|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DE 2ª
NELSON JOBIM
Prazo para filiação partidária de juízes é até 3 de abril; para presidente do STF, origem da crise política é o alto custo nas campanhas
Ministro nega candidatura, mas deve deixar STF em abril
Sérgio Lima/Folha Imagem
|
Gaúcho de Santa Maria da Boca da Mata, Nelson Jobim concede entrevista em seu gabinete no STF |
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Cogitado para disputar o Palácio do Planalto pelo PMDB em
2006, o ministro Nelson Jobim,
59, pretende deixar a presidência
do STF (Supremo Tribunal Federal) em março, a tempo de também renunciar à carreira de juiz e
se filiar a um partido político, mas
nega que seja candidato.
Em entrevista à Folha, na quinta-feira, disse que não pode proibir as pessoas de fazerem especulações que o envolvam e explicou
que a antecipação do fim do mandato no STF atenderá a uma conveniência: a sua sucessora, Ellen
Gracie Northfleet, poderá negociar com o Ministério do Planejamento, até 15 de abril, as diretrizes
orçamentárias de 2007.
"Isso poderá acontecer, mas
não terá nada a ver com pretensões de candidatura, porque não
sou candidato a nada."
Para concorrer, Jobim terá de se
aposentar no STF e se filiar a um
partido até 3 de abril, seis meses
antes das eleições. A regra geral é
a filiação pelo menos um ano antes, mas os juízes têm prazo especial, pois não podem ter vínculo
partidário enquanto magistrados.
Disse que a cassação do mandato de José Dirceu foi "um momento importante". Para ele, "o
Congresso acabou decidindo como entendeu que deveria decidir,
por sua maioria, e o STF estabeleceu o que tinha que estabelecer".
Jobim disse que a origem da crise política é o alto custo nas campanhas e defendeu sua simplificação, como a proibição de imagens
externas de TV e uso de recursos
gráficos. "Deve voltar a ser como
antes: o candidato vai à televisão
para debater, sem instrumentos
que possam trabalhar com o inconsciente da população."
Segundo ele, ainda há tempo
para fazer mudanças nas leis e
aplicá-las nas eleições de 2006,
desde que elas não interfiram em
direitos dos candidatos, como
normas de prestação de contas.
Ele também criticou a resistência de desembargadores ao fim do
nepotismo. Eles dizem que o Conselho Nacional de Justiça não teria
poder de proibir as contratações.
"Está oculto nesse debate o desejo
desses setores de manter a possibilidade de trazer os seus filhos e
parentes próximos para, digamos, alimentar o orçamento familiar." A seguir, os principais
trechos da entrevista:
Folha - Que análise o senhor faz
da cassação do mandato do ex-deputado José Dirceu?
Nelson Jobim - Faz parte do processo. Não posso emitir juízo de
valor sobre a condenação. Quanto
às tensões que ocorreram no processo de cassação em relação ao
exercício de defesa, o STF assegurou todos os direitos, não obstante as reações [do Congresso].
O STF vai continuar desempenhando suas funções, mesmo que
eventualmente desagrade alguns
setores que tenham ânsia de produzir atos de qualquer natureza.
Foi um momento importante,
porque mostrou que as instituições funcionam. Cada um cumpriu a sua tarefa. O Congresso Nacional acabou decidindo como
entendeu que deveria decidir, por
sua maioria, e o STF estabeleceu o
que tinha que estabelecer.
Folha - Até que ponto o STF pode
interferir nas ações do Congresso?
Jobim - Temos de fazer uma distinção entre o mérito das decisões
do Congresso, que são de natureza política, e os procedimentos
que têm de ser observados.
A Constituição deixa muito claro, quer em CPIs quer em processos de cassação, que o devido processo legal, o amplo direito de defesa e o contraditório são direitos
constitucionais. Interviremos
sempre no sentido de assegurá-los. Isso é uma questão antiga.
Desde 1891 o Judiciário pode anular leis votadas pelo Congresso se
elas contrariarem a Constituição.
Folha - José Dirceu tem dito que
não há provas contra ele. Uma prova aparentemente importante era
o depoimento de Kátia Rabello,
que foi suprimido do relatório por
decisão do STF. O tribunal pode
aceitar um recurso dele para anular a cassação sob esse argumento?
Jobim - Se ele vier, vou ter de responder no processo. Quero deixar claro que o juízo sobre se houve ou não prova é juízo de mérito.
Nos juízos políticos, o voto é secreto e não fundamentado. O juízo judicial é fundamentado.
Podemos anular uma decisão
judicial por falta de fundamento,
mas não se exige isso no juízo político. O que o sistema constitucional exige é que o juízo político
observe o amplo direito de defesa.
Folha - O STF adotou uma solução
meio-termo no julgamento do
mandado de segurança de Dirceu.
Reconheceu a violação ao direito
de defesa, mas não suspendeu o
processo. Foi uma decisão política?
Jobim - Não. Havia duas possibilidades jurídicas de solucionar o
problema. Ou recomeçava o processo [com novos depoimentos]
ou não levava em conta [excluíam-se do relatório] as provas
produzidas. A última foi a opção
da maioria. Eu preferia que pudessem ser ouvidas as testemunhas, mas fui vencido. Ambas são
juridicamente possíveis.
Folha - Alguns políticos têm sugerido a sua candidatura à Presidência da República como uma alternativa à polarização entre PT e
PSDB. O sr. é candidato?
Jobim - Essas são especulações
feitas pelos outros, rigorosamente
meras especulações. Não posso
proibi-los de fazê-las. O que eu
posso afirmar é que não estou cogitando nada disso.
Folha - Muitos falam da possibilidade de uma terceira via na disputa presidencial de 2006.
Jobim - Se eu responder isso, estarei fazendo análise política. Isso
é um problema que tem de ser decidido no processo eleitoral.
Faço apenas uma observação,
não como virtual político nem
pensando em política, mas na
questão institucional: lamento
que toda essa crise venha em decorrência do problema de despesa de campanha e que não tenha
sido possível ainda o Congresso
votar uma redução das despesas.
As tentativas são sempre de reduzir as fontes de recursos, não
das despesas. Sabemos muito
bem que, se as fontes de recursos
não atendem as despesas, acabam
encontrando outras formas.
Folha - Como deve ser a redução?
Jobim - Temos um pretenso, no
sentido lato, programa eleitoral
gratuito. Acaba não sendo gratuito, mas altamente caro, tendo em
vista a natureza da produção do
programa. De uns anos para cá,
criou-se um grande mercado em
torno disso, de marqueteiros.
Eu me lembro que o senador
Mário Covas pretendia voltar ao
sistema em que os candidatos
compareciam na TV e falavam ao
vivo ou gravavam em um estúdio,
não tinha nada de produção externa, mas ele foi derrotado.
Se você examinar os programas
de TV de diversas eleições, vê como os custos de produção vão
crescendo. Fiz isso quando estava
no TSE [em 2002]. Começou com
um sujeito passeando em uma estrada, com uma câmara do partido filmando ele. No final, lembra-se da propaganda das grávidas
[na última campanha de Lula]?
Folha - Tramita no Congresso um
projeto que reduz o período da
campanha de 90 para 60 dias e o
tempo da propaganda, de 45 para
30. O sr. acha que isso ajudaria?
Não é por meio do programa na televisão que muitas pessoas conhecem o candidato?
Jobim - Ajuda sim. Por isso mesmo tem de voltar ao sistema de
sair na rua. Essa questão se tornou
tão importante que as alianças
eleitorais não consideram mais as
possibilidades de governo, mas
exclusivamente o tempo de TV
que a sigla agrega ao candidato.
Depois da eleição, normalmente o eleito tenta cooptar os membros de outro partido. Quem foi
mal na eleição é abandonado.
Folha - Não é um retrocesso negar a importância da mídia e valorizar o comício na praça pública?
Jobim - O que quero negar é
aqueles que ganham dinheiro em
torno disso, os produtores desse
programa. Que fique o tempo de
programa existente, não tem problema. É até bom que fique. Uma
coisa é o tempo, outra é a produção. Depois é aquela história: se
um faz, o outro quer também.
Folha - O sr. defende que não tenha imagem externa e trucagem?
Jobim - Deve ser como antes, ou
seja, o candidato vai para a televisão para debater, sem instrumentos que possam trabalhar com o
inconsciente da população.
Folha - Mudanças na legislação
neste momento poderiam valer para as eleições de 2006?
Jobim - Uma coisa é o processo
eleitoral, que envolve direitos.
Quem pode ser candidato, por
exemplo. Eu teria de examinar o
problema de custos. Não tenho
condições de dizer.
Folha - As normas sobre prestação de contas ainda podem ser modificadas para 2006?
Jobim - Isso não tem problema.
Folha - A verticalização [vinculação das coligações estaduais às
alianças nacionais] foi um erro?
Jobim - Eu a defendi quando era
presidente do TSE. Continuo entendendo que as siglas têm de ser
nacionais. Se dois partidos se coligam em um Estado e têm candidatos diversos a presidente, como
farão os comícios? Na cabeça do
eleitor, acaba criando desordem.
Folha - A aprovação da proposta
que acaba com a verticalização vai
ser um retrocesso?
Jobim - Não faço juízo de constitucionalidade. No sentido de afirmação de partidos nacionais, sim.
Os partidos nacionais acabarão
sendo meras confederações de
partidos regionais.
Folha - Desde que o sr. presidiu o
TSE, ouvimos falar que deseja voltar à política e que poderia ser candidato em 2006 a presidente ou a
governador do Rio Grande do Sul. O
sr. vai terminar seu mandato no
STF no prazo previsto, em junho?
Jobim - Em princípio sim, mas
posso sair antes, porque há um
problema que precisamos enfrentar. A troca na presidência do STF
concentrou-se tradicionalmente
em fevereiro ou março, mas houve atrasos ultimamente. Um ministro exerceu a presidência por
apenas um ou dois meses, e a posse de seu sucessor foi transferida
para maio. Depois, com a última
aposentadoria [de Maurício Corrêa], ela ficou para junho.
Em junho ela não é conveniente, porque há a necessidade de o
novo presidente conduzir a discussão com o Ministério do Planejamento sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que termina
em abril. Para isso, é necessário
que a posse volte para março ou
abril. Isso poderá acontecer, mas
não terá nada que ver com pretensões de candidatura, porque não
sou candidato a nada.
Folha - Poderá ser em março ou
abril?
Jobim - O melhor é que seja em
março, porque a lei tem de ser enviada até 15 de abril. Essa discussão com o Planejamento é ainda
mais necessária agora, porque o
Congresso está exigindo que os
valores sejam examinados no
Conselho Nacional de Justiça.
Cada vez mais se torna necessário que a presidência de um tribunal, com mandato de dois anos,
comece em um momento que seja viável para negociar os resultados financeiros de sua gestão.
Folha - Para ser candidato, o sr.
tem de sair do STF e se filiar até o
início de abril?
Jobim - A filiação partidária é
seis meses antes para juízes, ou seja, até 3 de abril. Anos atrás, o TSE
respondeu a uma consulta sobre
isso. Mas eu não tenho essa pretensão. Todas as especulações são
feitas à minha revelia.
Folha - É possível ser juiz e ter o
nome cogitado para uma candidatura? Isso não compromete a isenção, especialmente levando em
conta que o STF julga causas muito
políticas, como a liminar de Dirceu?
Jobim - Não há impedimento
constitucional nenhum. Também
não há nenhuma mistura entre
decisões e eventuais pretensões
políticas, que eu não tenho. Vamos deixar bem claro isso.
Folha - O que o sr. acha dessa crise política envolvendo o governo, o
PT, outros partidos e o Congresso?
Jobim - Vejo essa crise política
muito ligada às eleições de 2006.
Não sei quais serão os efeitos eleitorais dela. Isso é outra história,
mas as instituições estão deglutindo-a com tranqüilidade, o que
mostra a maturidade do nosso
processo democrático. Não há nenhum ruído institucional. Há os
riscos partidários, que são absolutamente normais. Há sempre
uma tendência de que aquele que
está eventualmente tendo vantagens eleitorais ou de visibilidade
dentro de uma crise tenta radicalizá-la para aumentar os ganhos.
Folha - Os desembargadores estão contestando a resolução do
Conselho Nacional de Justiça que
proibiu o nepotismo.
Jobim - Faz parte do jogo. Os juízes de primeiro grau, que são a
maioria, são contrários ao nepotismo. Já os juízes de segundo
grau, os desembargadores, são
mais favoráveis. Isso é uma velha
tradição que tem de acabar, e o
conselho resolveu enfrentar.
Eles afirmam que o conselho
não tem competência. Entendo
que tem. Mas, na verdade, o que
está oculto nesse debate é o desejo
desses setores de manter a possibilidade de trazer seus filhos e parentes próximos para, digamos,
alimentar o orçamento familiar.
Folha - O presidente da AMB, Rodrigo Collaço, diz que essa é uma
visão patrimonialista do Estado. O
sr. concorda?
Jobim - Concordo. É uma velha
visão patrimonialista, em que a
pessoa se apropria de quadros do
Estado pessoalmente. Isso é muito comum na tradição brasileira.
Texto Anterior: Marcha a ré: BC reage às críticas de Mantega à política monetária Próximo Texto: Presidente é o mais político dos membros do STF Índice
|