São Paulo, segunda-feira, 05 de agosto de 2002

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FORÇAS ARMADAS

Integrantes de patentes mais baixas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica vendem pastel, caldo-de-cana e picolé

Militares fazem "bicos" para sobreviver

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

A necessidade de cortar despesas para se adequar ao orçamento reduzido, como aconteceu com as Forças Armadas, já é bem conhecida no dia-a-dia dos militares e dos funcionários civis do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
Para tentar compensar a perda de poder aquisitivo, funcionários e militares de patentes mais baixas apelam para "bicos" fora do horário de expediente.
Em quase todas as ruas do conjunto habitacional Promorar -onde vivem militares e civis que pagam taxa de ocupação à Fundação Habitacional do Exército- é comum encontrar placas anunciando venda de picolés, corte de cabelos ou preparo de salgadinhos. O conjunto fica em Deodoro, bairro que abriga a Vila Militar do Exército.
De noite e nos fins de semana, o comércio ganha o reforço de militares e de seus familiares, que vendem espetos de frango empanado, caldo-de-cana e pastéis.
Como é o caso de Marina de Souza, 40. No início do ano, ela decidiu com o marido, cabo do Exército há 26 anos, apostar na venda de pastéis e de caldo de cana para complementar a renda.
"Há 20 anos meu marido ganhava o equivalente a 15 salários mínimos. Hoje, o salário bruto dele é de seis salários mínimos. Antes, nós tínhamos condições de sair para se divertir e comer uma pizza. Hoje, o tempo de lazer que temos é para vender caldo-de-cana e pastel", afirma Marina.
A cerca de três metros da barraca de Marina fica a de Elaine Pereira, 38, e a do marido, sargento há 20 anos.
A venda de espetinhos de frango empanado acrescenta cerca de R$ 200 no orçamento bruto da família, que é de R$ 1.200.
A necessidade de encontrar outras fontes de renda para complementar o salário não é exclusividade dos militares com salários mais baixos.

Inadimplência
No Parque Residencial Piraquara (Realengo, zona oeste), conjunto construído pelo Exército, a dívida do condomínio de 498 apartamentos chega a quase R$ 500 mil, o que equivale a seis meses de arrecadação dos R$ 170 cobrados por apartamento.
Em outro condomínio no bairro, construído pela Aeronáutica, a síndica América Martins, 47, conta que a taxa de inadimplência já chegou a 60%. O sonho de seguir a carreira militar, que representava a garantia de um padrão de vida elevado e seguro quando o marido de América entrou para a Aeronáutica, hoje é vetado pela família. "Minha filha veio nos dizer que queria seguir carreira, mas fomos contra. Não vale a pena", diz.
A perda de poder aquisitivo foi agravada nos últimos dois anos principalmente para os militares com salários mais baixos e que recebiam muitos benefícios.
Em 2000, o presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou aumento médio de 28,23% no salário dos militares, sendo que os maiores reajustes foram para oficiais de patentes mais altas.
Junto com o aumento, no entanto, veio o corte de benefícios, como a licença especial, a ascensão de posto quando da passagem para a reserva e o adicional para oficial com curso universitário.
O governo passou também a descontar 7,5% de pensão militar, 3,5% de assistência médica e 1,5% de pensão vitalícia para filhas.
A insatisfação de parte dos militares, principalmente dos inativos, com a política orçamentária do governo federal para as Forças Armadas garantiu a eleição no Rio do deputado federal Jair Bolsonaro (PPB) que, em 1999, chegou a dizer que FHC deveria ser fuzilado "pelo crime que está cometendo contra o país."
Para o presidente do Clube Militar, general Luiz Gonzaga Lessa, o achatamento salarial dos militares é agravado pelo fato de a maioria pertencer à classe média.
"Somos integrantes da classe média. As estatísticas mostram que essa classe foi a que mais sofreu com a inflação nos últimos anos".


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