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ENTREVISTA D. CLÁUDIO HUMMES
D. Cláudio diz que buscou harmonia entre progressistas e conservadores
Recém-nomeado para o Vaticano, cardeal defende que a igreja seja mais eficiente e que leve em conta o progresso da ciência
NEM CONSERVADOR nem progressista.
Eficiente. Esse discurso e essa prática incomuns na Igreja Católica levaram d.
Cláudio Hummes, 72, a ser nomeado, na
última terça, para um posto-chave na estrutura do Vaticano, após oito anos à frente da Arquidiocese de São
Paulo: o de cardeal prefeito -uma espécie de "ministro" do papa- da Congregação para o Clero, encarregada de mais de 400 mil padres em todo o mundo.
Na entrevista, diz que a igreja deve ser mais eficiente
e dá exemplos da preocupação com o tema num balanço de sua atuação em São Paulo, como na crise da
PUC. Apresentando-se como um gestor tão preocupado com os resultados como com as políticas empregadas, traça sua diferença em relação a religiosos ligados
às CEBs (Comunidades Eclesiais de Base).
O fato de destoar é comum na sua trajetória. Quando foi bispo da Diocese de Santo André nos anos 70 e
conheceu o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva (de quem é amigo), d. Cláudio era tido como progressista que, diferente dos seus pares, não discordava
do Vaticano em termos de doutrina. Com o passar dos
anos, tornou-se o moderado adepto da boa gestão.
Leia trechos da entrevista. 0
(LEANDRO BEGUOCI E RAFAEL CARIELLO)
FOLHA - Como foi substituir d. Paulo Evaristo Arns, que teve uma atuação marcante à frente da Arquidiocese de São Paulo?
DOM CLÁUDIO HUMMES - Desde o
início, disse que não vinha para
ser outro d. Paulo, por mais que
houvesse expectativas. Eu reconhecia o grande trabalho de
d. Paulo. Com muito respeito,
queria continuar aquilo que
achava que deveria, mas também tomando a liberdade de
trazer novas iniciativas.
FOLHA - Com d. Paulo, a igreja
apoiou as CEBs, os progressistas. Hoje, percebe-se um equilíbrio entre
eles e os movimentos mais conservadores, como a Renovação Carismática Católica. O sr. se preocupou
em harmonizar essas forças?
D. CLÁUDIO - Sim. Desde o começo. Não quero fazer comparações nem comentários sobre
d. Paulo, que admiro muito e
sempre admirei. Mas sempre
achei que era muito importante dar espaço a todos dentro da
igreja. Queria que todos se aceitassem. Como se diz no jargão,
desde o extremo, digamos,
mais conservador, até o outro,
digamos, mais progressista.
FOLHA - O sr. sofreu alguma pressão para manter ou mudar a atuação da arquidiocese?
D. CLÁUDIO - Não, embora a gente soubesse, claro, que havia desejos diferentes dentro da arquidiocese.
FOLHA - Qual avaliação o sr. faz
dessa harmonização?
D. CLÁUDIO - Depois de dois
anos, os bispos-auxiliares que
tinham trabalhado com d. Paulo receberam suas dioceses e eu
pude escolher. Bem, escolher,
não. Pude propor a escolha de
novos auxiliares, porque quem
escolhe é sempre o papa. Mas
pude propor nomes para os novos auxiliares. E essa equipe foi
muito boa, muitos deles com ligações pastorais já antigas, com
movimentos ou então com pastoral social. Senti que houve
uma aceitação grande de que se
desse chance a todos eles.
Os movimentos, por exemplo, têm dado um primeiro impulso missionário porque vêm
com esse intuito de converter
pessoas ou trazer católicos
afastados para dentro da igreja.
Eles têm nos ajudado a pensar
sobre a evasão de católicos para
outras igrejas.
Aqueles que tinham mais
contato com as questões sociais
também ajudaram. Porque tudo isso continua a funcionar,
existe uma multidão de CEBs
trabalhando. Continuamos como igreja junto dos pobres.
FOLHA - Além da abertura, o que
mais o sr. criou na arquidiocese?
D. CLÁUDIO - Criamos os Seminários da Caridade para tentar
revisitar a sociedade toda, mas
sobretudo a periferia pobre.
Fizemos isso não apenas de
uma forma amadorística, improvisada. Queríamos fazer
uma aproximação mais científica, mais objetiva. Por isso procuramos parcerias com universidades, técnicos, sociólogos,
com a prefeitura, para que eles
nos dissessem como a igreja
poderia contribuir mais.
Esse seminário construiu
mapas da pobreza em São Paulo, oito mapas que depois foram
publicados em vários subsídios.
Depois, foram levados às nossas comunidades para que elas
analisassem tudo de novo, as
suas obras sociais.
FOLHA - E os centros de apoio ao
trabalhador?
D. CLÁUDIO - Isso surgiu porque
vimos que uma das grandes
causas da pobreza era a falta de
emprego. E isso estava um pouco dentro da minha história,
desde o ABC.
Decidimos então criar também um centro de atendimento ao trabalhador que fosse
uma intermediação de mão-de-obra. Abrimos unidades na periferia para estarmos mais perto desses desempregados, mas
tudo com uma estrutura tecnológica nova, modernizada.
Fizemos parceria com o governo federal para que ele arcasse com os custos, e nós, com o trabalho. Isso já foi no final do
governo Fernando Henrique
Cardoso, que nos acolheu muito bem. Depois o Lula se entusiasmou muito. O Banco do Brasil financiou os custos.
FOLHA - É muito novo esse uso da
técnica científica na igreja?
D. CLÁUDIO - É novo usar um
trabalho científico que não seja
apenas reunir a comunidade na
periferia, perguntar o que pensam e depois tirar conclusões.
FOLHA - Isso que o sr. está descrevendo é a proposta das CEBs?
D. CLÁUDIO - Sim.
FOLHA - O sr. deu um "choque de
gestão" nas CEBs?
D. CLÁUDIO - Sim, a gente teve
que fazer um pouco isso, o que
certamente ajudou a avançar
na contribuição à periferia.
FOLHA - O sr. acha que a igreja tem
que se preocupar com eficiência?
D. CLÁUDIO - Tem. A igreja deve
ser eficiente no sentido de ter
um juízo formado a partir de
bases objetivas, científicas.
Tem de levar em conta o progresso da ciência, das técnicas
para solucionar os problemas.
Isso aconteceu nos seminários aqui de São Paulo, como
também na PUC. Toda a crise
em torno da PUC aconteceu
quando fomos torná-la mais
moderna na sua administração,
mas sem perder a sua excelência acadêmica, porque a PUC é
uma grife acadêmica.
A PUC vai ganhar com uma
administração mais moderna,
mais eficiente, menos perdulária e menos dispersa. Essa
preocupação de dar um instrumental mais científico, mais
moderno, mais técnico, isso a
igreja tem que vir assimilando,
e ela está fazendo.
Embora a gente não deva entender que os resultados na
igreja sejam obtidos só com eficiência. Porque vida de fé e a
adesão a Jesus Cristo é também
um processo pessoal que você
às vezes não atinge e nem deve
pretender atingir com a eficiência científica e tecnológica.
FOLHA - O papa Bento 16 diz que é
preciso buscar a verdade, condenando o relativismo. Como o sr. conciliou essa postura com a abertura da
arquidiocese para várias correntes?
D. CLÁUDIO - Hoje, falta uma
paixão pela verdade nas questões que são exatamente as
questões mais profundas do ser
humano, as questões mais fundamentais do sentido da existência. A igreja sempre diz isso:
nós devemos progredir no conhecimento da verdade.
A igreja não pára em um certo momento e se petrifica. A
igreja fala de uma evolução dos
dogmas. Quando novas coisas
são vistas, elas devem ser integradas nessa verdade fundamental que já se conquistou.
FOLHA - Isso aconteceu no caso dos
divorciados?
D. CLÁUDIO - Hoje se sabe que
muitos casamentos nunca existiram em termos católicos. O
que estamos fazendo é encaminhar esses casais aos tribunais
eclesiásticos para examinar caso a caso. Isso antigamente não
existia. Agora, um casamento
que foi válido no começo nunca
poderá ser invalidado pela igreja. A igreja ajuda esses casais a
entender que eles não estão fora da igreja, embora não possam comungar. Mas eles podem participar do restante.
FOLHA - Entre os motivos apontados para a ida do sr. ao Vaticano está
a diminuição do número de homossexuais na arquidiocese. Essa foi
uma preocupação do sr. quando virou arcebispo de São Paulo?
D. CLÁUDIO - A orientação da
igreja é que nós devemos fazer
uma seleção rigorosa. A igreja
respeita quem tem essa tendência porque isso, em geral,
não depende de escolha. A igreja respeita isso e tudo mais, mas
ela não aceita a prática do homossexualismo.
Tenho que ter isso claro
quando faço a seleção para o seminário. Procuramos orientar
os que têm tendência ao homossexualismo para que procurem outra vocação. Porque
muitas vezes lá adiante haverá
problemas de novo. Então, na
verdade houve essa redução.
FOLHA - Que é a avaliação do sr. sobre o governo Lula?
D. CLÁUDIO - Penso que o Lula
não podia deixar de fazer uma
consolidação da economia.
Exatamente para não ficar um
país excluído dessa grande globalização, por mais que isso
também custasse um certo preço. Preço até mesmo social.
E aí foi o nosso grande sofrimento das opções. Você tinha
um preço imediato, social, mas
que depois você podia ganhar
de forma melhor. Claro que todos nós lamentávamos os custos, um desemprego grande.
Acho que agora Lula pode
construir mais, depois de, como ele mesmo diz, ter feito a
base mais sólida. Mas deve fazer com certa ousadia, com certa coragem. Ele deve construir algo mais que simplesmente
uma assistência aos pobres,
porque o povo quer trabalho, e
dar trabalho é o maior desafio
de Lula. O Bolsa Família é um
programa que deve ser continuado enquanto houver pobres. Mas o que não pode é ser transformado em uma cultura
assistencialista.
FOLHA - No auge dos escândalos
de corrupção do governo, Lula lhe ligou para se aconselhar?
D. CLÁUDIO - Nunca houve telefonema entre nós sobre essas
questões. Mas tenho estado
com ele algumas vezes, o tenho
encorajado sim, claro.
Ele sabe que uma coisa é a
igreja, e outra é o governo. Lula
sempre disse isso. Eu discursei
na assembléia de fundação da
CUT, mas, na fundação do PT,
não fui. Lula mesmo dizia para
eu não ir porque o PT não quer
a igreja como braço nem quer
ser braço da igreja.
FOLHA - Como o sr. viu os escândalos do governo?
D. CLÁUDIO - O Lula é um homem muito ético. Tudo indica
que ele não participou diretamente do que houve. Essa é
uma convicção que tenho por
aquilo que eu conheço do Lula.
Isso não significa que ele não
deva responder por certas coisas, porque há responsabilidades comuns que vêm pelo cargo que ocupa. Todos nós ficamos
extremamente chocados. Os
problemas foram uma enorme
decepção para mim.
FOLHA - Os adversários de Lula dizem que a sua votação mostra que o
povo tolera a corrupção. O que o sr.
acha dessa idéia? Está errada?
D. CLÁUDIO - Não. A questão ética tem que ser trabalhada sempre, e se trabalha com exemplo,
com discurso, teorizando a
questão. Não creio que houve
no Brasil, de repente, um retrocesso. Nós nos demos conta de
que há um caminho a ser feito
nessa questão de uma consciência ética maior. Houve abusos de alguns setores.
Nós vimos os políticos dando um péssimo exemplo à sociedade. Isso
é grave. Também esperamos
que haja uma apuração plena
de tudo isso. Que haja punição,
porque a impunidade mostra
que não se dá atenção à ética.
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