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Ditadura argentina montou bases no Brasil
Carcereiro argentino que atuou em centro de tortura durante a Operação Condor revelou ação dos militares em SP e no Rio
Declaração faz parte de um processo na Argentina que culminou, no dia 18 de dezembro, na condenação de 7 militares e um policial
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
No auge da Operação Condor, acordo feito no final de
1975 entre militares da América do Sul para combater opositores, a Argentina manteve bases em São Paulo e no Rio de
Janeiro compostas por membros de suas corporações cujo
objetivo era "detectar pessoas
vinculadas à "subversão", controlá-las e manterem-se informados sobre todos seus movimentos".
Os militares baseados no
Brasil estavam vinculados ao
Batalhão de Inteligência 601,
centro militar de interrogatórios e torturas localizado nos
arredores de Buenos Aires.
As revelações constam de um
processo judicial aberto a pedido do Ministério Público argentino e que culminou, no último dia 18, na condenação de
sete militares e um policial, incluindo o general Cristino Nicolaides, 83, ex-comandante do
Exército e membro da quarta
junta militar que governou o
país em 1982 e 1983. Nicolaides,
condenado a cinco anos de reclusão, cumpre prisão domiciliar em Córdoba.
A íntegra da decisão de 303
páginas, obtida pela testemunha do processo e ativista Jair
Krischke, presidente do Movimento Nacional de Justiça e
Direitos Humanos do Rio
Grande do Sul, traz o depoimento prestado em 1984 pelo
carcereiro Néstor Norberto
Cendon, que cumpriu tarefas
no batalhão 601.
Segundo a sentença, Cendon
relatou que as bases dos argentinos no Brasil tinham como
prioridade os montoneros,
maior grupo guerrilheiro argentino, que a partir de 1978
iniciou a "segunda contra-ofensiva", um plano que previa
o retorno à Argentina dos guerrilheiros que viviam no exterior
para um fracassado embate final com a ditadura. A ordem
dos militares era interceptar os
guerrilheiros em território estrangeiro ou deixar a Argentina
preparada para o regresso.
Pelo menos 20 montoneros
morreram em 1980 -quatro
foram presos no Brasil e, entregues à Argentina, desapareceram. Dois se mataram ao serem
abordados por uma lancha policial quando tentavam cruzar
de barco o Rio Paraná.
De acordo com a sentença
dada pelo juiz Ariel Lijo, do 4º
Juizado Nacional Criminal e
Correcional Federal, Cendón
afirmou em agosto de 1984 à
comissão montada pelo governo argentino para apurar desaparecimentos que "o serviço de
inteligência do Exército contava com bases no Paraguai, Bolívia, Peru, Brasil e Uruguai. A
mais conhecida era a do Brasil,
com sede em São Paulo e Rio de
Janeiro. Em Paso de Los Libres
também, já que bastava cruzar
a ponte para se estar em Uruguaiana [no Brasil]".
Segundo a decisão judicial,
Cendon disse que as bases do
Brasil eram ocupadas por quatro oficiais e dois civis ligados à
inteligência do Exército, citados nominalmente e por apelido. "A raiz dos trabalhos realizados por esses grupos se referia a muitos integrantes dos
TEIs (Tropas Especiais de Infantaria) e TEAs (Tropas Especiais de Agitação), que, segundo
as informações do depoente
[Cendon], foram treinados na
Líbia, os TEIs, e em Cuba, os
TEAs". Os grupos eram braços
operacionais dos montoneros.
Em seu relato, Cendon disse
que a operação militar anti-montonera levou o nome de
"Morcego" e incluía as bases
brasileiras. "Toda a operação
Morcego foi desenvolvida a
partir de meados de 1978. Era
evidente, segundo disse o depoente [Cendon], a colaboração prestada pelos serviços de
informações inteligência dos
países em que eles estabeleceram as Bases", diz a sentença.
Um participante TEI era Horacio Campiglia, que em 1980
foi preso no aeroporto do Galeão, no Rio, junto com a guerrilheira Monica Binstock. Ambos estão desaparecidos. O caso
de Campiglia, que tinha também cidadania italiana, é investigado pela Justiça da Itália. No
último dia 24 a Itália decretou a
prisão de 140 supostos envolvidos com a Condor, incluindo
onze brasileiros.
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