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São Paulo, sexta-feira, 05 de setembro de 2003

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ANÁLISE

Reforma não corrige principais distorções

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O próprio governo reconhece que sua reforma tributária -o projeto do gênero que mais avançou no Congresso desde a Constituição de 1988- está longe de ser suficiente para corrigir as principais distorções apontadas pelos especialistas no sistema brasileiro de impostos.
Serão atenuados, na melhor das hipóteses, problemas como carga tributária excessiva, sonegação, concentração de tributos sobre a atividade produtiva, indução à concentração de renda, complexidade e conflitos entre União, Estados e municípios pela partilha das receitas. De todos, o mais falado é o da carga tributária: de toda a renda nacional, cerca de 36%, ou R$ 474 bilhões em 2002, vão para os cofres públicos.
O patamar está mais próximo do adotado no mundo desenvolvido, onde os serviços públicos são mais amplos e de melhor qualidade, que da prática nos países de renda semelhante à do Brasil, onde a receita fica na casa dos 25% do Produto Interno Bruto.
Trata-se de algo que, assumidamente, a reforma não se propõe a enfrentar. Os governos federal, estaduais e municipais, altamente endividados, estão mais interessados, isso sim, em equilibrar seus caixas.

Mais receita
Para a União, a principal preocupação é prorrogar até 2007 a CPMF; para os Estados, espera-se que a nova legislação do ICMS eleve a receita do tributo de R$ 100 bilhões para R$ 110 bilhões anuais; para os municípios, propõe-se a regularização de taxas destinadas à limpeza e à iluminação públicas.
A maior parte dos analistas concorda que a arrecadação tende a subir. O governo admite a possibilidade, mas argumenta que o ganho será resultado da redução de brechas utilizadas por pessoas e empresas para escapar dos impostos.
Para isso, a reforma trata tanto de regras mais gerais -uma legislação nacional para o ICMS destinada a simplificar a cobrança do tributo e reduzir o emaranhado de incentivos e benefícios estaduais- quanto de detalhes como explicitar na Constituição que o IPVA vale também para veículos aquáticos e aéreos.
A argumentação do governo evidencia que a carga tributária real supera os tão falados 36% do PIB. Ou seja, a reforma pode elevar o poder de arrecadação dos mais de 50 impostos, taxas e contribuições já existentes.

Conta para o consumidor
Como o Brasil, um país de baixa renda, conseguiu chegar a uma carga tão alta? A resposta é outra distorção do sistema: em vez de concentrar a tributação sobre a renda e os lucros, como é padrão, o país se voltou para tributos sobre a produção e o consumo -que são repassados aos contribuintes embutidos nos preços das mercadorias e serviços.
Tal estratégia criou um embaraço econômico: os produtos brasileiros tendem a perder, na competição internacional, para os de países onde a carga sobre as empresas é menor.
E uma injustiça: como os tributos escondidos nos preços são iguais para todas as classes sociais, os 10% mais pobres perdem cerca de 25% de sua renda com eles, enquanto os 10% mais ricos, pouco mais de 10%.
A reforma tributária traz poucas soluções: como não se pode abrir mão de receita e desonerar de fato a produção nacional, optou-se por estender aos produtos importados a cobrança de contribuições sociais existentes no Brasil, como a Cofins e o PIS -em vez de baratear a produção nacional, encarece-se a estrangeira.

Máquinas e cesta básica
Há mais duas medidas para beneficiar os empresários: o fim da cumulatividade (a incidência em todas as etapas da produção) da Cofins e a redução ou eliminação do IPI sobre máquinas e equipamentos, ambas dependendo de legislação posterior.
Para os mais pobres, prevê-se que a menor alíquota do ICMS incidirá sobre a cesta básica e medicamentos de uso popular, com a possibilidade de eventual isenção. Tudo isso, porém, fica na dependência de leis complementares de difícil negociação, em razão do medo dos Estados de perder receita. (GUSTAVO PATÚ)


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