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ANÁLISE
Reforma não corrige principais distorções
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O próprio governo reconhece
que sua reforma tributária -o
projeto do gênero que mais avançou no Congresso desde a Constituição de 1988- está longe de ser
suficiente para corrigir as principais distorções apontadas pelos
especialistas no sistema brasileiro
de impostos.
Serão atenuados, na melhor das
hipóteses, problemas como carga
tributária excessiva, sonegação,
concentração de tributos sobre a
atividade produtiva, indução à
concentração de renda, complexidade e conflitos entre União, Estados e municípios pela partilha das
receitas. De todos, o mais falado é
o da carga tributária: de toda a
renda nacional, cerca de 36%, ou
R$ 474 bilhões em 2002, vão para
os cofres públicos.
O patamar está mais próximo
do adotado no mundo desenvolvido, onde os serviços públicos
são mais amplos e de melhor qualidade, que da prática nos países
de renda semelhante à do Brasil,
onde a receita fica na casa dos
25% do Produto Interno Bruto.
Trata-se de algo que, assumidamente, a reforma não se propõe a
enfrentar. Os governos federal,
estaduais e municipais, altamente
endividados, estão mais interessados, isso sim, em equilibrar seus
caixas.
Mais receita
Para a União, a principal preocupação é prorrogar até 2007 a
CPMF; para os Estados, espera-se
que a nova legislação do ICMS
eleve a receita do tributo de R$ 100
bilhões para R$ 110 bilhões
anuais; para os municípios, propõe-se a regularização de taxas
destinadas à limpeza e à iluminação públicas.
A maior parte dos analistas concorda que a arrecadação tende a
subir. O governo admite a possibilidade, mas argumenta que o
ganho será resultado da redução
de brechas utilizadas por pessoas
e empresas para escapar dos impostos.
Para isso, a reforma trata tanto
de regras mais gerais -uma legislação nacional para o ICMS
destinada a simplificar a cobrança
do tributo e reduzir o emaranhado de incentivos e benefícios estaduais- quanto de detalhes como
explicitar na Constituição que o
IPVA vale também para veículos
aquáticos e aéreos.
A argumentação do governo
evidencia que a carga tributária
real supera os tão falados 36% do
PIB. Ou seja, a reforma pode elevar o poder de arrecadação dos
mais de 50 impostos, taxas e contribuições já existentes.
Conta para o consumidor
Como o Brasil, um país de baixa
renda, conseguiu chegar a uma
carga tão alta? A resposta é outra
distorção do sistema: em vez de
concentrar a tributação sobre a
renda e os lucros, como é padrão,
o país se voltou para tributos sobre a produção e o consumo
-que são repassados aos contribuintes embutidos nos preços das
mercadorias e serviços.
Tal estratégia criou um embaraço econômico: os produtos brasileiros tendem a perder, na competição internacional, para os de
países onde a carga sobre as empresas é menor.
E uma injustiça: como os tributos escondidos nos preços são
iguais para todas as classes sociais, os 10% mais pobres perdem
cerca de 25% de sua renda com
eles, enquanto os 10% mais ricos,
pouco mais de 10%.
A reforma tributária traz poucas soluções: como não se pode
abrir mão de receita e desonerar
de fato a produção nacional, optou-se por estender aos produtos
importados a cobrança de contribuições sociais existentes no Brasil, como a Cofins e o PIS -em
vez de baratear a produção nacional, encarece-se a estrangeira.
Máquinas e cesta básica
Há mais duas medidas para beneficiar os empresários: o fim da
cumulatividade (a incidência em
todas as etapas da produção) da
Cofins e a redução ou eliminação
do IPI sobre máquinas e equipamentos, ambas dependendo de
legislação posterior.
Para os mais pobres, prevê-se
que a menor alíquota do ICMS incidirá sobre a cesta básica e medicamentos de uso popular, com a
possibilidade de eventual isenção.
Tudo isso, porém, fica na dependência de leis complementares de
difícil negociação, em razão do
medo dos Estados de perder receita.
(GUSTAVO PATÚ)
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