São Paulo, segunda-feira, 05 de dezembro de 2005

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ENTREVISTA DE 2ª

NELSON JOBIM

Prazo para filiação partidária de juízes é até 3 de abril; para presidente do STF, origem da crise política é o alto custo nas campanhas

Ministro nega candidatura, mas deve deixar STF em abril

Sérgio Lima/Folha Imagem
Gaúcho de Santa Maria da Boca da Mata, Nelson Jobim concede entrevista em seu gabinete no STF


SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Cogitado para disputar o Palácio do Planalto pelo PMDB em 2006, o ministro Nelson Jobim, 59, pretende deixar a presidência do STF (Supremo Tribunal Federal) em março, a tempo de também renunciar à carreira de juiz e se filiar a um partido político, mas nega que seja candidato.
Em entrevista à Folha, na quinta-feira, disse que não pode proibir as pessoas de fazerem especulações que o envolvam e explicou que a antecipação do fim do mandato no STF atenderá a uma conveniência: a sua sucessora, Ellen Gracie Northfleet, poderá negociar com o Ministério do Planejamento, até 15 de abril, as diretrizes orçamentárias de 2007.
"Isso poderá acontecer, mas não terá nada a ver com pretensões de candidatura, porque não sou candidato a nada."
Para concorrer, Jobim terá de se aposentar no STF e se filiar a um partido até 3 de abril, seis meses antes das eleições. A regra geral é a filiação pelo menos um ano antes, mas os juízes têm prazo especial, pois não podem ter vínculo partidário enquanto magistrados.
Disse que a cassação do mandato de José Dirceu foi "um momento importante". Para ele, "o Congresso acabou decidindo como entendeu que deveria decidir, por sua maioria, e o STF estabeleceu o que tinha que estabelecer".
Jobim disse que a origem da crise política é o alto custo nas campanhas e defendeu sua simplificação, como a proibição de imagens externas de TV e uso de recursos gráficos. "Deve voltar a ser como antes: o candidato vai à televisão para debater, sem instrumentos que possam trabalhar com o inconsciente da população."
Segundo ele, ainda há tempo para fazer mudanças nas leis e aplicá-las nas eleições de 2006, desde que elas não interfiram em direitos dos candidatos, como normas de prestação de contas.
Ele também criticou a resistência de desembargadores ao fim do nepotismo. Eles dizem que o Conselho Nacional de Justiça não teria poder de proibir as contratações. "Está oculto nesse debate o desejo desses setores de manter a possibilidade de trazer os seus filhos e parentes próximos para, digamos, alimentar o orçamento familiar." A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - Que análise o senhor faz da cassação do mandato do ex-deputado José Dirceu?
Nelson Jobim
- Faz parte do processo. Não posso emitir juízo de valor sobre a condenação. Quanto às tensões que ocorreram no processo de cassação em relação ao exercício de defesa, o STF assegurou todos os direitos, não obstante as reações [do Congresso].
O STF vai continuar desempenhando suas funções, mesmo que eventualmente desagrade alguns setores que tenham ânsia de produzir atos de qualquer natureza.
Foi um momento importante, porque mostrou que as instituições funcionam. Cada um cumpriu a sua tarefa. O Congresso Nacional acabou decidindo como entendeu que deveria decidir, por sua maioria, e o STF estabeleceu o que tinha que estabelecer.

Folha - Até que ponto o STF pode interferir nas ações do Congresso?
Jobim
- Temos de fazer uma distinção entre o mérito das decisões do Congresso, que são de natureza política, e os procedimentos que têm de ser observados.
A Constituição deixa muito claro, quer em CPIs quer em processos de cassação, que o devido processo legal, o amplo direito de defesa e o contraditório são direitos constitucionais. Interviremos sempre no sentido de assegurá-los. Isso é uma questão antiga. Desde 1891 o Judiciário pode anular leis votadas pelo Congresso se elas contrariarem a Constituição.

Folha - José Dirceu tem dito que não há provas contra ele. Uma prova aparentemente importante era o depoimento de Kátia Rabello, que foi suprimido do relatório por decisão do STF. O tribunal pode aceitar um recurso dele para anular a cassação sob esse argumento?
Jobim
- Se ele vier, vou ter de responder no processo. Quero deixar claro que o juízo sobre se houve ou não prova é juízo de mérito. Nos juízos políticos, o voto é secreto e não fundamentado. O juízo judicial é fundamentado.
Podemos anular uma decisão judicial por falta de fundamento, mas não se exige isso no juízo político. O que o sistema constitucional exige é que o juízo político observe o amplo direito de defesa.

Folha - O STF adotou uma solução meio-termo no julgamento do mandado de segurança de Dirceu. Reconheceu a violação ao direito de defesa, mas não suspendeu o processo. Foi uma decisão política?
Jobim
- Não. Havia duas possibilidades jurídicas de solucionar o problema. Ou recomeçava o processo [com novos depoimentos] ou não levava em conta [excluíam-se do relatório] as provas produzidas. A última foi a opção da maioria. Eu preferia que pudessem ser ouvidas as testemunhas, mas fui vencido. Ambas são juridicamente possíveis.

Folha - Alguns políticos têm sugerido a sua candidatura à Presidência da República como uma alternativa à polarização entre PT e PSDB. O sr. é candidato?
Jobim
- Essas são especulações feitas pelos outros, rigorosamente meras especulações. Não posso proibi-los de fazê-las. O que eu posso afirmar é que não estou cogitando nada disso.

Folha - Muitos falam da possibilidade de uma terceira via na disputa presidencial de 2006.
Jobim
- Se eu responder isso, estarei fazendo análise política. Isso é um problema que tem de ser decidido no processo eleitoral.
Faço apenas uma observação, não como virtual político nem pensando em política, mas na questão institucional: lamento que toda essa crise venha em decorrência do problema de despesa de campanha e que não tenha sido possível ainda o Congresso votar uma redução das despesas.
As tentativas são sempre de reduzir as fontes de recursos, não das despesas. Sabemos muito bem que, se as fontes de recursos não atendem as despesas, acabam encontrando outras formas.

Folha - Como deve ser a redução?
Jobim
- Temos um pretenso, no sentido lato, programa eleitoral gratuito. Acaba não sendo gratuito, mas altamente caro, tendo em vista a natureza da produção do programa. De uns anos para cá, criou-se um grande mercado em torno disso, de marqueteiros.
Eu me lembro que o senador Mário Covas pretendia voltar ao sistema em que os candidatos compareciam na TV e falavam ao vivo ou gravavam em um estúdio, não tinha nada de produção externa, mas ele foi derrotado.
Se você examinar os programas de TV de diversas eleições, vê como os custos de produção vão crescendo. Fiz isso quando estava no TSE [em 2002]. Começou com um sujeito passeando em uma estrada, com uma câmara do partido filmando ele. No final, lembra-se da propaganda das grávidas [na última campanha de Lula]?

Folha - Tramita no Congresso um projeto que reduz o período da campanha de 90 para 60 dias e o tempo da propaganda, de 45 para 30. O sr. acha que isso ajudaria? Não é por meio do programa na televisão que muitas pessoas conhecem o candidato?
Jobim
- Ajuda sim. Por isso mesmo tem de voltar ao sistema de sair na rua. Essa questão se tornou tão importante que as alianças eleitorais não consideram mais as possibilidades de governo, mas exclusivamente o tempo de TV que a sigla agrega ao candidato.
Depois da eleição, normalmente o eleito tenta cooptar os membros de outro partido. Quem foi mal na eleição é abandonado.

Folha - Não é um retrocesso negar a importância da mídia e valorizar o comício na praça pública?
Jobim
- O que quero negar é aqueles que ganham dinheiro em torno disso, os produtores desse programa. Que fique o tempo de programa existente, não tem problema. É até bom que fique. Uma coisa é o tempo, outra é a produção. Depois é aquela história: se um faz, o outro quer também.

Folha - O sr. defende que não tenha imagem externa e trucagem?
Jobim
- Deve ser como antes, ou seja, o candidato vai para a televisão para debater, sem instrumentos que possam trabalhar com o inconsciente da população.

Folha - Mudanças na legislação neste momento poderiam valer para as eleições de 2006?
Jobim
- Uma coisa é o processo eleitoral, que envolve direitos. Quem pode ser candidato, por exemplo. Eu teria de examinar o problema de custos. Não tenho condições de dizer.

Folha - As normas sobre prestação de contas ainda podem ser modificadas para 2006?
Jobim
- Isso não tem problema.

Folha - A verticalização [vinculação das coligações estaduais às alianças nacionais] foi um erro?
Jobim
- Eu a defendi quando era presidente do TSE. Continuo entendendo que as siglas têm de ser nacionais. Se dois partidos se coligam em um Estado e têm candidatos diversos a presidente, como farão os comícios? Na cabeça do eleitor, acaba criando desordem.

Folha - A aprovação da proposta que acaba com a verticalização vai ser um retrocesso?
Jobim
- Não faço juízo de constitucionalidade. No sentido de afirmação de partidos nacionais, sim. Os partidos nacionais acabarão sendo meras confederações de partidos regionais.

Folha - Desde que o sr. presidiu o TSE, ouvimos falar que deseja voltar à política e que poderia ser candidato em 2006 a presidente ou a governador do Rio Grande do Sul. O sr. vai terminar seu mandato no STF no prazo previsto, em junho?
Jobim
- Em princípio sim, mas posso sair antes, porque há um problema que precisamos enfrentar. A troca na presidência do STF concentrou-se tradicionalmente em fevereiro ou março, mas houve atrasos ultimamente. Um ministro exerceu a presidência por apenas um ou dois meses, e a posse de seu sucessor foi transferida para maio. Depois, com a última aposentadoria [de Maurício Corrêa], ela ficou para junho.
Em junho ela não é conveniente, porque há a necessidade de o novo presidente conduzir a discussão com o Ministério do Planejamento sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que termina em abril. Para isso, é necessário que a posse volte para março ou abril. Isso poderá acontecer, mas não terá nada que ver com pretensões de candidatura, porque não sou candidato a nada.

Folha - Poderá ser em março ou abril?
Jobim
- O melhor é que seja em março, porque a lei tem de ser enviada até 15 de abril. Essa discussão com o Planejamento é ainda mais necessária agora, porque o Congresso está exigindo que os valores sejam examinados no Conselho Nacional de Justiça.
Cada vez mais se torna necessário que a presidência de um tribunal, com mandato de dois anos, comece em um momento que seja viável para negociar os resultados financeiros de sua gestão.

Folha - Para ser candidato, o sr. tem de sair do STF e se filiar até o início de abril?
Jobim
- A filiação partidária é seis meses antes para juízes, ou seja, até 3 de abril. Anos atrás, o TSE respondeu a uma consulta sobre isso. Mas eu não tenho essa pretensão. Todas as especulações são feitas à minha revelia.

Folha - É possível ser juiz e ter o nome cogitado para uma candidatura? Isso não compromete a isenção, especialmente levando em conta que o STF julga causas muito políticas, como a liminar de Dirceu?
Jobim
- Não há impedimento constitucional nenhum. Também não há nenhuma mistura entre decisões e eventuais pretensões políticas, que eu não tenho. Vamos deixar bem claro isso.

Folha - O que o sr. acha dessa crise política envolvendo o governo, o PT, outros partidos e o Congresso?
Jobim
- Vejo essa crise política muito ligada às eleições de 2006. Não sei quais serão os efeitos eleitorais dela. Isso é outra história, mas as instituições estão deglutindo-a com tranqüilidade, o que mostra a maturidade do nosso processo democrático. Não há nenhum ruído institucional. Há os riscos partidários, que são absolutamente normais. Há sempre uma tendência de que aquele que está eventualmente tendo vantagens eleitorais ou de visibilidade dentro de uma crise tenta radicalizá-la para aumentar os ganhos.

Folha - Os desembargadores estão contestando a resolução do Conselho Nacional de Justiça que proibiu o nepotismo.
Jobim
- Faz parte do jogo. Os juízes de primeiro grau, que são a maioria, são contrários ao nepotismo. Já os juízes de segundo grau, os desembargadores, são mais favoráveis. Isso é uma velha tradição que tem de acabar, e o conselho resolveu enfrentar.
Eles afirmam que o conselho não tem competência. Entendo que tem. Mas, na verdade, o que está oculto nesse debate é o desejo desses setores de manter a possibilidade de trazer seus filhos e parentes próximos para, digamos, alimentar o orçamento familiar.

Folha - O presidente da AMB, Rodrigo Collaço, diz que essa é uma visão patrimonialista do Estado. O sr. concorda?
Jobim
- Concordo. É uma velha visão patrimonialista, em que a pessoa se apropria de quadros do Estado pessoalmente. Isso é muito comum na tradição brasileira.

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