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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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FISCO EM CRISE

Leonardo Couto deixa órgão após ter conversas telefônicas com auditor revelados; episódio agrava tensão interna

Gravação faz adjunto se demitir da Receita

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O secretário-adjunto da Receita Federal Leonardo Couto pediu exoneração do cargo na sexta-feira, após tomar conhecimento de gravações feitas pela Polícia Federal de conversa que teve com outro auditor, Flávio Correa, na qual há ameaças ao corregedor-geral da Receita, Moacir Leão. A revista "Época" e a TV Globo divulgaram as gravações.
Couto se disse vítima de "um movimento, talvez de pessoas ou de setores da Receita", para desestabilizar a cúpula da Receita. Três meses atrás o corregedor Moacir Leão abriu processo administrativo contra o secretário-adjunto.
Na conversa com Franco Correa, gravada pela Polícia Federal com autorização judicial, os dois usaram palavras e expressões fortes contra Leão. Em um dos trechos, Franco Correa reproduziu para Couto um diálogo que tivera com um terceiro auditor, Edson Pedrosa, desafeto confesso de Moacir Leão, segundo a "Época". "Para ele [Edson], o cara lá, o corregedor, é um filho da puta, né? Um cara [...] que é um mal, que tem que atirar, tem que atirar no cara, tem que levar um tiro na cabeça", transcreveu a "Época".
O Ministério da Fazenda convocou coletiva de imprensa ontem para Couto explicar o motivo de seu pedido de exoneração, que foi aceito. Disse que deixa o cargo para não comprometer a isenção da apuração dos fatos. Afirmou também que sua decisão foi tomada para não prejudicar a imagem da Receita, do Ministério da Fazenda nem da Presidência da República.
Couto disse que em nenhum momento usou a expressão "dar um tiro na cabeça", que a frase era do auditor Edson Pedrosa e que havia sido reproduzida por Franco Correa. Mas Couto também usou palavras duras, segundo a transcrição da revista. "Talvez o Edson não perceba isso, quer dizer, a gente tem o maior interesse em dar uma porrada no cara [Leão], não sabe?", disse Couto.
A conversa foi gravada como parte das investigações feitas pela Receita e pela Polícia Federal sobre o esquema de corrupção de funcionários da Receita e do INSS no Rio que recebiam propina para apagar multas milionárias devidas por empresas.
Couto também supervisionava a área de Inteligência da Receita. Moacir Leão identificou correspondência eletrônica de um ex-chefe interino da Inteligência na qual afirmava ter recebido ordem de Couto para que a Inteligência rechaçasse pedidos de investigação da Corregedoria. Por isso, Leão abriu a ação contra Couto, que negou ter envolvimento no caso do esquema de corrupção no Rio. Disse que qualquer associação nesse sentido é "absurda".
Ele explicou que procurou Franco Correa para ajudá-lo na defesa contra o processo, pois o auditor, além de seu amigo, teria amplos conhecimentos de direito e de funcionamento da Receita. Segundo Couto, a conversa ocorreu quase três meses atrás. "Portanto não tem nada a ver com as investigações no Rio, que são importantíssimas e têm de ser apuradas até o fim." Afirmou que as expressões usadas foram no sentido figurado, que jamais qualquer um deles ameaçaria de morte o corregedor -que teve sua segurança reforçada após informar que sofrera ameaças.
Ele não soube dizer quem seriam as pessoas interessadas em desestabilizar a cúpula da Receita nem os motivos. Mas disse que o secretário da Receita, Jorge Rachid, seria o alvo desse movimento. Se disse indignado com a gravação das conversas e afirmou que a divulgação, além de ilegal, só poderia ter sido motivada por interesses "espúrios". O ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, nomeou uma comissão de procuradores da Fazenda para dar prosseguimento ao processo administrativo aberto contra Couto. As gravações feitas pela PF serão anexadas ao processo.

Disputa
De fato há uma forte disputa hoje na Receita. De um lado está um grupo que ficou contrariado pelo fato de Palocci ter mantido toda a cúpula da Receita que veio da gestão do ex-secretário Everardo Maciel, a começar por Rachid, que era o braço direito de Everardo. Desse lado, estariam auditores ligados ao sindicato da categoria e o pessoal da Corregedoria. De outro, Rachid e seus adjuntos.
Mas a disputa na Receita envolve outros interesses também. Desde fevereiro, Moacir Leão abriu quatro inquéritos para apurar suspeitas de enriquecimento ilícito e tentativa de atrapalhar o trabalho da Corregedoria (o caso de Leonardo Couto).
Um dos inquéritos envolve o próprio Rachid, que participou de uma autuação contra a construtura OAS no passado cuja multa caiu de R$ 1,1 bilhão para R$ 25 milhões. O inquérito apura falhas na fiscalização da OAS. Outro inquérito apura o enriquecimento ilícito de Sandro Martins, que até poucos meses atrás estava lotado no gabinete de Rachid.


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