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São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2003

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ANÁLISE

Texto conjunto dá novo peso a posição conhecida

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Nada de Alca ou OMC, ou ainda a condenação do neocolonialismo militarista dos Estados Unidos feita na ONU. As cinco linhas referentes ao Iraque assinadas em conjunto ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ditador Bashar al Assad podem acabar virando uma grande dor de cabeça estratégica para o Brasil.
Não que a posição do Itamaraty, presumivelmente a do presidente, não fosse conhecida. Mas uma coisa é dizer em Brasília, ou mesmo nas Nações Unidas, que é errado invadir e ocupar um país, que as ameaças do mundo globalizado podem ser combatidas de outras formas. Outra coisa é pedir a saída das tropas dos EUA no Iraque num papel co-assinado por um dos principais adversários de Washington na região.
A Síria tem um regime sob risco de extinção -e não se trata de demonizá-lo. Em 30 anos de governo de Hafez al Assad, o hábil pai de Bashar, o país sempre teve um parceiro externo para ajudar a financiar seu regime de minoria alauita, uma facção muçulmana que conta com cerca de 10% da população do país. Sua economia não anda sozinha.
Primeiro foram os soviéticos. Quando a URSS definhou, Assad se uniu a EUA e Arábia Saudita contra o Iraque na primeira Guerra do Golfo (1991). Durante a década de 90, a cooperação de Washington garantiu o regime -que em troca começou a negociar a paz com Israel.
Só que as negociações falharam e Washington começou a isolar Damasco em 2000. Assad, o filho, buscou uma improvável aliança com Saddam Hussein, que precisava de amigos. Sob o nariz das proibições da ONU, a Síria começou a receber 200 mil barris/dia de petróleo baratíssimo.
Só que a guerra no Iraque acabou com a festa. Para piorar, desde o 11 de Setembro os EUA colocam a Síria como patrocinadora do terror. Após uma aproximação inicial, apareceram acusações de ligações com a rede terrorista Al Qaeda, sempre negadas.
Sem amigos ao sul e ao norte (a Turquia é aliada de Israel), e vendo sua presença militar no Líbano ser chamada de ocupação pelo secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, o regime de Bashar al Assad corre riscos. Assim como os assume Lula ao se alinhar politicamente a ele. Pelos alegados motivos comerciais não deve ser. Se pretende fazer jus ao seu saudável discurso de independência diplomática, Lula poderá ter escolhido sem querer o parceiro errado.
Na busca pela afirmação da soberania nacional, o governo do PT corre risco de emular o velho PT da oposição: ser do contra sempre. Nem o governo Figueiredo apoiou a ditadura Argentina contra os britânicos em 1982, ainda que considerasse as ilhas Malvinas propriedade do vizinho.
Não que alguém espere uma retaliação militar contra Brasília. As negociações comerciais, de Alca à OMC, estão à frente como campo de batalha muito mais fértil.


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