto habitacional Promorar
-onde vivem militares e civis
que pagam taxa de ocupação à
Fundação Habitacional do Exército- é comum encontrar placas
anunciando venda de picolés,
corte de cabelos ou preparo de
salgadinhos. O conjunto fica em
Deodoro, bairro que abriga a Vila
Militar do Exército.
De noite e nos fins de semana, o
comércio ganha o reforço de militares e de seus familiares, que vendem espetos de frango empanado, caldo-de-cana e pastéis.
Como é o caso de Marina de
Souza, 40. No início do ano, ela
decidiu com o marido, cabo do
Exército há 26 anos, apostar na
venda de pastéis e de caldo de cana para complementar a renda.
"Há 20 anos meu marido ganhava o equivalente a 15 salários
mínimos. Hoje, o salário bruto
dele é de seis salários mínimos.
Antes, nós tínhamos condições de
sair para se divertir e comer uma
pizza. Hoje, o tempo de lazer que
temos é para vender caldo-de-cana e pastel", afirma Marina.
A cerca de três metros da barraca de Marina fica a de Elaine Pereira, 38, e a do marido, sargento
há 20 anos.
A venda de espetinhos de frango empanado acrescenta cerca de
R$ 200 no orçamento bruto da família, que é de R$ 1.200.
A necessidade de encontrar outras fontes de renda para complementar o salário não é exclusividade dos militares com salários
mais baixos.
Inadimplência
No Parque Residencial Piraquara (Realengo, zona oeste), conjunto construído pelo Exército, a dívida do condomínio de 498 apartamentos chega a quase R$ 500
mil, o que equivale a seis meses de
arrecadação dos R$ 170 cobrados
por apartamento.
Em outro condomínio no bairro, construído pela Aeronáutica, a
síndica América Martins, 47, conta que a taxa de inadimplência já
chegou a 60%. O sonho de seguir
a carreira militar, que representava a garantia de um padrão de vida elevado e seguro quando o marido de América entrou para a Aeronáutica, hoje é vetado pela família. "Minha filha veio nos dizer
que queria seguir carreira, mas fomos contra. Não vale a pena", diz.
A perda de poder aquisitivo foi
agravada nos últimos dois anos
principalmente para os militares
com salários mais baixos e que recebiam muitos benefícios.
Em 2000, o presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou
aumento médio de 28,23% no salário dos militares, sendo que os
maiores reajustes foram para oficiais de patentes mais altas.
Junto com o aumento, no entanto, veio o corte de benefícios,
como a licença especial, a ascensão de posto quando da passagem
para a reserva e o adicional para
oficial com curso universitário.
O governo passou também a
descontar 7,5% de pensão militar,
3,5% de assistência médica e 1,5%
de pensão vitalícia para filhas.
A insatisfação de parte dos militares, principalmente dos inativos, com a política orçamentária
do governo federal para as Forças
Armadas garantiu a eleição no
Rio do deputado federal Jair Bolsonaro (PPB) que, em 1999, chegou a dizer que FHC deveria ser
fuzilado "pelo crime que está cometendo contra o país."
Para o presidente do Clube Militar, general Luiz Gonzaga Lessa, o
achatamento salarial dos militares é agravado pelo fato de a
maioria pertencer à classe média.
"Somos integrantes da classe
média. As estatísticas mostram
que essa classe foi a que mais sofreu com a inflação nos últimos
anos".
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