São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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Pesquisas nortearam ataque a privatização, afirma João Santana

Para marqueteiro de Lula, tucanos erraram ao evitar debate e não apontar resultados positivos da venda de empresas estatais

Ele nega a intenção de trabalhar para governo e revela uso de "telefone vermelho" para contatos com campanha adversária

DO ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Neste trecho de sua entrevista à Folha, o marqueteiro político João Santana revela que a abordagem depreciativa das privatizações feitas pelo PSDB "não surgiu por acaso nem foi fruto de uma intuição temporária". Também afirma que não aceitará nem disputará contas de publicidade estatais federais. (FERNANDO RODRIGUES).  

FOLHA - Como foi definida a abordagem a respeito do tema das privatizações?
JOÃO SANTANA
- Esse é um tema riquíssimo, que foi muito bem pensado. Nós tínhamos alinhado alguns dos temas de intensa fragilidade e de imensa comoção política. Estava em primeiro lugar a privatização. Não usamos no primeiro turno porque não houve necessidade.

FOLHA - A forma como o assunto foi usado não se prestou a deseducar o eleitor? Propagou-se a noção de que a privatização em si é algo ruim...
SANTANA
- Foi deseducativo de acordo com determinado ideário. Para o "consenso de Washington", sim. No Brasil, para alguns setores, revigorou-se um sentimento cívico. Não faço juízo de valor, mas o fato é que a privatização se apresenta no imaginário brasileiro com uma série de emoções políticas.

FOLHA - Quais eram essas emoções?
SANTANA
- Primeiro, há um eixo cívico-épico-estatizante que vem de Getúlio Vargas, com a campanha "o petróleo é nosso". O outro eixo são as "tramas obscuras". Não quero questionar como foram feitas as privatizações no governo FHC, mas o fato é que ficou, na cabeça das pessoas, como se algo obscuro tivesse ocorrido. Foi erro de comunicação do governo FHC, que poderia ter vendido o benefício das privatizações de maneira mais clara. No caso da telefonia, teve um sucesso fabuloso. As pessoas estão aí usando os telefones.

FOLHA - Não é desonesto se beneficiar de uma idéia geral que vigora na sociedade? Algo que possivelmente o próprio presidente da República sabe que não é a verdade completa?
SANTANA
- Não. Eu trabalho com o imaginário da população. Em uma campanha, nós trabalhamos com produções simbólicas. Não considero que exista aí desonestidade, pois o tema foi, pelo menos, discutido. É bom que a população fale e reflita sobre esses temas. No primeiro turno, analisando as pesquisas, eu vi que essa discussão poderia ser retomada. Enxerguei ali um "monstro vivo" que poderia ser jogado.

FOLHA - Mas, se foi apenas uma tática para encurralar o adversário, fica então reforçada a tese de que houve uma certa desonestidade intelectual. Ou, para usar a expressão do candidato do PSDB, uma "mentirobrás"?
SANTANA
- Não é bem assim. O presidente não foi reeleito por causa da polêmica sobre privatização. O fato é que o adversário teve a chance de responder, mas não o fez. Tivesse ele uma resposta pronta, objetiva, o impacto teria sido reduzido. Alckmin poderia mostrar objetivamente o uso de telefones, de computadores, de internet.

FOLHA - Pelo que o sr. diz, não houve desonestidade porque o candidato tucano se recusou a responder?
SANTANA
- Podemos dizer que houve duas fugas de debate extremamente negativas por parte dos dois candidatos. A de Lula, no primeiro turno, quando não foi ao debate promovido pela Rede Globo. A segunda quando Alckmin não quis debater a privatização.

FOLHA - Do seu lado, não houve um exagero na forma como foi abordada pejorativamente a privatização?
SANTANA
- Eleição é disputa de poder. É um combate quase sanguinário. Para ter espaço, é preciso dar um empurrão, um solavanco numa pessoa. Usar um tema como privatização é muito mais honesto do que tentar assacar contra a honra do outro candidato, como Lula foi atacado injustamente.

FOLHA - José Serra teria sido um adversário mais difícil?
SANTANA
- Tenho dúvidas. Acho que Alckmin foi muito bem no primeiro turno. Serra talvez fosse melhor que Alckmin no segundo turno, no momento em que a campanha embicou para a discussão mais programática e ideológica. Se campanha fosse igual a futebol, o Serra deveria ter saído do banco no segundo tempo.

FOLHA - A regra tem sido publicitários vitoriosos acompanharem o político no governo. Quais são os seus planos?
SANTANA
- Não vou disputar nenhuma conta de publicidade no governo federal. Mas quero manter, se for de interesse do presidente, a relação de consultor, como fui no ano passado. Pode ser algo remunerado por hora técnica. O que não quero é conta milionária nem cargo dentro do governo.

FOLHA - Qual foi o custo total da campanha petista?
SANTANA
- Só posso falar da área de propaganda e marketing. O contrato da minha empresa, envolvendo os dois turnos, foi de cerca de R$ 13,750 milhões, envolvendo TV, rádio, internet, criação gráfica e planejamento estratégico.

FOLHA - Por que a imagem de marqueteiros políticos é, em geral, tão negativa?
SANTANA
- É a dificuldade de entender o que é persuasão e o que é manipulação. Há um limite entre essas ações e muita confusão desde a Grécia Antiga. No século 19, surgiu o estudo da psicologia das massas, pela ótica patológica. Na França, Gustave Le Bon [1841-1931] dizia que a multidão era a escória, uma massa uniforme e objeto das manipulações mais vis. A partir daí, vem uma série de interpretações sociais deformadas. Cesare Lombroso [1835-1909], na Itália foi outro caso. A interpretação enviesada do marketing político deriva também dessas outras visões deformadas da sociedade. Detratores da publicidade política-eleitoral acham que só manipulamos e que a massa é imbecil. Por isso cito a Grécia. Sólon [poeta e legislador] dizia que o ateniense isolado era uma raposa astuta, e, em massa, um bando de ovelhas. Vem de longe essa visão equivocada da relação com as massas.

FOLHA - O sr. falou com o publicitário de Alckmin, Luiz González, durante a campanha?
SANTANA
- Tínhamos uma espécie de telefone vermelho, para situações de crise. Mas só usamos para discutir debates e entrevistas, dos nossos candidatos. Liguei, também, para esclarecer uma versão absurda, supostamente divulgada por tucanos, de que o presidente Lula teria usado ponto eletrônico no debate da TV Record.


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